Formar Leitores para Ler o Mundo - Leitura Gulbenkian - Fundação ...
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dos álbuns de Beatrix Potter, nomeadamente das transformações<br />
empobrecedoras que a linguagem e o estilo desta autora sofreram, na<br />
sequência da edição de livros resultantes de adaptações televisivas das<br />
suas obras. Peter Hunt contrastou ainda o estilo e a técnica narrativa de<br />
uma autora de grande sucesso, durante muito tempo conotada com a bad<br />
writing – referia-se a Enid Blyton – e o estilo de um conhecido autor do nosso<br />
tempo – Philip Pullman –, cujos títulos têm granjeado considerável êxito<br />
junto do público juvenil e até adulto. Numa breve análise que se centrou<br />
em aspectos estilísticos e tecnico-narrativos, os específicos segmentos<br />
confrontados, de extensão breve, permitiram, surpreendentemente, inferir<br />
a maior riqueza da escrita de Blyton. Muitos livros actuais seriam assim,<br />
<strong>para</strong> Peter Hunt, exemplos de uma escrita mais literal, mais simplificada<br />
no estilo, menos capaz de estimular a dedução, a inferência de sentidos e a<br />
relacionação de elementos, menos susceptível por isso de desenvolver a<br />
capacidade de interpretar os vazios de um texto literário de maior<br />
complexidade. Implícito nas palavras do conferencista ficou, porventura,<br />
um apelo no sentido da exigência e de um trabalho mais aprofundado no<br />
campo da educação literária.<br />
A esta intervenção subordinada ao título «Declínio e Diminuição da Literacia<br />
Literária: Infância e literatura <strong>para</strong> a infância no Reino Unido na actualidade»<br />
seguiu-se a de Lawrence Sipe, professor da Universidade da Pensilvânia:<br />
«Peritextos e Quebras de Página: Oportunidades <strong>para</strong> construir sentido nos<br />
álbuns».<br />
Partindo, em parte, da teorização de Gérard Genette sobre a <strong>para</strong>textualidade,<br />
o essencial da conferência de Sipe veio colocar na ordem do dia a<br />
necessidade do desenvolvimento da literacia nos seus múltiplos aspectos,<br />
designadamente a capacidade de descodificar as diferentes componentes do<br />
<strong>para</strong>texto, prevendo, assim, certos conteúdos do próprio texto, e perceber os<br />
modos de progressão do discurso narrativo no álbum ou picture story book. Ao<br />
relatar uma experiência realizada com pré-leitores e leitores infantis, nos<br />
Estados Unidos, sublinhou, com efeito, a capacidade que este público,<br />
situado entre os quatro e os sete anos, evidencia na interpretação do peritexto<br />
e das quebras de página, quando confrontado com picture story books<br />
<strong>para</strong> as primeiras idades, em que tais dimensões se revestem de particular<br />
importância na construção da significação e da narratividade. Ao explorar<br />
estes elementos, o mediador da leitura torna possível o desenvolvimento de<br />
mecanismos de previsão textual no plano da lógica narrativa, da caracterização<br />
e evolução das personagens, do tom da história e da própria apreciação<br />
estética das ilustrações, entre outros aspectos. A leitura global de uma<br />
obra – e em especial de uma obra como o picture story book – quedar-se-á, pois,<br />
sempre lacunar, caso sejam ignorados todos os elementos da periferia do<br />
texto cuja observação e entendimento constitui factor essencial da apropriação<br />
do livro pelo leitor infantil.<br />
Maria Nikolajeva, da Universidade de Estocolmo, reconhecida especialista<br />
em Literatura <strong>para</strong> Crianças e no estudo do álbum, apresentou, numa<br />
intervenção intitulada «Literacia Visual e o Leitor Implícito nos Álbuns<br />
<strong>para</strong> Crianças», numerosos exemplos do picture story book, que é hoje um<br />
dos géneros mais relevantes e, do ponto de vista estético, mais ousados da<br />
literatura dirigida aos mais novos; em simultâneo, um dos mais<br />
complexos e desafiantes <strong>para</strong> a investigação. Isto porque confronta o<br />
leitor com uma tessitura discursiva semioticamente complexa que<br />
assenta na interacção de um discurso linguístico com um discurso<br />
pictórico e com outros elementos visuais. Trata-se, pois, de um texto<br />
multimodal em que coexistem uma componente verbal e uma outra de<br />
tipo visual (formato, elementos de design gráfico, ilustrações…). A<br />
redundância, o <strong>para</strong>lelismo, a complementaridade, a confirmação são<br />
apenas alguns dos tipos de interplay que o discurso visual vai construindo<br />
com as palavras <strong>para</strong> produzir significação e fabricar a narratividade, na<br />
busca de um relato eficaz, quando não quase perfeito, da história. Mas se<br />
a metáfora, o símbolo, a polissemia são traços quase sempre fundamentais<br />
do texto verbal de tipo literário, se este se inscreve, por outro lado, numa<br />
rede intertextual, também a imagem, à sua escala, surge dotada de<br />
elementos semelhantes (de natureza metafórica, simbólica, etc.) que<br />
importa ler. Torna-se, por isso, essencial dotar o leitor de instrumentos<br />
que lhe permitam interpretar o discurso pictórico e a relação deste com<br />
a escrita; daí a necessidade do desenvolvimento da literacia visual,<br />
aspecto indispensável ao desenvolvimento da própria competência<br />
literária.<br />
Com uma conferência cujo título foi traduzido <strong>para</strong> português como<br />
«Ficção de Cruzamento: Criando leitores com histórias que tematizam as<br />
grandes questões», Sandra Lee Beckett, professora da Universidade de<br />
Brock, no Canadá, e autora de uma obra recente intitulada Crossover Fiction:<br />
Global and historical perspectives (Routledge, 2008), referiu-se a livros de<br />
ficção dirigidos a um público juvenil de que o público adulto de algum<br />
modo se apropria também. Um fenómeno de transversalidade ou de<br />
recepção transgeracional que adquiriu visibilidade com a série Harry<br />
Potter, de J.K. Rowling, mas que parece emergir como um dos traços<br />
marcantes da produção literária <strong>para</strong> os mais novos nos tempos que<br />
correm, com consequências ao nível da extensão dos textos e da sua<br />
apresentação gráfica (poucas ou nenhumas ilustrações, capas susceptíveis<br />
de captar a atenção tanto de jovens como de adultos, considerável número<br />
de páginas, etc.). Philip Pullman, Carl Hiaasen, Mark Haddon, Tormod<br />
Haugen, Eoin Colfer foram apenas alguns dos muitos autores de diferentes<br />
espaços linguísticos e culturais cujas obras Sandra Lee Beckett passou em<br />
revista, a fim de evidenciar a realidade da crossover fiction. A este propósito,<br />
poderão então colocar-se diversas questões. Estamos perante uma gradual<br />
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