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complexidade maior da relação entre dominação e resistência, Guarinello pensa as estruturas do<br />

cotidiano, o “trabalho morto” transmitido aos “presentes”, para no cotidiano alocar as tensões entre<br />

estrutura e ação (existentes em todas as sociedades). Resta pensar se é possível conciliar estas duas<br />

abordagens do cotidiano, ou seja, se é possível uma história do cotidiano que dê conta deste duplo<br />

sentido do termo: de um lado, o cotidiano como “todos os dias e cada dia”, categoria temporal (os<br />

“presentes” históricos) e ontológica (reprodução do trabalho morto e produção do novo, em<br />

qualquer sociedade), e de outro lado, o cotidiano como “vida comum”, dimensão específica da vida<br />

social de determinada sociedade, lugar de realização das tensões entre grupos sociais em luta (de<br />

representações e de práticas).<br />

Tal projeto, que seria uma refundação da história do cotidiano a partir dos caminhos já<br />

indicados (do trabalho morto historiográfico, pode-se dizer), é obviamente ambicioso demais tanto<br />

para as dimensões deste texto quanto, e principalmente, para as minhas limitações teóricas e<br />

documentais. Procurarei aqui, somente, indicar possibilidades de análise a partir do documento<br />

mencionado no início do texto, o discurso Sobre o assassinato de Eratóstenes de Lísias.<br />

3. Lísias I e as estratégias do cotidiano<br />

O evento referido pelo discurso, assim como o próprio discurso (em sua realidade<br />

sonora possível assim como sua realidade material textual), são condensações de processos<br />

históricos que apresentam temporalidades e ritmos diferentes. Quanto ao evento, podemos notar<br />

alguns processos que, precedendo a ação, a condiciona assim como informa a ação subjetiva: em<br />

primeiro lugar, uma moral específica, que coloca a mulher em posição de objeto diante do homem<br />

que deve, se marido, protegê-la, se amante, seduzi-la, e que determina que, se a culpa da sedução é<br />

do amante, a desonra social cai sobre o marido; em segundo lugar, o sistema jurídico da polis, que,<br />

diante da desonra moral do marido traído, permite a este a remissão por meio do assassinato do<br />

sedutor; em terceiro lugar, a oposição entre público e privado, cuja constituição está intimamente<br />

ligada à história da polis, que sustenta a prerrogativa jurídica e moral do cidadão diante dos não-<br />

cidadãos (cidadãos iguais entre si no público, superiores aos não-cidadãos no privado); em quarto<br />

lugar, a cultura material da habitação ateniense, que abria possibilidades tanto de controle quanto de<br />

resistência ao controle (o caso do marido que vigia dormindo no térreo, ou da mulher que engana o

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