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considerado pluralizado. Ainda era valorizada a honestidade feminina como um requisito primordial<br />
para a escolha da futura esposa, no entanto essa forma de pensamento não impedia que os rapazes<br />
tentassem explorar outros meios de efetivar práticas sexuais, quando estas eram permitidas<br />
socialmente, ou seja, quando realizadas com mulheres que não detinham conceito moral<br />
reconhecido – entenda-se: prostitutas e moças pobres. Embora houvesse uma aceitação da<br />
manifestação dos desejos sexuais masculinos, ainda existiam maneiras de disciplinar os<br />
comportamentos assumidos na esfera dos relacionamentos. A condenação de sedutores, seja pelo<br />
senso comum, seja pelos órgãos jurídicos explicitava o ensejo de proteger a honra das moças de<br />
família, no sentido de preservar aquelas que poderiam contrair matrimônio e formar uma família<br />
adequada aos padrões morais vigentes.<br />
Normatizar as condutas sexuais não se resumia apenas em imprimir outras formas de<br />
comportamento, mas também em disciplinar aqueles indivíduos que não se adequavam aos<br />
conceitos de moralidade nos discursos promovidos pelo Estado, pela Igreja, pela Justiça e pela<br />
medicina. Para produzir estratégias de disciplinarização das condutas, o saber médico foi utilizado<br />
pela Justiça a fim de formular elementos que viessem a colaborar na construção de uma imagem<br />
feminina a ser debatida juridicamente. Nesse sentido torna-se interessante observar de que maneira<br />
o corpo feminino envolvido em crime sexual se constituiria como um objeto de estudo médico-<br />
legista. Silenciado e reduzido à matéria de um exame de corpo de delito, o discurso do sexo<br />
feminino seria atravessado por saberes que construíam estereótipos da mulher ofendida, os quais<br />
correspondiam à dicotomia: moça honrada/moça desonrada.<br />
A difusão de normas sexuais que deveriam ser aplicadas a toda sociedade começou a<br />
partir do momento em que o Estado passou a assumir o papel de disciplinador dos corpos,<br />
entendendo que era sua responsabilidade zelar pela moral sexual das famílias. Logo, a perda da<br />
virgindade feminina, seja pela prática da sedução de menores, seja por estupro constituía um fator<br />
que abalava os princípios da honra familiar.<br />
Moradora do lugar “Soinho”, Francisca Maria da Conceição, de quinze anos, ocupando-<br />
se de trabalhos caseiros, dirigiu-se à delegacia de polícia para denunciar que, em uma noite de abril<br />
de 1910, Manoel Cardoso apareceu em sua casa, quando esta se encontrava sozinha para lhe fazer<br />
promessa de casamento, tendo conseguido manter relações sexuais com a denunciante. 368 Para<br />
sustentar a sua acusação, a jovem submeteu-se a um exame de corpo de delito, a fim de comprovar a<br />
368 PIAUÍ. Secretaria de Estado da Polícia. Auto de corpo de delito. Processo Francisca Maria da Conceição. 28<br />
maio 1910. Casa Anísio Brito, caixa autos crimes, n. 237.