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Historia da medicina - História da Medicina - UBI

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À PROCURA DA IDADE DO CANCRO NAS CENTÚRIAS DE AMATO LUSITANO<br />

A DOENÇA COMO OBJECTO DA HISTÓRIA<br />

Também a <strong>História</strong> patenteia a marcha vigorosa que<br />

se verifica em mais ciências sociais, exemplifica<strong>da</strong><br />

pelo entusiamo no estudo de tudo o que pertence à<br />

sua traça, como se sem exclusão de na<strong>da</strong>. Esta<br />

orientação para objectos só ilusoriamente<br />

insignificantes e que foram, por<br />

muito tempo, considerados<br />

desprezíveis, revelou-se, antes<br />

pelo contrário, tão enriquecedora<br />

para o conhecimento que se<br />

pretende global, ain<strong>da</strong> que<br />

selectivo.<br />

O interesse por zonas<br />

marginais, por minudências ou<br />

triviali<strong>da</strong>des, contrasta assim com<br />

os temas que prevaleceram<br />

antes, quando triunfava o estudo<br />

focalizado nas instituições<br />

relaciona<strong>da</strong>s como poder político,<br />

nos “grandes” acontecimentos,<br />

nos protagonistas excelsos, ou<br />

nas variáveis económicas, nos<br />

ciclos de moe<strong>da</strong>, etc. Aparecem<br />

agora outros objectos, até<br />

inesperados, como o sexo, a vi<strong>da</strong><br />

do casal e <strong>da</strong> família, a velhice, a<br />

infância, a morte, o medo, as<br />

paixões, o pecado, as doenças,<br />

etc, etc. São, apropria<strong>da</strong>mente,<br />

sempre reali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> do homem, que ao serem<br />

estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s, também na perspectiva do historiador,<br />

aju<strong>da</strong>m a melhor compreendê-lo, no presente, porque<br />

“iluminado pelo passado” e a “perceber as nossas<br />

inquietações e dificul<strong>da</strong>des actuais”, no entendimento<br />

de Vitorino Magalhães Godinho (1) . No fundo, é um<br />

caminho que contribui para a não obrigatória, mas<br />

certamente desejável, beneficiação do futuro.<br />

Constata-se pois a ampliação dramática dos<br />

interesses <strong>da</strong> história. Avança-se para um nível mais<br />

palpável <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, passando do corpo social, como<br />

objecto exclusivo de estudo, para o corpo físico que é<br />

o primeiro objecto cultural e com ele as manifestações<br />

que o envolvem, os próprios “gestos do quotidiano,<br />

22<br />

por António Lourenço Marques*<br />

(...) as práticas corriqueiras que preenchem, revelam<br />

e cimentam o grupo social” (2) .<br />

A doença, isto é, certas situações de desarmonia<br />

do corpo, com os seus registos apropriados,<br />

traduzindo muitas vezes relações conflituosas ou de<br />

confronto, ou mesmo de simpatia com a envolvente<br />

social, pode representar um lugar privilegiado para<br />

permitir a apreensão de sinais<br />

e significados singulares e de<br />

reali<strong>da</strong>des inapreensiveis ou<br />

insuficientemente apreensíveis<br />

de outra forma, não só relaciona<strong>da</strong>s<br />

com práticas sociais<br />

determina<strong>da</strong>s, como também<br />

com certos mecanismos<br />

administrativos, ou com “a<br />

imagem que uma socie<strong>da</strong>de<br />

tem de si mesma” (3) .<br />

Ora, o historiador, desde há<br />

muito, compreendeu a importância<br />

deste acontecimento<br />

irregular, mas determinante, <strong>da</strong><br />

existência de ca<strong>da</strong> indivíduo e<br />

<strong>da</strong> própria socie<strong>da</strong>de. Por isso,<br />

a referência às doenças é<br />

comum, não escapando habitualmente<br />

à trama dos seus<br />

relatos.<br />

Mas a enfermi<strong>da</strong>de pode<br />

também ser observa<strong>da</strong> doutro<br />

modo. Há mesmo doenças<br />

rebeldes a uma explicação social.<br />

Assim, na perspectiva de uma abstracção, que o é<br />

de facto, é uma enti<strong>da</strong>de que congrega um conjunto<br />

de manifestações entrelaça<strong>da</strong>s. É uma construção<br />

forma<strong>da</strong> na base de queixas ou sintomas, certos sinais<br />

e algumas alterações inscritas na reali<strong>da</strong>de física do<br />

corpo, isto é, na anatomia e/ou na bioquímica,<br />

observáveis pelo contacto directo ou objectiva<strong>da</strong>s pelos<br />

meios complementares de diagnóstico. “Aos<br />

elementos assim reunidos atribui-se um diagnóstico<br />

do qual decorre um determinado tratamento destinado<br />

a agir sobre os sintomas e se possível também sobre<br />

as causas” (4) . “To<strong>da</strong>s estas noções, estes<br />

pressupostos, estes encadeamentos, têm que ver com

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