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O sonho de mendeleiev

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ecipiente circular era possível calcular o valor <strong>de</strong> π com elevado grau <strong>de</strong> precisão. Mas nem<br />

todos os experimentos <strong>de</strong> Nicolau <strong>de</strong> Cusa envolveram a balança. Como já o fizera Roger<br />

Bacon, ele sugeriu uma modificação muito necessária do calendário. (Nessa altura o cálculo<br />

imperfeito do comprimento do ano havia levado o calendário juliano a se <strong>de</strong>sregular em quase<br />

uma semana.) Nicolau <strong>de</strong> Cusa foi um pioneiro no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> óculos côncavos para a<br />

correção da miopia; sugeriu a contagem do pulso como técnica diagnóstica; e traçou um dos<br />

primeiros mapas confiáveis da Europa incorporando longitu<strong>de</strong> e latitu<strong>de</strong>. Mas o pináculo <strong>de</strong><br />

seus talentos práticos foi um trabalho <strong>de</strong> virtuose com a balança que haveria <strong>de</strong> ter importantes<br />

implicações para a química. Ele envolveu pesar uma planta em crescimento com gran<strong>de</strong><br />

exatidão, dia após dia. O experimento <strong>de</strong> Nicolau <strong>de</strong> Cusa foi conduzido com tal precisão que<br />

ele foi capaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>scobrir que a planta era nutrida pelo ar e também que o próprio ar tinha<br />

peso. Ali estava algo <strong>de</strong> que ninguém se <strong>de</strong>ra conta antes. (Consi<strong>de</strong>rava-se que o ar, como um<br />

dos quatro elementos, era quase por <strong>de</strong>finição sem peso.) Esse foi o primeiro experimento<br />

formal <strong>de</strong> estilo mo<strong>de</strong>rno realizado na biologia. Suas implicações espalharam fissuras pelas<br />

noções aceitas da física, da biologia e da química. Com o tempo ele iria transformar nossa<br />

compreensão do que é exatamente a realida<strong>de</strong>. No entanto, essas coisas quase não pu<strong>de</strong>ram ser<br />

entendidas na época – sobretudo porque a ciência ainda estava por <strong>de</strong>senvolver os conceitos<br />

com que apreen<strong>de</strong>r implicações <strong>de</strong>sse tipo. É provavelmente isso, mais que qualquer coisa,<br />

que explica por que as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> Nicolau <strong>de</strong> Cusa passaram praticamente <strong>de</strong>spercebidas por<br />

tanto tempo. Nem Copérnico ouvira falar <strong>de</strong>las quando elaborou em <strong>de</strong>talhe matemático o<br />

plano heliocêntrico do sistema solar que Nicolau <strong>de</strong> Cusa havia conjecturado.<br />

Ali on<strong>de</strong> Nicolau <strong>de</strong> Cusa tivera um palpite – como o haviam tido vários dos gregos antigos<br />

–, Copérnico produziu um mo<strong>de</strong>lo científico baseado em observações <strong>de</strong>talhadas, com amparo<br />

matemático. É isso, o efeito revolucionário <strong>de</strong> sua teoria, que lhe assegura seu lugar no<br />

panteão científico. Não sem justificativa, seu biógrafo Hermann Kersten afirma que Copérnico<br />

causou “a maior revolução intelectual da história da humanida<strong>de</strong>”. Aqui, somente Darwin,<br />

Newton ou talvez Aristóteles po<strong>de</strong>riam ser consi<strong>de</strong>rados competidores.<br />

Compreen<strong>de</strong>ndo as vastas implicações <strong>de</strong> sua teoria, Copérnico adiou a publicação <strong>de</strong> seu<br />

De revolutionibus orbium coelestium (“Das revoluções dos orbes celestes”) até o último<br />

momento. Em maio <strong>de</strong> 1543, aos 70 anos, após sofrer um <strong>de</strong>rrame, ele estava em seu leito <strong>de</strong><br />

morte. Segundo seu leal amigo Giese, “a versão publicada <strong>de</strong> seu livro foi posta em suas mãos<br />

apenas em sua última hora, no dia em que morreu”.<br />

Durante os últimos anos antes <strong>de</strong> sua morte, rumores da teoria <strong>de</strong> Copérnico haviam<br />

começado a se espalhar. Ela não ia apenas contra a ortodoxia aristotélica da Igreja, tendo sido<br />

con<strong>de</strong>nada também por Lutero, cuja Reforma estava agora dividindo a Europa central.<br />

Felizmente, em maio <strong>de</strong> 1543, Copérnico estava agonizante e por isso não pô<strong>de</strong> notar que um<br />

prefácio fora inserido em seu livro por um clérigo luterano chamado Osian<strong>de</strong>r, que ficara<br />

encarregado da publicação. Esse prefácio não era assinado e durante anos muita gente supôs<br />

que fora escrito pelo próprio Copérnico. Ele afirmava que a teoria contida no livro não<br />

<strong>de</strong>veria ser encarada como a verda<strong>de</strong>. Aquela não era nenhuma <strong>de</strong>scrição do movimento real<br />

dos planetas, meramente um método que tornava mais fácil calcular o movimento planetário<br />

para a previsão precisa <strong>de</strong> eclipses e fenômenos semelhantes. Isso teve o efeito que fora<br />

provavelmente pretendido. O livro gerou pouca controvérsia quando <strong>de</strong> sua publicação e seus<br />

poucos leitores presumiram que o próprio Copérnico não acreditava na teoria heliocêntrica. O

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