Formar Leitores para Ler o Mundo - Leitura Gulbenkian - Fundação ...
Formar Leitores para Ler o Mundo - Leitura Gulbenkian - Fundação ...
Formar Leitores para Ler o Mundo - Leitura Gulbenkian - Fundação ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
156<br />
como meio e fim em si mesmo. Proclamando a urgência do domínio de<br />
novas literacias adaptadas ao novo <strong>para</strong>digma informacional, à nova era<br />
cultural e às novas formas de aprendizagem que a internet inaugura com<br />
as suas auto-estradas da informação sem portagens, tomam o meio como<br />
fim e afirmam a democratização do conhecimento na futura aldeia<br />
global. Acontece que as auto-estradas da informação só são úteis <strong>para</strong><br />
aqueles que são capazes de interpretar e ter um sentido crítico sobre a<br />
informação circulante. Seja qual for o suporte, o conhecimento só se<br />
adquire se o leitor dominar certas competências leitoras, isto é, se o<br />
utilizador souber ler, condição sem a qual a internet como meio se torna<br />
ineficaz e se reduz a um espaço de entretenimento. E pode-se aprender a<br />
ler em qualquer suporte. Mais ainda, como afirma Carlos Ceia: «não vejo<br />
a era da informação como o grande inimigo da leitura literária (…) se<br />
estivermos educados na leitura sabemos sempre espaço no mundo da<br />
comunicação tecnológica <strong>para</strong> não só ler mas também <strong>para</strong> ler de forma<br />
diferente (…)».<br />
Houve mais dois factos que me atraíram em Adjaye. Adjaye é mais que um<br />
arquitecto, é um divulgador da arquitectura, tendo sido responsável,<br />
nomeadamente, por programas de rádio e televisão – Dreamspaces e<br />
Building Africa: Architecture of a continent, na BBC, por outro lado, dois<br />
projectos de Adjaye provocaram espanto: as Ideas Stores, bibliotecas com<br />
serviços de medieteca e que incorporam mercados de rua. Numa<br />
arquitectura de espaços informais, o arquitecto inglês aglomera o que é<br />
disjunto.<br />
Acontece que a pele onde melhor me sinto é a de divulgador, entendo ser<br />
nesse estatuto que posso dar um contributo mais substantivo <strong>para</strong> a<br />
questão da formação de novos públicos leitores. O papel do divulgador sempre<br />
foi secundarizado pelo mundo académico e científico e atacado pela<br />
sua falta de rigor conceptual. É verdade que uma das funções do divulgador<br />
é tornar acessível a um universo mais alargado arquitecturas conceptuais<br />
herméticas tendo em vista a sua compreensão e a possibilidade da actualização<br />
no terreno dos desenvolvimentos teóricos, mas o divulgador é também<br />
um fazedor de novas intertextualidades, colocando em diálogo linhas<br />
de investigação diferentes: literatura e leitura, liberto que está das amarras<br />
da especialização e da fragmentação do conhecimento.<br />
Quando idealizei o projecto sempre entendi que ele deveria dar resposta<br />
a estas questões e que só nessa medida ele poderia ser um instrumento<br />
útil <strong>para</strong> os mediadores da leitura. Embora a questão teoria/prática seja<br />
da maior importância, a relação da literatura com a leitura permitir-me-<br />
-á de uma forma mais clara, e de um modo com<strong>para</strong>tivo, singularizar a<br />
Casa no território da leitura.<br />
A paisagem da investigação e da divulgação no que respeita à literatura e<br />
à leitura é, entre nós, de tipo unifamiliar disperso, vive congenitamente<br />
157<br />
enquistada em condomínios fechados. Os Encontros de Literatura e<br />
<strong>Leitura</strong> do Centro de Estudos da Criança da Universidade do Minho, por<br />
serem uma iniciativa de referência, são disso o melhor exemplo. As<br />
mudanças constantes do modelo organizativo têm por base a tentativa,<br />
sempre frustrada, de ultrapassar a dicotomia literatura/leitura.<br />
Os nossos académicos entrincheiram-se nas respectivas especialidades,<br />
uns tratam da análise e da crítica literária e das questões que lhes estão<br />
associadas, outros da didáctica da recepção leitora, do desenvolvimento<br />
dos processos cognitivos e da promoção da leitura.<br />
Este posicionamento, por razões endógenas que não é agora oportuno<br />
analisar, ganha em Portugal contornos mais nítidos mas é algo que<br />
preside ao pós-moderno e contamina todas as áreas do saber. O que marca<br />
a nossa contemporaneidade é uma compartimentação, uma segmentação<br />
do conhecimento, do saber académico e da investigação. Pensadores<br />
como Edgar Morin, só <strong>para</strong> dar um exemplo, há muito que o vêm<br />
afirmando.<br />
Ora, a Casa da <strong>Leitura</strong> assenta num alicerce estruturante que lhe configurou<br />
um dos traços mais distintivos da tipologia arquitectónica do seu<br />
interior. Um pilar constituído por diferentes materiais, pensadamente<br />
construído <strong>para</strong> suportar e agilizar o diálogo entre diversas narrativas<br />
normalmente disjuntas e que constitui um dos traços mais distintivos da<br />
ambiência do seu interior marcadamente intertextual: a literatura dialogando<br />
com a leitura, a teoria dialogando com a prática. A Casa da <strong>Leitura</strong><br />
alberga sobre o mesmo tecto, envolve na mesma ambiência interior, a literatura<br />
e a leitura, é uma espécie de cluster com uma espacialidade aberta<br />
que induz a percorrer caminhos diversos a partir de um mesmo local<br />
de partida.<br />
Façamos um trajecto demonstrativo. Ultrapassada a soleira da porta, um<br />
visitante entrou no espaço da literatura e deixou-se seduzir pela narrativa<br />
escrita da dupla página de um livro. Foi atrás da obra do autor e encontrou<br />
num dos títulos aconselhado <strong>para</strong> pré-leitores uma abertura <strong>para</strong><br />
uma prática desenvolvida num dos laboratórios da Casa. Aí se explicitava<br />
como, num ambiente lúdico e de leitura partilhada, as crianças desenvolviam<br />
actividades de antecipação. Aqui abriam-se duas janelas, uma<br />
<strong>para</strong> um artigo sobre a importância da antecipação <strong>para</strong> a compreensão<br />
leitora, outra <strong>para</strong> outras práticas sobre a mesma competência leitora.<br />
Seguido o caminho do texto teórico, abria-se o campo da bibliografia<br />
sobre o tema. O visitante imprimiu todo o material consultado e constituiu<br />
um dossiê e regressou à prática, abriu a janela de outras práticas,<br />
deixou-se atrair pela estória que servia de base a uma delas, espreitou a<br />
sinopse e a dupla página, mas desta vez seguiu pelo atalho dos temas: os<br />
monstros e encaminhou-se <strong>para</strong> o sítio da Casa onde moravam todos os<br />
monstros e iniciou um novo percurso.