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estratégias de controle e punição da sexualidade dos indivíduos, para torná-los adaptáveis a um<br />
sistema específico de racionalidade. Deste modo, é possível compreender a forma como se<br />
estabelece a relação entre a prática escriturística e a constituição de um poder. 347<br />
Especificamente sobre os processos crimes levantados para a elaboração desta pesquisa,<br />
existia uma apropriação do saber científico e político do período. 348 Logo, juristas e médicos<br />
buscavam operar medidas que garantissem a inclusão dos casais envolvidos nos processos, em um<br />
dado conceito de moralidade. Ao enunciarem, através dos seus respectivos discursos, prescrições<br />
para manter ou alterar determinadas condutas sexuais, escrivães, delegados e médico-legistas<br />
investiam em um saber institucionalizado, para que este fosse não apenas uma forma de punir os<br />
transgressores ou de efetuar o reconhecimento daqueles que detinham o poder de operar com a<br />
linguagem escrita mas, principalmente, faziam com que esse saber fosse legitimado por toda a<br />
população, de maneira tal que passasse a proteger moralmente as famílias.<br />
Nesse sentido, os crimes sexuais podem ser compreendidos como uma forma de<br />
perceber as tentativas de controle, no âmbito higiênico e moral, pela qual passava a sociedade<br />
teresinense. A intrusão do poder do estado para solucionar problemas de ordem moral como a perda<br />
da virgindade de uma jovem solteira, demonstrava o quanto havia de preocupação em ordenar as<br />
famílias, a partir de valores sociais definidos por conceitos cristãos, médicos, jurídicos e políticos.<br />
Desta maneira, justificavam-se as discussões jurídicas em torno das punições a serem aplicadas, o<br />
uso das palavras dos médicos para a constituição de um processo e os discursos elaborados por<br />
grupos sociais distintos para definir o que seria um modelo de honestidade sexual.<br />
Maria Lopes não foi a única a passar por este processo de normatização dos costumes.<br />
Juntamente com ela, outras jovens e também rapazes foram inquiridos sobre suas condutas e<br />
julgados a partir de valores morais que permeavam o círculo social da elite, que abrangia um saber<br />
institucionalizado sobre a sexualidade dos gêneros, considerando os aspectos moral e físico.<br />
Ao chegarem às dependências do Estado, os casos de sedução deixaram de ser apenas<br />
ocorrências submetidas à esfera da vida privada, para se tornarem modelos a serem usados na ordem<br />
do discurso, para distinguir a boa conduta do arquétipo anti-social. Havia uma tentativa de converter<br />
os casos em um único modelo higienizado de honestidade sexual, desvalorizando outras formas de<br />
conceituar a honra sexual. De fato, encetar um estudo sobre os crimes sexuais ocorridos em<br />
347 CERTEAU, Michel de. Op. Cit. p. 224-226.<br />
348 Nas palavras de Certeau, “a ilha da página é um local de passagem onde se opera uma in<strong>versão</strong> industrial: o que<br />
entra nela é um ‘recebido’, e o que sai dela é um ‘produto’.” CERTEAU, 2005, p. 226.