2º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero - CNPq
2º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero - CNPq
2º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero - CNPq
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
5<br />
<strong>2º</strong> PRÊMIO CONSTRUINDO A IGUALDADE DE GÊNERO<br />
O trabalho noturno para estas mulheres, parece representar uma escolha, que estrategicamente<br />
possibilitaria uma forma <strong>de</strong> gerenciar o cotidiano atribulado, já que além <strong>de</strong> exercerem o trabalho<br />
profissional necessitam <strong>de</strong>sempenhar seus papéis como mãe, dona <strong>de</strong> casa e mulher. Apesar dos<br />
comentários <strong>de</strong>stas profissionais sobre cansaço e sobrecarga <strong>de</strong>vido à forma como vivenciam<br />
suas ativida<strong>de</strong>s cotidianas, percebe-se que optam por “pagar um preço” para não ficar em<br />
“dívida” diante da função social que consi<strong>de</strong>ram importante exercer enquanto mulheres.<br />
A <strong>de</strong>ssincronização em termos <strong>de</strong> horário <strong>de</strong> trabalho para estas trabalhadoras significa, por<br />
vezes, possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> convivência em alguns momentos com seus entes queridos, e em outros<br />
momentos pressupõe rearranjos e negociações para que possam compartilhar do tempo <strong>de</strong><br />
lazer e festa <strong>de</strong> amigos e familiares.<br />
CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />
Neste trabalho procurei apresentar elementos que contribuíssem para a reflexão acerca do<br />
“tempo” <strong>de</strong> mulheres profissionais <strong>de</strong> enfermagem que exercem plantão noturno. As mulheres<br />
entrevistadas apresentaram em seus discursos a noção <strong>de</strong> obrigatorieda<strong>de</strong> na execução <strong>de</strong><br />
atribuições socialmente <strong>de</strong>stinadas à mulher e revelam uma concepção <strong>de</strong> tempo que reflete<br />
valores <strong>de</strong> nossa cultura, on<strong>de</strong> o tempo <strong>de</strong> lazer e <strong>de</strong> cuidados consigo mesma estão em<br />
segundo plano quando comparados com o tempo para a manutenção do lar e para família. Em<br />
seus relatos apresentam queixas quanto à escassez <strong>de</strong> tempo para conviver com seus amigos e<br />
familiares e para executar tudo o que preten<strong>de</strong>m.<br />
Ao consi<strong>de</strong>rar essas mulheres como inseridas no grupo das profissionais <strong>de</strong> enfermagem,<br />
não foram observadas diferenças quanto ao discurso <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> enfermagem e enfermeiras.<br />
Em seus relatos surgem queixas e especificida<strong>de</strong>s com relação à organização do dia-a-dia <strong>de</strong>vido<br />
aos horários <strong>de</strong> trabalho. Entretanto apesar <strong>de</strong>stas queixas observa-se entre elas uma espécie<br />
<strong>de</strong> naturalização do tempo <strong>de</strong> trabalho, já que consi<strong>de</strong>ram que isso “faz parte do ofício”. Ao<br />
mesmo tempo, lançam mão <strong>de</strong> estratégias no sentido <strong>de</strong> favorecer a sintonia <strong>de</strong> seus horários<br />
com os <strong>de</strong> sua família e da socieda<strong>de</strong> em geral.<br />
As entrevistadas alegam “pagar um preço” por trabalharem à noite, já que em sua visão,<br />
este é o tempo do convívio com a família e do recolhimento. Para elas, as vantagens e/ou<br />
recompensas advindas por trabalhar em um horário não usual convivem com esse “preço a ser<br />
pago”. As vantagens surgem nas falas das trabalhadoras, ao consi<strong>de</strong>rar “prático” o trabalho<br />
noturno, já que facilita a conciliação com um outro emprego, ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudo e/ou favorece a<br />
<strong>de</strong>dicação aos filhos (<strong>de</strong> dia). Quanto ao “preço”, relatam cansaço, <strong>de</strong>sgaste físico e dificulda<strong>de</strong>s<br />
em relação ao ato <strong>de</strong> dormir, parecendo atribuir ao trabalho noturno alguns efeitos sobre o<br />
“organismo”, além <strong>de</strong> repercussões na vida familiar e social.<br />
No transcorrer <strong>de</strong>ste artigo, busquei apresentar a percepção das profissionais <strong>de</strong> enfermagem<br />
quanto à vivencia <strong>de</strong> seus horários e à organização do que avaliam como o seu “tempo”,<br />
sendo este tempo entendido como um conceito construído socialmente, utilizado pelas pessoas<br />
segundo seus valores sócio-culturais. Em aparente oposição a este “tempo subjetivo”, po<strong>de</strong>rse-ia<br />
pensar em um tempo “objetivo” medido através <strong>de</strong> instrumentos, que correspon<strong>de</strong>ria<br />
ao “tempo físico” nas palavras <strong>de</strong> Szalai ( 966). Este autor consi<strong>de</strong>ra o tempo físico como,<br />
provavelmente, a única “coisa” igualitariamente distribuída entre os seres humanos, a única da<br />
qual todos recebem a mesma quantida<strong>de</strong> e da qual todos po<strong>de</strong>m gastar o mesmo montante:<br />
horas por dia, nem mais, nem menos. Nesse sentido, é interessante observar o discurso <strong>de</strong> uma<br />
das entrevistadas em relação ao tempo <strong>de</strong>dicado à dupla jornada:<br />
“...O dia em vez <strong>de</strong> ter horas, podia ter mais, podia ter 0 horas mas mesmo assim<br />
acho que não resolveria porque a gente é tão viciada em trabalho que eu acho que ia<br />
acontecer a mesma queixa <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> tempo...” (Rose – Enfermeira)<br />
Ao avaliar que po<strong>de</strong>ria se beneficiar <strong>de</strong> um dia <strong>de</strong> 0 horas, ela imediatamente reconhece<br />
que a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “esticar” o dia <strong>de</strong> para 0 horas não resolveria o problema da<br />
escassez <strong>de</strong> tempo. Assim, através <strong>de</strong>sta fala po<strong>de</strong>-se apreen<strong>de</strong>r que a queixa não se refere<br />
propriamente à falta <strong>de</strong> tempo, já que um dia com “mais horas” significaria mais horas para<br />
trabalhar. Nas palavras <strong>de</strong>sta enfermeira, se trata <strong>de</strong> um “vício em trabalho”, uma noção<br />
ligada à obrigatorieda<strong>de</strong> do trabalho, que permeou o conjunto <strong>de</strong> discursos das mulheres aqui<br />
estudadas.