O sonho de mendeleiev
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caminhando para uma gran<strong>de</strong> catástrofe social.<br />
Lavoisier <strong>de</strong>u mostras <strong>de</strong> um talento tão excepcional que aos 23 anos foi eleito para a<br />
Académie <strong>de</strong>s Sciences (a antiga Académie Royale <strong>de</strong>s Sciences). Seu passo seguinte foi uma<br />
espécie <strong>de</strong> choque para seus iluminados colegas acadêmicos. Optou por ingressar (e nela<br />
investir sua herança) numa das agências mais opressivas que operavam sob o Ancien Régime,<br />
a Ferme Générale. Esta era uma organização privadamente dirigida que arrecadava certos<br />
impostos governamentais com base em comissão. Os métodos corruptos usados pelos<br />
coletores <strong>de</strong> impostos da Ferme Générale, movidos pelo lucro, faziam <strong>de</strong>la uma das mais<br />
abominadas instituições <strong>de</strong> um país em que todas as formas <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong> estavam se tornando<br />
mais e mais <strong>de</strong>sprezadas. Lavoisier não foi, sem dúvida, nenhum coletor – assumiu apenas um<br />
posto administrativo na Ferme –, mas <strong>de</strong>via saber muito bem o que estava se passando ali. A<br />
<strong>de</strong>sculpa que geralmente se dá é que <strong>de</strong>sejava que seu investimento gerasse uma renda<br />
suficiente para lhe permitir levar à frente suas pesquisas científicas.<br />
Mas o primeiro e maior benefício que Lavoisier auferiria <strong>de</strong>sse emprego não seria<br />
financeiro. Aos 29 anos ele se casou inesperadamente com a filha <strong>de</strong> 13 anos <strong>de</strong> um dos<br />
sócios majoritários da Ferme. Diz-se que sua noiva, Anne-Marie, foi casada às pressas pelo<br />
pai, empenhado em evitar a pressão real para que se casasse com um aristocrata <strong>de</strong> 50 anos e<br />
sem vintém – que a mocinha aturdida <strong>de</strong>screveu ao pai como une espèce d’ogre (“uma espécie<br />
<strong>de</strong> ogro”). Apesar das circunstâncias, esse casamento precipitado contraído por um rapaz<br />
solteiro tão elegível com uma menina <strong>de</strong> 13 anos pareceria sugerir ou fraqueza <strong>de</strong> caráter da<br />
parte <strong>de</strong> Lavoisier ou carreirismo <strong>de</strong>scarado. No mínimo. Seja como for, essas reservas<br />
empali<strong>de</strong>cem à luz do próprio casamento. Embora não tenham tido filhos, Antoine e Anne-<br />
Marie iriam ser pelo resto <strong>de</strong> suas vidas um casal profundamente <strong>de</strong>votado. Foi um casamento<br />
que os realizou a ambos. Anne-Marie iria se tornar a parceira do marido na ciência. Ali<br />
estava mais que uma mera colaboradora. Apren<strong>de</strong>u inglês <strong>de</strong> modo a po<strong>de</strong>r informar o marido<br />
sobre os últimos artigos <strong>de</strong> química apresentados na Royal Society. Colaborou com ele<br />
também em muitos <strong>de</strong> seus mais importantes experimentos – que eram por vezes montados por<br />
ela e invariavelmente anotados por ela. E parece ter dados contribuições consi<strong>de</strong>ráveis em<br />
suas discussões sobre química teórica. (Sugeriram-se paralelos com a parceria entre Pierre e<br />
Marie Curie na virada do século seguinte – mas isso seria provavelmente um exagero.)<br />
Uma coisa é certa, porém. Sem o apoio <strong>de</strong> Anne-Marie, Lavoisier certamente não teria tido<br />
tempo nem energia para levar adiante sua bem-sucedida carreira administrativa. Foi esta que<br />
lhe permitiu acumular a fortuna que financiou seus projetos científicos e humanitários. Entre os<br />
últimos estava a fazenda mo<strong>de</strong>lo que estabeleceu em suas terras na provinciana Orléans, e a<br />
organização para o alívio da fome que implantou por toda essa mesma região. Pelo menos<br />
parte do que extraiu em impostos foi <strong>de</strong>volvida em carida<strong>de</strong>.<br />
Os talentos que Lavoisier <strong>de</strong>monstrou em seu trabalho para a Ferme logo lhe valeram a<br />
promoção a sócio majoritário. Na Académie <strong>de</strong>s Sciences ele começou a ser indicado para<br />
vários comitês. Da mesma maneira, os aperfeiçoamentos que sugeriu para a indústria <strong>de</strong><br />
munições acabaram lhe valendo sua <strong>de</strong>signação para dire-tor da Administração da Pólvora.<br />
Este cargo incluía uma magnífica residência no Arsenal <strong>de</strong> Paris, on<strong>de</strong> ele instalou um<br />
laboratório esplendidamente equipado.<br />
Foi ali que Lavoisier e sua mulher posaram para o célebre retrato feito por David, o mais<br />
consumado artista da época. Apesar <strong>de</strong> seu formalismo como retrato <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> do “gran<strong>de</strong>