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O sonho de mendeleiev

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ler seu esplêndido presente o emir ficou tão intrigado que convocou al-Razi e or<strong>de</strong>nou que<br />

conduzisse um experimento público mostrando como a transmutação funcionava. Al-Razi<br />

tergiversou, explicando que só a aparelhagem iria custar uma fortuna. Apesar disso, foram-lhe<br />

pagas mil peças <strong>de</strong> ouro, com a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> montar um laboratório para sua <strong>de</strong>monstração. No<br />

dia marcado, o emir chegou para testemunhar a transmutação <strong>de</strong> metais inferiores em ouro –<br />

sem esquecer <strong>de</strong> levar consigo o livro <strong>de</strong> al-Razi sobre o assunto, <strong>de</strong> modo a po<strong>de</strong>r<br />

acompanhar cada estágio do processo. No entanto, a <strong>de</strong>speito <strong>de</strong> horas <strong>de</strong> agitação em meio<br />

aos cadinhos, alambiques para refinação (aparelhos <strong>de</strong> <strong>de</strong>stilação) e fornalhas, o velho mestre<br />

alquimista foi inexplicavelmente incapaz <strong>de</strong> produzir qualquer coisa que sequer parecesse<br />

imitação <strong>de</strong> ouro. Diante disso o emir ficou tão furioso que começou a bater na cabeça <strong>de</strong> al-<br />

Razi com seu livro. Diz-se que essa teria sido a causa da cegueira sofrida pelo alquimista<br />

durante seus últimos anos, que passou em “pobreza e obscurida<strong>de</strong>”. (Curiosamente, o fracasso<br />

do gran<strong>de</strong> alquimista não <strong>de</strong>sencorajou futuras gerações <strong>de</strong> a<strong>de</strong>ptos, que continuaram<br />

convencidos <strong>de</strong> que al-Razi havia finalmente solucionado o problema.) Al-Razi morreu na<br />

casa dos 70 anos, em algum momento por volta <strong>de</strong> 930 e até hoje é merecidamente lembrado<br />

como um dos mais exímios cientistas do mundo árabe.<br />

Meio século após sua morte surgiu o maior <strong>de</strong> todos os intelectuais muçulmanos –<br />

conhecido por nós como Avicena, mas em árabe ibn Sina. Avicena foi talvez o único homem<br />

na história a dar contribuições <strong>de</strong> vulto para a medicina, a filosofia, a física, a política árabe e<br />

a alquimia. Como talvez não surpreenda numa figura <strong>de</strong> intelecto tão superior, sua<br />

contribuição mais importante para a alquimia foi duvidar da própria raison d’être <strong>de</strong>la: sua<br />

capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transmutar metais inferiores em ouro. Nem é preciso dizer que isso lhe valeu<br />

poucos amigos na profissão.<br />

Avicena nasceu em 980 perto <strong>de</strong> Samarcanda, filho <strong>de</strong> um coletor <strong>de</strong> impostos persa. Ainda<br />

criança, <strong>de</strong>monstrou qualida<strong>de</strong>s excepcionais, e aos <strong>de</strong>z anos, ao que se conta, era capaz <strong>de</strong><br />

recitar todo o Alcorão <strong>de</strong> memória. Suas habilida<strong>de</strong>s intelectuais logo chamaram a atenção.<br />

Depois <strong>de</strong> seus estudos em Isfahan e Tehran, foi empregado por vários lí<strong>de</strong>res muçulmanos –<br />

por vezes como vizir. Esse era um negócio perigoso no melhor dos tempos, e mais ainda<br />

durante o <strong>de</strong>clínio e <strong>de</strong>sintegração do Império Árabe. Avicena correu os riscos profissionais<br />

que costumavam cercar a vida política no Oriente Médio: escapou da pena <strong>de</strong> morte por um<br />

triz em mais <strong>de</strong> uma ocasião, foi sequestrado e libertado mediante resgate e passou vários<br />

períodos em masmorras ou escon<strong>de</strong>rijos. Mas, vez por outra, havia também recompensas:<br />

Avicena <strong>de</strong>sfrutou uma vida <strong>de</strong> fama, fortuna, incontáveis mulheres e, presumivelmente,<br />

incontáveis esposas. Apesar da proibição do vinho no Alcorão, diz-se que seu consumo por<br />

Avicena era prodigioso.<br />

Como conseguia encontrar tempo para suas profundas e amplas ativida<strong>de</strong>s intelectuais em<br />

meio a tudo isso continua sendo um mistério. Talvez naquela época primeiros-ministros<br />

voluptuosos sequer fingissem trabalhar tão arduamente.<br />

Em seus escritos científicos, Avicena propôs que um corpo permanece no mesmo lugar, ou<br />

continua se movendo com a mesma velocida<strong>de</strong> numa linha reta, a menos que uma força externa<br />

aja sobre ele. Aqui está a primeira lei do movimento, elaborada 600 anos antes <strong>de</strong> Newton.<br />

Avicena mostrou também o vínculo indissolúvel entre tempo e movimento, por meio <strong>de</strong> uma<br />

po<strong>de</strong>rosa imagem poética. Se todas as coisas em todo o mundo fossem inertes, o tempo não<br />

teria nenhum significado. (Só com Einstein o vínculo entre espaço e tempo veio a ser

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