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1. Crimes contra a honra das famílias<br />
Em 27 de maio de 1913, Cícero Cecílio da Silva acompanhava a sua filha Maria Lopes<br />
de Jesus à Secretaria de Policia da capital piauiense, para fazer uma queixa, pois a jovem “fora<br />
desvirginada sob promessa de casamento”, pelo namorado, Doroteu Santana. 339 Este, era mais um<br />
dos casos de crimes sexuais que eram levados à Secretaria de Polícia de Teresina, nos anos iniciais<br />
do século XX. Cícero Cecílio da Silva, ao denunciar o defloramento de sua filha, assumia o papel de<br />
chefe de família, tentando resguardar a honra familiar, junto ao poder do Estado, para que este<br />
intermediasse num problema que, para os padrões da época, poderia ser ainda compreendido como<br />
um acontecimento estritamente particular. A atitude do pai de Maria revela um princípio de<br />
alteração do ordenamento moral das famílias, um processo que vinha sendo realizado desde meados<br />
do século XIX. O estabelecimento de um modelo de vida burguês – que trazia o tutelamento moral<br />
das famílias como uma responsabilidade do Estado, sob a intermediação de instituições como a<br />
polícia, a justiça, a Igreja e a medicina –, foi possível, a partir do gradual declínio dos valores<br />
patriarcais, que remetiam à figura paterna o principal centro do poder familiar e com a atribuição<br />
positiva do valor do trabalho, desde o fim da Escravidão. Dentro desse processo, o regime<br />
republicano, que era naquele momento erigido no país, oferecia possibilidades para difundir<br />
princípios morais e higiênicos que viabilizavam o estabelecimento de novos hábitos e valores para a<br />
população.<br />
A preocupação em construir uma sociedade formada por trabalhadores ideais<br />
demandava uma difusão de normas específicas, orientadas, principalmente, por discursos médicos e<br />
jurídicos, que visavam cultivar uma conduta que se aproximasse de um modelo imbricado por “bons<br />
costumes morais”. 340 Martha Abreu Esteves observou em seu estudo, Meninas perdidas, sobre as<br />
relações amorosas dos populares na cidade do Rio de Janeiro, durante a Belle Époque, que havia<br />
uma necessidade de aquisição de um número cada vez maior de trabalhadores e que estes se<br />
tornassem íntimos de hábitos, como a assiduidade e a responsabilidade, dentro da disciplina do<br />
trabalho, a fim de contribuírem para a construção de uma sociedade ordenada moralmente. Num<br />
339 PIAUÍ. Secretaria de Estado da Polícia. Inquérito policial. Autuamento. Aos vinte e sete de maio do ano de<br />
mil novecentos e treze, nesta cidade de Teresina, capital do Estado do Piauí, na Secretaria de Polícia, autuo a<br />
portaria junta do Exmo. Sr. Dr. Fenelon Ferreira Castelo Branco Secretario de Estado de Polícia, que logo<br />
adiante se vê, do que para constar faço este autuamento e dou fé. Eu José de Arêa Leão, escrivão da secretaria de<br />
estado da Polícia o autuei. Processo Maria Lopes de Jesus. Casa Anísio Brito, caixa autos crimes, n. 237.<br />
340 ESTEVES, Martha Abreu. Meninas perdidas: os populares e o cotidiano do amor no Rio de Janeiro da Belle<br />
Époque. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p 26.