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dito por Foucault 95 , se revelam como uma das fortes faculdades de humanidade - se configura para<br />
este grupo como algo de um valor simbólico imprescindível para a construção de sua identificação,<br />
para enfim a sua própria possibilidade de existência.<br />
As pessoas dizem que ser travesti é só colocar uma saia. Mas pra mim não é só<br />
isso, têm que ter o corpo definido, tem que ser feminina e delicada. Se cuidar<br />
muito. Por que se não fosse assim, todo homem que coloca roupa de mulher no<br />
carnaval é travesti. (Joana 96 , 23 anos, travesti).<br />
Ser travesti como podemos observar, quando tratamos nos termos das autodefinições<br />
empreendidas por elas - fugindo das instâncias disciplinadoras e patologizantes - é<br />
irremediavelmente cuidar-se, aprendendo e dominando práticas específicas, bem como ter a<br />
coragem necessária diante dos riscos que envolvem esta modificação corporal. Pois parecem<br />
preferir enfrentar corajosamente os riscos, dores e desafios que envolvem suas práticas a manter as<br />
marcas do masculino em seus corpos, nos remetendo também a idéia de um ethos moldado na<br />
coragem.<br />
Mas não é um cuidado pessoal normativo presente nas idéias mais amplas de<br />
empreender-se numa vida saudável 97 . O fato é que nem sempre tratamos dos nossos corpos de<br />
maneira extensiva 98 , ou do que pelo discurso médico se pretende extensivo e durador, pois o vigor e<br />
a experimentação de vida, de como ansiamos intensamente a maneira de adequar desejos, podem se<br />
impor ao aspecto do discurso do saudável e a possível extensão de duração de vida:<br />
A dor experimentada nas sessões de aplicação de silicone líquido, as náuseas<br />
provocadas pela ingestão de hormônios em grande quantidade, assim como as<br />
diárias intervenções corporais, fazem parte do ‘cuidar-se’, valor moral caro às<br />
95 FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade III: O Cuidado de Si. Rio de Janeiro, Graal, 2002.<br />
96 Esse, como alguns outros nomes, foram modificados diante do pedido explicito das colaboradoras.<br />
97 Para aprofundar sobre a atmosfera de extensão de vida relacionado ao imaginário contemporâneo, formulado dentro<br />
do discurso médico oficial, que cerca da idéia de ‘vida saudável’, ver: MARSHALL & KATZ; 2002.<br />
98 VARGAS, Eduardo Viana. Os Corpos Intensivos: sobre o estatuto social do consumo de drogas legais e ilegais. IN:<br />
DUARTE, Luiz Fernando Dias & FACHEL, Ondina (Orgs). Doença, Sofrimento e Perturbações: perspectivas<br />
etnográficas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1998.