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marido convencendo-o a dormir no segundo andar); em quinto lugar, as relações sociais de<br />

vizinhança, relações que são socialmente territoriais, e que servem de argumento tanto para a traição<br />

da mulher (a esposa de Eufileto justificava o abrir e fechar de portas à noite dizendo que ia aos<br />

vizinhos pedir óleo para a lamparina do bebê, quando se tratava da entrada e saída do amante)<br />

quanto para efetivação das prerrogativas legais do cidadão sobre seu oikos (os amigos de Eufileto<br />

como testemunhas); em sexto lugar, os rituais de culto e funerários, que tanto reforçavam a<br />

identidade familiar do cidadão quanto abriam possibilidades de contatos entre membros de oikoi<br />

diferentes (a esposa de Eufileto e seu futuro amante); em sétimo lugar, a instituição da escravidão<br />

doméstica, como ponto de ligação do mundo externo e interno do oikos (a organização dos<br />

encontros adúlteros), assim como eixo de reprodução da ordem (a confissão da escrava a Eufileto);<br />

entre outros processos que poderiam ser citados.<br />

Quanto ao discurso em si, podemos notar a existência de processos mais gerais como o<br />

sistema jurídico ateniense e a centralidade da oração, o desenvolvimento da retórica tanto para<br />

articular o discurso quanto para camuflar esta articulação intencional, a existência de escritores<br />

profissionais de discursos jurídicos, trabalho no qual a ausência de cidadania não era restritiva<br />

(Lísias era meteco em Atenas, e se notabilizou como logógrafo); entre outros processos.<br />

Ou seja, o discurso e suas referências não brotaram do nada, em uma sociedade<br />

“zerada”, mas dialogam com o trabalho morto social que se apresenta na complexidade de<br />

processos não-simultâneos condensados em um momento, o cotidiano, palco do diálogo entre<br />

estrutura e ação. Assim, tanto Eufileto quanto sua esposa e o amante agiam a partir de processos que<br />

os precediam, e que eram contraditórios: a cotidianidade era o momento da reprodução destes<br />

processos.<br />

Por outro lado, o discurso de Lísias é uma via privilegiada de acesso a uma dimensão da<br />

vida social que ultrapassa o público e o privado, a cidade e a casa, ao mencionar os diversos pontos<br />

de contato entre os habitantes de Atenas: os rituais fúnebres, as relações de vizinhança, os encontros<br />

no mercado e no campo. Quando Eratóstenes observou a esposa de Eufileto no funeral de sua mãe,<br />

se tratava da vida pública ou privada? Quando Eufileto convocou amigos para dentro de sua casa,<br />

público ou privado? Este espaço de indiferenciação entre público e privado, que se misturam e ao<br />

mesmo tempo não esgotam a sociabilidade, é justamente o cotidiano ateniense, específico da<br />

democracia: quando a democracia institui (tanto ideologicamente quanto legalmente) a oposição<br />

público e privado, ela abre a brecha para a dimensão da vida comum, doméstica, cotidiana. Do<br />

ponto de vista da vida cotidiana da sociedade ateniense presente no texto, importa menos quem é e

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