19.11.2018 Views

O sonho de mendeleiev

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

estava mergulhado num béquer contendo água. O <strong>de</strong>stilado final acumulado sob a água no<br />

béquer foi uma substância pegajosa e transparente. Quando removida da água, ela brilhava no<br />

escuro, e por vezes se inflamava até espontaneamente, <strong>de</strong>spren<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>nsos vapores brancos.<br />

Brand resolveu chamar essa nova substância <strong>de</strong> fósforo, do grego phos (“luz”) e phoros (“o<br />

que dá”).<br />

Por difícil que seja acreditar, o prolongado experimento <strong>de</strong>scrito acima foi um dos segredos<br />

mais bem guardados da ciência do século XVII. Brand <strong>de</strong>monstrou orgulhosamente sua nova<br />

substância para os amigos em Hamburgo, mas recusou-se a divulgar o segredo <strong>de</strong> como a<br />

produzira. Notícias <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>scoberta e do po<strong>de</strong>r miraculoso daquele novo fósforo logo<br />

começaram a se espalhar por toda a Alemanha.<br />

As <strong>de</strong>monstrações espetaculares <strong>de</strong> Guericke com os hemisférios <strong>de</strong> Mag<strong>de</strong>burg haviam<br />

<strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ado uma mania popular por experimentos científicos na Alemanha. A essa altura,<br />

vários químicos estavam ganhando a vida fazendo turnês pelas várias cortes, <strong>de</strong>monstrando as<br />

últimas maravilhas científicas. O fósforo era i<strong>de</strong>al para esses espetáculos. Outros até tiveram<br />

o palpite <strong>de</strong> que <strong>de</strong>via haver um uso militar para essa nova substância.<br />

Finalmente Brand foi visitado em Hamburgo por um certo Dr. Johann Krafft, <strong>de</strong> Dres<strong>de</strong>n,<br />

que o convenceu a revelar o segredo do fósforo por 200 táleres. Dali em diante Krafft passou<br />

a fazer <strong>de</strong>monstrações com o fósforo em cortes <strong>de</strong> toda a Europa. Quando visitou a corte <strong>de</strong><br />

Carlos II, em Londres, Boyle foi convidado para assistir ao experimento. Krafft se recusou a<br />

divulgar o segredo para Boyle, mas, através <strong>de</strong> um comentário casual que ele <strong>de</strong>ixou escapar e<br />

da observação atenta <strong>de</strong> seu experimento, Boyle colheu certas pistas. No intervalo <strong>de</strong> alguns<br />

meses, ajudado em parte por um químico alemão chamado Ambrose Godfrey Hanckwitz,<br />

Boyle havia <strong>de</strong>scoberto in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente como preparar o fósforo. Escreveu uma clara<br />

<strong>de</strong>scrição passo a passo <strong>de</strong> seu experimento, lacrou-a num envelope e confiou-a à guarda da<br />

Royal Society. Nesse meio tempo, Godfrey abandonou a parte alemã <strong>de</strong> seu nome, estabeleceu<br />

um laboratório em Londres e passou a produzir fósforo para distribuir por toda a Europa.<br />

Dentro <strong>de</strong> poucos anos havia feito uma fortuna e tornou-se tão famoso que uma carta<br />

en<strong>de</strong>reçada simplesmente a “Sr. Godfrey, Famoso Químico <strong>de</strong> Londres” chegava às suas mãos.<br />

Mantendo o processo em segredo, Boyle <strong>de</strong>u enorme ajuda a Hanckwitz (que, é claro, o<br />

ajudara). Esse não foi, contudo, um gesto característico <strong>de</strong>le. Sua prática <strong>de</strong> registrar todos os<br />

seus experimentos <strong>de</strong> maneira clara e compreensível estava em conformida<strong>de</strong> com seu <strong>de</strong>sejo<br />

<strong>de</strong> que todo conhecimento em ciência pu<strong>de</strong>sse ser partilhado, <strong>de</strong> preferência através <strong>de</strong><br />

instituições como a Royal Society. Desse modo os cientistas <strong>de</strong> todas as partes po<strong>de</strong>riam se<br />

beneficiar dos últimos avanços: o <strong>sonho</strong> utópico <strong>de</strong> Bacon, a Casa <strong>de</strong> Salomão, iria se<br />

concretizar em instituições científicas espalhadas por toda a Europa.<br />

Tudo isso estava muito bem para Boyle, que era um homem rico, com uma renda privada,<br />

mas outros, compreensivelmente, buscavam ganhar com suas <strong>de</strong>scobertas. Estava a ciência<br />

fadada a se tornar um comércio, ou <strong>de</strong>veria existir para o benefício <strong>de</strong> todos? Essa questão<br />

continua relevante até hoje (por exemplo, no tocante às patentes para os genes <strong>de</strong> novos<br />

animais “criados”). A essas dificulda<strong>de</strong>s somavam-se também questões <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>. A<br />

revolução científica do século XVII significou que um número crescente <strong>de</strong> cientistas se viu<br />

confrontado com os mesmos problemas, chegando às suas próprias soluções e <strong>de</strong>scobertas<br />

semelhantes in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente umas das outras. Quem <strong>de</strong>scobrira o que primeiro? Se uma<br />

pessoa publicava sua <strong>de</strong>scoberta, ganhava o crédito, mas nesse caso todos ficavam sabendo

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!