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queixa.<br />
167<br />
Entretanto pelos depoimentos de João Antônio de Vasconcelos, Dionízio Serafim<br />
do Nascimento e Evaristo Jose dos Santos, se evidencia que a menor Maria Lopes<br />
de Jesus, há mais de um ano foi deflorada por outro individuo.<br />
Assim, pensando que não há prova contra Doroteu Santana, mando que se arquive<br />
este inquérito. [Grifos nossos]. 370<br />
De posse dos dados colhidos, através dos depoimentos e das disposições médicas, o<br />
jurista apenas arregimentou informações que construíram uma imagem para Maria, que, neste caso,<br />
a empurravam para fora de um modelo moralmente aceitável, ao ser apontada como uma moça<br />
falada e namoradeira.<br />
A linguagem técnica de médicos e de membros da polícia constituiu-se como uma<br />
possibilidade de instaurar um conjunto de normas a serem aplicadas na sociedade. Tanto o laudo<br />
médico como as disposições do corpo policial apresentam-se como demonstrações de como o<br />
domínio da linguagem – diga-se saber – poderiam exercer um poder que incidisse sobre os sujeitos<br />
sociais. O corpo físico surgiria como uma fonte para a produção escriturística do saber científico,<br />
espaço ideal para o reconhecimento daqueles que eram participantes de imbricadas relações de<br />
poder, e que, através do uso de dispositivos de controle – a exemplo do inquérito policial e laudo<br />
médico –, legitimavam seu lugar de sujeito: detentor de um saber-poder e definidor de prescrições<br />
sobre a sexualidade feminina 371 . Na realidade, é preciso considerar a idéia de que essa tentativa de<br />
regulação dos comportamentos possui intencionalidades que vão muito além da busca por uma<br />
legitimidade social, alcançam a noção de que essa fala elaborada por eles fazia parte de uma<br />
construção discursiva que visava incutir valores morais aos indivíduos. Deve-se lembrar que o<br />
período em questão foi permeado por normatizações que atribuíam um sentido moral e higiênico às<br />
famílias, com o fim de produzir indivíduos cada vez mais adaptados à ordem social que se desejava<br />
instaurar.<br />
É possível extrair das leituras feitas até aqui, que existiam pontos em comum entre os<br />
processos abertos na delegacia sobre crimes contra a honra das famílias, primeiramente, no que diz<br />
370 PIAUÍ. Secretaria de Estado da Polícia. Inquérito policial. Autuamento. Aos vinte e sete de maio do ano de<br />
mil novecentos e treze, nesta cidade de Teresina, capital do Estado do Piauí, na Secretaria de Polícia, autuo a<br />
portaria junta do Exmo. Sr. Dr. Fenelon Ferreira Castelo Branco Secretario de Estado de Polícia, que logo<br />
adiante se vê, do que para constar faço este autuamento e dou fé. Eu José de Arêa Leão, escrivão da secretaria<br />
de estado da Polícia o autuei. Processo Maria Lopes de Jesus. Casa Anísio Brito, caixa autos crimes, n. 237.<br />
371 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Artes de fazer. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2005, v. 1. p. 232.