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Formar Leitores para Ler o Mundo - Leitura Gulbenkian - Fundação ...

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154<br />

Em primeiro lugar, este espaço foi idealizado não como o repositório de<br />

uma listagem de títulos acantonados por idades, mas como uma selecção<br />

de obras baseada em critérios de qualidade, aplicáveis à narrativa escrita<br />

e imagética, distribuída por perfis de competência leitora. Na Casa da<br />

<strong>Leitura</strong> não há alunos, nem faixas etárias, há leitores e visitantes com<br />

diferentes competências e interesses. Na Casa da <strong>Leitura</strong> não há uma mera<br />

catalogação e indexação de obras seleccionadas, mas uma análise informativa<br />

com diversos níveis de complexidade. Esta metodologia permite<br />

distinguir o que é literário do que, tendo a forma de livro e de narrativa<br />

literária, é um embuste e possibilita o acesso de públicos-mediadores e<br />

estudiosos de diferentes competências a um edifício de qualidade.<br />

Concretizemos. Quando um utilizador, usando as várias portas de entrada,<br />

acede a uma obra apresentam-se-lhe três patamares narrativos de<br />

complexidade e volumetria crescente.<br />

O primeiro patamar, de pequena volumetria, é marcado pela sobriedade<br />

dos seus traços e pela narrativa simples e sem sofisticações conceptuais<br />

da sinopse da obra. Na idealização do projecto este seria o patamar de<br />

acesso universal, isto é, passível de ser visitado por todos os públicos-<br />

-mediadores. Para melhor garantir esta condição, e como auxiliar funcional<br />

<strong>para</strong> o seu conhecimento, os visitantes têm acesso a uma dupla<br />

página da obra em consulta, tomando assim contacto com a sua narrativa<br />

escrita e imagética.<br />

O encontro com a materialidade do livro através da presença da página<br />

dupla cumpria uma outra função: a introdução de um factor de<br />

qualidade mínima na narrativa de abordagem à obra. O patamar<br />

universal, embora exigisse uma linguagem simples, deveria ultrapassar o<br />

relato factual da estória, já presente nos <strong>para</strong>textos dos livros, nos textos<br />

de divulgação das obras nos sítios das editoras e nas pequenas colunas de<br />

jornais e revistas generalistas ou dedicadas à infância.<br />

O desenho do segundo patamar, de volumetria média, obedecia a uma<br />

arquitectura conceptual mais elaborada, próxima do comentário crítico, e<br />

exigia o domínio de determinados conceitos e o conhecimento prévio de<br />

alguma (in)formação. Um glossário como auxiliar directo e em alguns<br />

casos abordagens temáticas que permitiam enquadrar a análise específica,<br />

alojadas noutras divisões da Casa, serviam de auxiliares de compreensão.<br />

O terceiro patamar aparecia arquitectonicamente como o mais complexo<br />

e o sítio de visita dos mediadores mais especializados. Foi pensado como<br />

um lugar de grande silêncio e conforto, próprio <strong>para</strong> acolher a visita de<br />

utentes sem pressa e que interagiam com narrativas que exigiam concentração<br />

no acto de escavar o seu sentido. Aqui iria morar o ensaio literário.<br />

Chegados aqui, e antes de entrarmos no ambiente do interior da Casa,<br />

podemos sintetizar as principais ideias que orientaram a sua arquitectura<br />

exterior.<br />

155<br />

Se a arquitectura da Casa se identifica com algum arquitecto, nas linhas<br />

mestras que determinam a sua concepção, ele é sem dúvida David Adjaye.<br />

Tanto na arquitectura da Casa, como na obra do arquitecto inglês nascido<br />

na Tanzânia, o contexto, a situação e o comprometimento histórico<br />

são os referenciais que determinam o projecto, melhor dizendo, cada um<br />

dos projectos considerados em si mesmos. Estas premissas não permitem<br />

encontrar na sua obra uma expressão identitária, cada obra tem os seus<br />

próprios pressupostos, determinados pelo contexto e a narrativa territorial<br />

onde se insere e ainda o público-alvo a que se destina. O exemplo<br />

acabado deste facto é a diferença arquitectónica e dos seus pressupostos<br />

que podemos encontrar no Museu de Arte Contemporânea de Denver e<br />

no Centro de Artes Visuais Rivington em Londres. O mesmo aconteceria<br />

se me fosse dada a oportunidade de projectar, por exemplo, uma Casa da<br />

<strong>Leitura</strong> <strong>para</strong> Cabo Verde ou <strong>para</strong> Espanha.<br />

Em Adjaye o compromisso da arquitectura com a história, o estabelecimento<br />

necessário de uma ponte entre a narrativa arquitectónica e a narrativa<br />

histórica do território, tinha como contraponto a rejeição várias vezes<br />

reafirmada da ideia de sofisticação, que segundo Adjaye, pode alienar.<br />

Esta ideia foi por nós expressa na rejeição de uma arquitectura de<br />

ruptura ou descontinuidade, no âmbito da leitura: «não me revejo nos<br />

edifícios sofisticados que por vezes emergem neste domínio (…) tornam-se<br />

edifícios conceptuais sofisticados, virados <strong>para</strong> si mesmos, criando uma<br />

ambiência ensimesmada e elitista que se enclausura em condomínios<br />

fechados. São estruturas narcísicas que não raro resvalam <strong>para</strong> a alienação,<br />

tal o fosso cavado relativamente ao terreno da promoção da leitura e aos<br />

seus agentes (…).»<br />

Esta rejeição da sofisticação tinha como destinatário, pelo menos em<br />

parte, a arquitectura high-tech que em Inglaterra tinha no muito premiado<br />

Norman Foster e em Richard Rogers, que aliás chegaram a trabalhar<br />

juntos, duas das suas figuras mais proeminentes. Abra-se aqui um<br />

parêntesis <strong>para</strong> dizer que Rogers, responsável pelo Centro Georges<br />

Pompidou, integrou a equipa responsável pelo projecto da Frente<br />

Ribeirinha de Almada Nascente, cujo empreendimento não chegou a ser<br />

construído. Na arquitectura high-tech há uma estética da dimensão<br />

tecnológica da arquitectura servida por uma volumetria excessiva e<br />

muitas vezes brutal. Não raro, esta esteticidade esmagadora é expressão<br />

simbólica do poder económico, como acontece no Dubai. Para o que<br />

agora nos interessa, importa relevar que o fascínio pela inovação<br />

tecnológica era de tal ordem que a tecnologia aparecia como meio e fim<br />

da própria arquitectura, como ideologia.<br />

Também no domínio do saber esta tendência se manifestou e continua a<br />

fazer o seu caminho, e em domínios tão essenciais como a leitura, porque<br />

condição necessária <strong>para</strong> toda a aprendizagem, a high-tech se manifesta

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