O sonho de mendeleiev
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que transmitiu muitos dos segredos antigos da khemeia, entre os quais fórmulas para a<br />
transmutação <strong>de</strong> metais inferiores em ouro.<br />
Os árabes viram rapidamente um gran<strong>de</strong> potencial para esse processo, e puseram mãos à<br />
obra com disposição. A sabedoria grega em todas as suas manifestações (da astronomia à<br />
filosofia, da matemática à alquimia) começou então a atrair as melhores cabeças árabes. A<br />
primeira figura excepcional a surgir no campo da alquimia foi Djabir ibn-Hayyan, mais tar<strong>de</strong><br />
conhecido na Europa como “Geber”. (Durante vários séculos pensou-se erroneamente que fora<br />
o inventor <strong>de</strong> al-geber,ou álgebra.) Djabir nasceu por volta <strong>de</strong> 760 e viveu em Bagdá quando<br />
o Império Árabe estava em seu apogeu sob o legendário Harun al-Rashid (cujo nome se traduz<br />
prosaicamente como Aarão o Aprumado.) Essa é a era evocada nas Mil e uma noites,em que<br />
Sheraza<strong>de</strong> adia sua sentença <strong>de</strong> morte contando histórias para o califa (supostamente Harun).<br />
Noite após noite ela o enfeitiça com suas mil e uma histórias lendárias <strong>de</strong> Aladim, Simbá o<br />
Marujo, Ali Babá e outros. A própria Bagdá era, se o po<strong>de</strong>mos dizer, ainda mais fabulosa. Na<br />
altura do século IX, era a cida<strong>de</strong> mais rica do mundo, em seus cais orlado <strong>de</strong> palmeiras sobre<br />
o Eufrates enfileiravam-se navios vindos <strong>de</strong> tão longe quanto Zanzibar e Catai (China). No<br />
coração da cida<strong>de</strong> ficava a Cida<strong>de</strong> Redonda, com 3,2 quilômetros <strong>de</strong> extensão, guardada por<br />
três anéis <strong>de</strong> muralhas. No centro da Cida<strong>de</strong> Redonda erguia-se o Palácio Dourado e a Gran<strong>de</strong><br />
Mesquita, e <strong>de</strong>les saíam quatro estradas axiais que levavam aos quatro cantos do Império<br />
Árabe. Nos subúrbios fora dos muros, em meio a fontes e a jardins sombreados, havia centros<br />
<strong>de</strong> ensino e hospitais públicos. Em contraposição, os suqs (vastos bazares cobertos, a que não<br />
faltavam galerias e torreões) eram uma gritaria exótica <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>dores <strong>de</strong> perfume, fabricantes<br />
<strong>de</strong> espadas e armeiros. Barracas ofereciam canela da Sumatra, cravos da África, até vegetais<br />
assombrosos como espinafre e ruibarbo (então <strong>de</strong>sconhecidos na Europa). Nas praças<br />
movimentadas, contadores <strong>de</strong> histórias recitavam contos <strong>de</strong> Aladim e sua lâmpada mágica,<br />
comedores <strong>de</strong> fogo e engolidores <strong>de</strong> espada disputavam a atenção e comerciantes indianos <strong>de</strong><br />
seda faziam ofertas para a compra <strong>de</strong> escravos núbios. (Nesse meio tempo, na Europa, Roma<br />
jazia em ruínas; e num castelo cheio <strong>de</strong> correntes <strong>de</strong> ar em meio às florestas alemãs Carlos<br />
Magno ficava boquiaberto diante do intricado relógio d’água que lhe foi presenteado por um<br />
emissário árabe vestido <strong>de</strong> seda.)<br />
A chegada da alquimia ao mundo árabe foi saudada com um assombro intrigado semelhante.<br />
O primeiro contato entre a mente árabe e esse resíduo do pensamento greco-egípcio produziu<br />
uma azáfama <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, se não sempre científica, criativa. O Alcorão encorajava<br />
claramente a medicina e o estudo do saber científico e matemático. Esse era o caminho para<br />
<strong>de</strong>svendar a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus. (Mesmo no islã fundamentalista mo<strong>de</strong>rno este continua sendo<br />
teoricamente o caso; são sobretudo os efeitos e os produtos <strong>de</strong> tal conhecimento que são<br />
evitados.) Sem o estorvo <strong>de</strong>ssas restrições, Djabir se lançou entusiasticamente em busca do<br />
ouro, e ao fazê-lo estabeleceu-se como um dos maiores alquimistas <strong>de</strong> todos os tempos. O<br />
importante para nós é que Djabir, diferentemente <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong> seus colegas gananciosos,<br />
abordou o problema da transmutação <strong>de</strong> maneira científica. É possível que seu pensamento<br />
químico se fundasse em premissas falsas, mas ainda assim era análise da mais alta qualida<strong>de</strong>.<br />
Foi Djabir quem levou os químicos a pensar em possibilida<strong>de</strong>s novas na construção<br />
fundamental da matéria.<br />
Djabir modificou a doutrina dos quatro elementos <strong>de</strong> Aristóteles, especialmente no tocante<br />
aos metais. Segundo ele, os metais eram formados <strong>de</strong> dois elementos: enxofre e mercúrio. O