12.04.2013 Views

Formar Leitores para Ler o Mundo - Leitura Gulbenkian - Fundação ...

Formar Leitores para Ler o Mundo - Leitura Gulbenkian - Fundação ...

Formar Leitores para Ler o Mundo - Leitura Gulbenkian - Fundação ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

78<br />

dos álbuns de Beatrix Potter, nomeadamente das transformações<br />

empobrecedoras que a linguagem e o estilo desta autora sofreram, na<br />

sequência da edição de livros resultantes de adaptações televisivas das<br />

suas obras. Peter Hunt contrastou ainda o estilo e a técnica narrativa de<br />

uma autora de grande sucesso, durante muito tempo conotada com a bad<br />

writing – referia-se a Enid Blyton – e o estilo de um conhecido autor do nosso<br />

tempo – Philip Pullman –, cujos títulos têm granjeado considerável êxito<br />

junto do público juvenil e até adulto. Numa breve análise que se centrou<br />

em aspectos estilísticos e tecnico-narrativos, os específicos segmentos<br />

confrontados, de extensão breve, permitiram, surpreendentemente, inferir<br />

a maior riqueza da escrita de Blyton. Muitos livros actuais seriam assim,<br />

<strong>para</strong> Peter Hunt, exemplos de uma escrita mais literal, mais simplificada<br />

no estilo, menos capaz de estimular a dedução, a inferência de sentidos e a<br />

relacionação de elementos, menos susceptível por isso de desenvolver a<br />

capacidade de interpretar os vazios de um texto literário de maior<br />

complexidade. Implícito nas palavras do conferencista ficou, porventura,<br />

um apelo no sentido da exigência e de um trabalho mais aprofundado no<br />

campo da educação literária.<br />

A esta intervenção subordinada ao título «Declínio e Diminuição da Literacia<br />

Literária: Infância e literatura <strong>para</strong> a infância no Reino Unido na actualidade»<br />

seguiu-se a de Lawrence Sipe, professor da Universidade da Pensilvânia:<br />

«Peritextos e Quebras de Página: Oportunidades <strong>para</strong> construir sentido nos<br />

álbuns».<br />

Partindo, em parte, da teorização de Gérard Genette sobre a <strong>para</strong>textualidade,<br />

o essencial da conferência de Sipe veio colocar na ordem do dia a<br />

necessidade do desenvolvimento da literacia nos seus múltiplos aspectos,<br />

designadamente a capacidade de descodificar as diferentes componentes do<br />

<strong>para</strong>texto, prevendo, assim, certos conteúdos do próprio texto, e perceber os<br />

modos de progressão do discurso narrativo no álbum ou picture story book. Ao<br />

relatar uma experiência realizada com pré-leitores e leitores infantis, nos<br />

Estados Unidos, sublinhou, com efeito, a capacidade que este público,<br />

situado entre os quatro e os sete anos, evidencia na interpretação do peritexto<br />

e das quebras de página, quando confrontado com picture story books<br />

<strong>para</strong> as primeiras idades, em que tais dimensões se revestem de particular<br />

importância na construção da significação e da narratividade. Ao explorar<br />

estes elementos, o mediador da leitura torna possível o desenvolvimento de<br />

mecanismos de previsão textual no plano da lógica narrativa, da caracterização<br />

e evolução das personagens, do tom da história e da própria apreciação<br />

estética das ilustrações, entre outros aspectos. A leitura global de uma<br />

obra – e em especial de uma obra como o picture story book – quedar-se-á, pois,<br />

sempre lacunar, caso sejam ignorados todos os elementos da periferia do<br />

texto cuja observação e entendimento constitui factor essencial da apropriação<br />

do livro pelo leitor infantil.<br />

Maria Nikolajeva, da Universidade de Estocolmo, reconhecida especialista<br />

em Literatura <strong>para</strong> Crianças e no estudo do álbum, apresentou, numa<br />

intervenção intitulada «Literacia Visual e o Leitor Implícito nos Álbuns<br />

<strong>para</strong> Crianças», numerosos exemplos do picture story book, que é hoje um<br />

dos géneros mais relevantes e, do ponto de vista estético, mais ousados da<br />

literatura dirigida aos mais novos; em simultâneo, um dos mais<br />

complexos e desafiantes <strong>para</strong> a investigação. Isto porque confronta o<br />

leitor com uma tessitura discursiva semioticamente complexa que<br />

assenta na interacção de um discurso linguístico com um discurso<br />

pictórico e com outros elementos visuais. Trata-se, pois, de um texto<br />

multimodal em que coexistem uma componente verbal e uma outra de<br />

tipo visual (formato, elementos de design gráfico, ilustrações…). A<br />

redundância, o <strong>para</strong>lelismo, a complementaridade, a confirmação são<br />

apenas alguns dos tipos de interplay que o discurso visual vai construindo<br />

com as palavras <strong>para</strong> produzir significação e fabricar a narratividade, na<br />

busca de um relato eficaz, quando não quase perfeito, da história. Mas se<br />

a metáfora, o símbolo, a polissemia são traços quase sempre fundamentais<br />

do texto verbal de tipo literário, se este se inscreve, por outro lado, numa<br />

rede intertextual, também a imagem, à sua escala, surge dotada de<br />

elementos semelhantes (de natureza metafórica, simbólica, etc.) que<br />

importa ler. Torna-se, por isso, essencial dotar o leitor de instrumentos<br />

que lhe permitam interpretar o discurso pictórico e a relação deste com<br />

a escrita; daí a necessidade do desenvolvimento da literacia visual,<br />

aspecto indispensável ao desenvolvimento da própria competência<br />

literária.<br />

Com uma conferência cujo título foi traduzido <strong>para</strong> português como<br />

«Ficção de Cruzamento: Criando leitores com histórias que tematizam as<br />

grandes questões», Sandra Lee Beckett, professora da Universidade de<br />

Brock, no Canadá, e autora de uma obra recente intitulada Crossover Fiction:<br />

Global and historical perspectives (Routledge, 2008), referiu-se a livros de<br />

ficção dirigidos a um público juvenil de que o público adulto de algum<br />

modo se apropria também. Um fenómeno de transversalidade ou de<br />

recepção transgeracional que adquiriu visibilidade com a série Harry<br />

Potter, de J.K. Rowling, mas que parece emergir como um dos traços<br />

marcantes da produção literária <strong>para</strong> os mais novos nos tempos que<br />

correm, com consequências ao nível da extensão dos textos e da sua<br />

apresentação gráfica (poucas ou nenhumas ilustrações, capas susceptíveis<br />

de captar a atenção tanto de jovens como de adultos, considerável número<br />

de páginas, etc.). Philip Pullman, Carl Hiaasen, Mark Haddon, Tormod<br />

Haugen, Eoin Colfer foram apenas alguns dos muitos autores de diferentes<br />

espaços linguísticos e culturais cujas obras Sandra Lee Beckett passou em<br />

revista, a fim de evidenciar a realidade da crossover fiction. A este propósito,<br />

poderão então colocar-se diversas questões. Estamos perante uma gradual<br />

79

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!