VIII. Comunidades portuguesas dos Estados Unidos
VIII. Comunidades portuguesas dos Estados Unidos
VIII. Comunidades portuguesas dos Estados Unidos
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
355<br />
Onésimo Teotónio de Almeida<br />
LUSAlândia é complexa. Composta de misturas medievais e futuristas onde as pessoas<br />
se jogam entre um passado com raízes seculares e um futuro de pré-fabricado<br />
adventício.<br />
A terra do Faraó produziu a chicotada psicológica que atingiu o estômago e fez crescer<br />
as economias, sobejos duma casa farta onde o aquecimento não é luxo, nem o<br />
carro é exclusivo do manda-chuva da terra.<br />
Na LUSAlândia, a gente reveste de americano um corpo incarnado em português.<br />
E as traduções misturam-se. Desde a língua aos hábitos. Do sentimento ao modo<br />
de pensar. Os paradoxos insolúveis atrelam-se ao quotidiano e a diferença entre<br />
a vida, que a memória relembra, e a que é usufruída, actualmente, atenua-lhes a<br />
provocação.<br />
Os lusalandeses têm um passado de sofrimento. Experimentaram-no (e de que ma -<br />
neira!) na terra onde, em tempos, a única esperança era partir. Mas os que ainda<br />
sofrem (que os há, e tantos!) remetem as culpas para a pouca sorte, já que nem na<br />
terra onde corre leite e mel a sua vida melhorou. É por isso que é difícil falar da<br />
LUSAlândia e da sua gente. As antíteses sobrepõem-se. Mas entre o compreender<br />
um mecanismo e aceitar o processo, desencadeia-se uma luta. Não se pode passar<br />
por cima dum passado que moldou cérebros e mo<strong>dos</strong> de ser, nem parece possível<br />
deter-se um futuro programado, computadorizado, que invade o dia-a-dia com solici<br />
tações atraentes. Com ideologia disfarçada de racionalidade.<br />
E depois, os lusalandeses não são homogéneos. E têm diuturnidades. Os recém-<br />
-che ga<strong>dos</strong> – aprendizes-de-lusalandeses – são inicia<strong>dos</strong> nos ritos e sacramentais da<br />
nova civilização por aqueles que primeiro demandaram estas paragens. Há fricções,<br />
porque nem tudo foi imutável além-Atlântico, e muitos <strong>dos</strong> que já cá estavam ainda<br />
seguem os padrões <strong>dos</strong> figurinos da América <strong>dos</strong> anos quarenta.<br />
Tudo isto intensifica tensões internas mais ou menos profundas, mas que nem por<br />
isso deixam de ser grupais ou subgrupais. Porque as questões de fundo não têm<br />
lugar. São tidas como ataque frontal à «democracia». A repercussão <strong>dos</strong> acontecimentos<br />
em Portugal fez essa atitude arreigar-se ainda mais. A angústia e o sofrimento<br />
expressam-se de vários mo<strong>dos</strong>. As pressões <strong>dos</strong> meios de comunicação, <strong>dos</strong><br />
ambientes de trabalho e de convívio aguçaram o sentimento de tragédia e os complexos<br />
de defesa fortificaram-se. Vistos à distância e por olhos alheios (a que não<br />
são alheios interesses de vários géneros), os acontecimentos são caóticos. Afasta<strong>dos</strong><br />
do processo, a verborreia de decifração confusa que salta o Atlântico não ajuda<br />
nada a esclarecer quem não foi permitido aprender mais do que ler, escrever e<br />
contar (os que foram!). Os ideólogos locais encarregaram-se de «traduzir» os eventos<br />
em linguagem «simples». Forma<strong>dos</strong> em política, instantaneamente, serviram-se<br />
de hábitos de palração e espalham a doutrina que hoje faz parte do domínio<br />
comum entre a população da LUSAlândia. (…)» 31