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sociedade ateniense seria passível de uma história do cotidiano pois esta sociedade apresentaria o<br />
“cotidiano” como dimensão da vida social (outras sociedades não teriam, necessariamente, uma<br />
“vida cotidiana”). O “cotidiano ateniense”, para a autora, estaria inserido dentro e além da<br />
articulação entre as dimensões públicas (koinos, associado ao espaço cívico da polis) e privadas<br />
(idios, associado ao oikos) da vida social: o fundamento está a identificação que a autora faz entre o<br />
termo kath’oikian (“vida comum”, “vida doméstica”, mas que ultrapassa a casa) como “vida<br />
cotidiana”, a qual incluiria uma gama de interações entre grupos sociais que iriam além dos<br />
cidadãos chefes de oikoi – as mulheres, os estrangeiros, os escravos, assim como os cidadãos,<br />
enfim, os habitantes da polis se relacionariam na vida cotidiana, no espaço habitado. A vantagem da<br />
abordagem pelo cotidiano, segundo a autora, seria a de que, contra as estratégias ideológicas de<br />
controle e dominação do corpo cívico sobre os habitantes como um todo da cidade, apareceria ao<br />
historiador um campo de táticas de resistência que colocariam em cheque as ideologias cívicas.<br />
No artigo “História científica, História contemporânea e História Cotidiana”, Norberto<br />
Guarinello 11 discute a suposta “crise da História” por meio da crítica das formas historiográficas de<br />
viés eurocêntrico, cujo colapso levaria consigo, segundo ainda um viés eurocêntrico, as<br />
possibilidades de leituras totalizantes, entregando a historiografia à fragmentação e<br />
incomunicabilidades das áreas do saber histórico. Contra esta inevitabilidade da fragmentação, o<br />
autor propõe a construção de uma história do cotidiano em termos de reprodução do passado (o<br />
“trabalho morto” das sociedades) e produção do novo, articulando assim as estruturas e as ações<br />
humanas num fluxo contínuo, cujas dimensões não se autonomizariam a não ser na análise. O<br />
cotidiano seria, portanto, uma categoria de análise dos “presentes” da história, dos momentos nos<br />
quais as determinações (estruturas) se conjugariam com a liberdade relativa (as ações) nas<br />
sociedades humanas: a história do cotidiano, por um lado, ao invés de abandonar as formas<br />
históricas mais gerais, as colocaria à prova demonstrando tanto sua artificialidade quanto a sua<br />
necessidade no procedimento historiográfico; por outro lado, abriria novas possibilidades para a<br />
discussão da liberdade e da necessidade na história.<br />
As abordagens de Andrade e Guarinello, exprimem, de uma certa maneira, a oposição<br />
entre generalidade e especificidade que vimos entre Lefebvre e Heller. Se Andrade marca a<br />
especificidade das categorias de cotidiano em cada sociedade como modo de acesso a uma<br />
11 GUARINELLO, Norberto Luiz. “História Científica, história contemporânea e história cotidiana”. In: Revista<br />
Brasileira de História, São Paulo, 2004, v. 24, n. 48, p. 13-38.