Historia da medicina - História da Medicina - UBI
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um estadio do conhecimento, com uma ideia de<br />
ciência. São forçosamente evolutivos. Por natureza a<br />
<strong>medicina</strong> é histórica” (5) .<br />
A HISTÓRIA DO CANCRO<br />
O homem de ca<strong>da</strong> época tem investido, em uma ou<br />
várias doenças, a sua angústia diante <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> condição humana, com o corpo sujeito à<br />
degra<strong>da</strong>ção e à morte. São doenças habitualmente<br />
difíceis de tratar ou incuráveis e que se prestam a<br />
simbolizar muitos dos sentimentos negativos <strong>da</strong>s<br />
pessoas. No século XV, foi a lepra, no século XVI, a<br />
loucura, no século XIX, a tuberculose e, no século XX,<br />
mais particularmente a partir do seu meio, o cancro,<br />
(hoje a si<strong>da</strong>, de certo<br />
modo, disputa o<br />
mesmo lugar). A<br />
impotência perante a<br />
resolução de inúmeros<br />
casos, apesar dos<br />
avanços <strong>da</strong> <strong>medicina</strong>,<br />
o carácter particularmente<br />
penoso dos<br />
seus sintomas, a dor<br />
terrível, a deformação,<br />
etc., com a morte<br />
como horizonte intransponível,<br />
promoveu<br />
esta doença a algo que<br />
simboliza, de facto, o<br />
que há de mais<br />
assustador para a vi<strong>da</strong><br />
do homem.<br />
Esta é a imagem actual do cancro, anteriormente<br />
mais favorável. Durante muito tempo, foi considerado<br />
como uma doença sem significado excessivo, apenas<br />
marca<strong>da</strong> pelo selo <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de, mas como muitas<br />
outras. Sendo também uma dessas doença que não<br />
evidencia abertamente implicações sociais, não se<br />
presta com facili<strong>da</strong>de à elaboração de uma história<br />
no seu sentido social. Já o mesmo não se pode dizer<br />
quanto à história científica, isto é quanto à história <strong>da</strong><br />
evolução dos conhecimentos sobre a sua natureza, o<br />
diagnóstico ou sobre as práticas terapêuticas que<br />
suscita.<br />
Conhecido e estu<strong>da</strong>do desde a alta antigui<strong>da</strong>de, esta<br />
história reflecte bem a longa e lenta evolução do<br />
conhecimento científico, com algumas aquisições<br />
certas, muito antigas, que prevaleceram e cimentam<br />
a ciência de hoje. O modelo <strong>da</strong> história desta doença<br />
serve assim para perceber como se processou a<br />
génese de saberes actuais, que correspondem, por<br />
definição, à melhor “ver<strong>da</strong>de” científica dessas<br />
reali<strong>da</strong>des, ain<strong>da</strong> que envolta em muitas incertezas e<br />
perplexi<strong>da</strong>des.<br />
No papiro d’Hebers, escrito entre 3730 e 3710 anos<br />
23<br />
antes de Cristo, há descrições pormenoriza<strong>da</strong>s de<br />
tumores. Os Ve<strong>da</strong>s, que são os primeiros textos<br />
religiosos e poéticos <strong>da</strong> índia, <strong>da</strong>tados de cerca de<br />
1500 anos antes de Cristo, referem-se também a<br />
tumores malignos e até a actos terapêuticos (6) . Na<br />
continui<strong>da</strong>de histórica, Hipócrates e Galeno tratam<br />
do tema com grande profusão.<br />
Ora, as ideias que têm dominado a história do<br />
cancro são: 1 - Se o cancro é uma doença local ou<br />
geral; 2 - A noção de metástase; e 3 - As indicações<br />
terapêuticas, incluindo o papel dos cui<strong>da</strong>dos paliativos<br />
Esta última faceta <strong>da</strong> terapêutica, cujo<br />
desenvolvimento continua tão actual, quase como uma<br />
redescoberta, tem, curiosa e surpreendentemente, uma<br />
definição bastante precisa, no século XVI, como<br />
vamos ver, de acordo<br />
com o testemunho<br />
legado por<br />
Amato Lusitano, na<br />
obra ímpar e excepcional<br />
que são as<br />
Sete Centúrias de<br />
Curas Médicas.<br />
A Cura 32ª <strong>da</strong> III<br />
Centúria, dedica<strong>da</strong><br />
ao cancro <strong>da</strong> mama<br />
(7), constitui uma<br />
síntese notável sobre<br />
o estadio dos<br />
conhecimentos<br />
acerca do cancro,<br />
naquela época.<br />
Esta cura descreve<br />
a doença de uma religiosa, de trinta anos, sobrinha<br />
do bispo de Ancona, Balduino de Florença. Amato<br />
relata-nos os primeiros sintomas <strong>da</strong> doente que foram<br />
“abun<strong>da</strong>ntíssima transpiração” e “palpitações do<br />
coração” senti<strong>da</strong>s cerca de dois meses antes do<br />
aparecimento de ‘`prurido na papila <strong>da</strong> mama direita”,<br />
de “pica<strong>da</strong>s lancinantes” e de “febre”. É, nesta altura,<br />
que tem o primeiro contacto com a doente, observando<br />
“tudo como é preciso”. “A papila apresentava-se um<br />
tanto mais espessa”, como descreve. Perante esta<br />
apresentação, Amato Lusitano diagnosticou “uma atroz<br />
doença, que era sem dúvi<strong>da</strong> um cancro”. Havia então<br />
o hábito natural e muito salutar de informar os doentes<br />
acerca <strong>da</strong> natureza e gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> doença<br />
diagnostica<strong>da</strong>: “exponho em poucas palavras que era<br />
doença gravíssima e perniciosa, de que se seguiria<br />
morte certa, a não ser que fosse cura<strong>da</strong> por mão de<br />
Chiron e Esculápio”.<br />
A intervenção do médico, isto é, através dele, <strong>da</strong><br />
<strong>medicina</strong>, é entendi<strong>da</strong> como determinante quanto à<br />
evolução <strong>da</strong> doença e Amato lamentará sempre que<br />
os doentes demorem a recorrer ao médico ou recusem<br />
os seus conselhos (8) .<br />
Embora as doutrinas de Galeno, na peuga<strong>da</strong> de