18.02.2013 Views

2º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero - CNPq

2º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero - CNPq

2º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero - CNPq

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

6<br />

<strong>2º</strong> PRÊMIO CONSTRUINDO A IGUALDADE DE GÊNERO<br />

gente tão amoral exigindo comportamentos puritanos, quando seu atavismo a impele a atos<br />

intrinsecamente consi<strong>de</strong>rados subversivos. Clamo, ora!, que <strong>de</strong>svelem esses preconceitos<br />

incabidos, uma vez que sou forjada no fogo das contradições do meio; me sinto uma das<br />

almas que saiu da caixa aberta por Pandora, e com certeza não sou a esperança. Esperança...<br />

A chamo morte. Ela é a única coisa que conheço que pesa feito pluma, diante da insustentável<br />

passagem pela vida.<br />

O rádio toca músicas alegres. Apregoam a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser feliz - como, on<strong>de</strong>? Ao<br />

redor, um cinturão <strong>de</strong> indiferença mergulhado na discrepância social. Dentro <strong>de</strong> mim, ari<strong>de</strong>z:<br />

<strong>de</strong>sertificada <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> anos como inferior. Minha honra é minha pele, e sei que ela não é <strong>de</strong><br />

anéis – ela vai com os <strong>de</strong>dos... Este tempo corre efêmero, e só o vejo pelo espelho, arrancando<br />

o único orgulho que tenho.<br />

Deixar viver a criança, um outro eu... Vai embora <strong>de</strong> qualquer jeito: pela fome, pela<br />

indiferença, pela morte. Não adianta argumentar que ele po<strong>de</strong> ser feliz: quem vai apresentar<br />

a boa sorte ao meu filho, se eu própria não a conheço? Aqueles que por mim nunca fizeram<br />

nada? O governo, que vira as costas? Os dos condomínios fechados, os artistas, os banqueiros,<br />

os fiscais, cada um continua seu caminho, <strong>de</strong>scrito miúdo <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o <strong>de</strong>scobrimento <strong>de</strong>sse país.<br />

Sou aquela ex-escrava, <strong>de</strong>pois a mulata encardida, a menina pobre sem modos, moça negra <strong>de</strong><br />

pouca educação, mulher-da-vida que não teve oportunida<strong>de</strong>. Está óbvio: é sina. Ainda não vi<br />

sinal <strong>de</strong> mudança; o que importa isso aos outros?<br />

Eu não posso acrescentar ao percurso severino outro mambembe; como contribuição ao<br />

espetáculo, já basto eu. Não me iludo: sou mister aos luxos dos barões – sustenho o outro lado<br />

da balança. Penso, portanto, que <strong>de</strong>veriam me ter mais cara (<strong>de</strong>sculpas pelo trocadilho) – que<br />

tola, <strong>de</strong> que forma susteriam os pratos, se me tratassem algo melhor?<br />

Corro o risco <strong>de</strong> morrer: se aborto, pelas dificulda<strong>de</strong>s da recuperação; se sustento, acabo o<br />

ganha-pão. Bem sinto, a <strong>de</strong>sgraça acaba por aqui. Seja feita a vossa vonta<strong>de</strong>.<br />

***<br />

Essas palavras não são pensadas, borbotam sem querer. Eu não tenho como dizê-las: não<br />

me pertencem. Não aos meus <strong>de</strong>dos, não à minha língua, não aos meus passos; meus olhos<br />

escorrem o peso da minha história esquecida – essas palavras são o sal das minhas lágrimas.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!