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22<br />

quem não é cidadão, e bem mais quem entra e como entra na casa: o texto trabalha o tempo todo<br />

sobre o tema do controle do cidadão sobre o seu oikos, o controle sobre o movimento – oposto à<br />

entrada ilegal do amante sob a direção da mulher, se coloca o convite dos amigos para a realização<br />

da justiça da polis sob a direção do marido. A decisão sobre o movimento entre fora e dentro da<br />

casa aparece aqui não mais como prerrogativa do cidadão, mas como espaço de tensões e possíveis<br />

conflitos – se nos lembrarmos que o autor do texto, Lísias, era um meteco ateniense, ou seja, um<br />

não-cidadão que habita dentro da cidade dos cidadãos, a questão do movimento se torna ainda mais<br />

expressiva: o amigo de Eufileto que entra na casa promove a justiça e restabelece a honra – pode-se<br />

pensar uma construção metafórica das relações entre cidadãos e metecos na forma de Eufileto e seus<br />

amigos.<br />

Enfim, esta cotidianidade específica da sociedade ateniense, como dimensão da vida<br />

que contem as relações sociais entre os habitantes da cidade para além das diferenciações<br />

estamentais (cidadãos e não cidadãos), mas se relaciona com ela, pressupõe os processos históricos<br />

mais amplos, o trabalho morto social, para a sua constituição: a “vida comum”, cotidiana ateniense,<br />

pressupõe a democracia ateniense enquanto realidade institucional. Diríamos, assim, que a vivência<br />

deste cotidiano social de habitantes se dá num momento que reproduz transformando as estruturas<br />

mais amplas, ou seja, um momento que presentifica o trabalho morto – o cotidiano como<br />

reprodução sócio-temporal.<br />

A análise do discurso de Lísias em questão pela via da história do cotidiano abre a<br />

perspectiva da leitura das tensões que atravessam a sociedade ateniense em conflitos não<br />

necessariamente coincidentes, mas que se estruturam na produção do cotidiano. Tais tensões exigem<br />

uma leitura integrada, posto que a sua fragmentação de acordo com os vários setores do<br />

conhecimento (a lingüística, a crítica literária, a sociologia, a antropologia, o direito, a geografia<br />

etc) perderia o próprio movimento do fluxo social, que, como vida cotidiana, diferencia-se para<br />

manter a unidade. Isto significa dizer que, para além da escolha entre a fragmentação incomunicável<br />

do saber e uma interdisciplinaridade artificial 12 (Grespan, 2004) baseada na colagem de<br />

conhecimentos distintos, o estudo da vida cotidiana, em seu duplo sentido, social-específico e<br />

histórico-ontológico, pode recolocar para a historiografia a questão da totalidade.<br />

Referências:<br />

12 GRESPAN, J.L. “O lugar da História em tempos de crise”. In: Revista de História, (USP), São Paulo, 2004, v.151,<br />

pp. 9-27.

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