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Historia da medicina - História da Medicina - UBI

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também havia morcela.<br />

Era o manajeiro que vasava a “olha” para dentro de<br />

ca<strong>da</strong> barranhão (algui<strong>da</strong>r de lata, individual), onde os<br />

ceifeiros migavam sopas de pão de trigo. Também<br />

era ele que dividia a “bóia” em tantas rações quantas<br />

as pessoas. Se havia por perto alguma azinheira, ca<strong>da</strong><br />

um com seu algui<strong>da</strong>r na mão, dirigia-se para a sombra;<br />

caso contrário, comiam ao sol, sentados no restolho<br />

ou com um joelho em terra. Entretanto, tiravam a colher<br />

do chapéu mas só começavam a comer quando o<br />

manajeiro dizia em voz alta:” Com Jesus!”. Comendo<br />

ao sol, comi<strong>da</strong> quente, o suor escorria-lhes pelo corpo<br />

em torrentes.<br />

Todos os dias, o jantar era de grãos de bico! Alguns,<br />

que foram “ratinhos”, ain<strong>da</strong> hoje não são capazes dos<br />

comer, de tal modo ficaram enjoados.. Mas o pão de<br />

trigo ... podemos dizer, sem receio de errar, foi a melhor<br />

compensação que esta gente, que só comia broa (e<br />

centeio pelas festas), teve nos trigais do Alentejo.<br />

Ain<strong>da</strong> hoje, que já não comem pão de milho, ao<br />

recor<strong>da</strong>r as refeições <strong>da</strong> ceifa, comentam: “Que rico<br />

pão!”.<br />

Depois do jantar, dormiam a sesta, procurando, de<br />

qualquer modo proteger-se dos raios de fogo que,<br />

segundo Fialho de Almei<strong>da</strong>, atingia a temperatura <strong>da</strong>s<br />

primeiras 20 léguas de areia do Sahara. O repouso<br />

era de uma hora ou hora e meia, em que os ceifeiros<br />

dormiam um pouco logo acor<strong>da</strong>dos pelo manajeiro<br />

com o grito de “Ala arriba!”. Enquanto os homens<br />

dormiam os garotos continuavam a atar, depois de<br />

terem esfregado com palha do restolho o barranhão<br />

de ca<strong>da</strong> ceifeiro até os deixarem a brilhar.<br />

O trabalho tornava-se um inferno a essa hora, só<br />

suportado pelo estímulo do dinheiro. A sede era<br />

abrasadora:os homens bebiam com avidez, com<br />

grandes gola<strong>da</strong>s, a água, nem sempre fresca nem de<br />

boa quali<strong>da</strong>de que o “tardão” lhes vinha a trazer.<br />

Florbela Espanca, poetisa alentejana, sabia como<br />

era a planície, no tempo <strong>da</strong>s searas sazona<strong>da</strong>s.<br />

“Horas mortas ...Curva<strong>da</strong> aos pés do Monte<br />

A planície é um brasido ... e, tortura<strong>da</strong>s,<br />

As árvores sangrentas, revolta<strong>da</strong>s,<br />

Gritavam a Deus bênção duma fonte!”<br />

Como as árvores, às vezes tão distantes <strong>da</strong> seara,<br />

no brasido <strong>da</strong> planície, torturados, os “ratinhos “também<br />

pediam a bênção de uma fonte... de água fresca...<br />

À tarde, meia hora antes do sol-posto, comiam a<br />

meren<strong>da</strong> que era apenas o tradicional gaspacho (até<br />

costumavam dizer:”vamos gaspachar”) e algumas<br />

azeitonas como conduto. Descansavam apenas o<br />

tempo para comer e ler algumas cartas dos familiares<br />

distantes, enquanto os garotos iam <strong>da</strong>r de beber aos<br />

burros. Entretanto, o sol ia-se escondendo como uma<br />

enorme bola vermelha e os ceifeiros continuavam a<br />

sua labuta, um pouco menos dolorosa, porque já corria<br />

uma agradável brisa que lhes refrescava os corpos.<br />

Eles ouviam, ao longe, os relógios <strong>da</strong>s torres a <strong>da</strong>r<br />

as horas, às vezes 10 horas <strong>da</strong> noite! Mesmo que<br />

fizessem ver ao manajeiro que já era tarde demais,<br />

ele repreendia-os com azedume, e só os man<strong>da</strong>va<br />

largar já noite cerra<strong>da</strong>, dizendo, como era habitual:<br />

“Seja louvado Nosso Senhor Jesus Cristo!.<br />

Ao largarem a foice, rezavam as orações <strong>da</strong> noite,<br />

estendiam a “copa” no restolho e deitavam-se em<br />

cima: eram as suas camas, onde iriam repousar pouco<br />

tempo porque, na madruga<strong>da</strong> seguinte, já teriam de<br />

recomeçar. Poderemos dedicar-lhes este poema de<br />

António Salvado:<br />

“No pequeno intervalo entre a noite e o dia<br />

o saberem que ‘aí’ estão é o seu único dom...<br />

51<br />

Respiram pelas horas consumi<strong>da</strong>s, refazendo<br />

um novo tempo entre o silêncio e a acção...<br />

E o seu perfil limitado é feito de alguma fé ...<br />

E a sua existência aberta é feita de alguma<br />

esperança.”<br />

No caso dos “ratinhos” é a fé que os leva a dizer<br />

que todo o sofrimento é “a vontade de Deus” e a<br />

esperança é não só que o tempo passe depressa para<br />

voltarem para junto dos seus, com aquela miséria de<br />

mesa<strong>da</strong>, que para eles era uma pequena fortuna, mas<br />

ain<strong>da</strong> a esperança de que “um dia” - não sabiam<br />

quando nem como - a sua vi<strong>da</strong> havia de melhorar.<br />

Acaba<strong>da</strong> a tortura <strong>da</strong> ceifa, vinha a euforia: alguns<br />

atiravam as foices ao ar, cantavam e <strong>da</strong>nçavam como<br />

se já estivessem esquecido tanto sofrimento. Os<br />

manajeiros recebiam dos lavradores as importâncias<br />

<strong>da</strong>s respectivas empreita<strong>da</strong>s (com as costuma<strong>da</strong>s<br />

gorgetas: às vezes um presente de queijos e a ven<strong>da</strong><br />

barata de algum “burranco reles...”)<br />

De posse do dinheiro, o manajeiro man<strong>da</strong>va reunir<br />

os ceifeiros, longe dos garotos para que não ouvissem<br />

o que se ia passar: estendiam uma manta no chão e,<br />

aí, o manajeiro colocava, em montículos, a quantia<br />

que havia recebido do lavrador respeitante ao número<br />

de homens (incluídos os garotos) e procedia-se à<br />

“julgação” ou “joeiração”, que consistia em tirar de<br />

ca<strong>da</strong> quinhão destinado a ca<strong>da</strong> garoto, metade, dois<br />

terços, três quartos ou mais. Se achavam que algum<br />

homem era inferior aos outros no trabalho, também<br />

ele sofria desfalque no seu quinhão. A soma desse<br />

dinheiro subtraído aos quinhões dos “joeirados” era<br />

depois dividi<strong>da</strong>, em partes iguais, pelos adultos que<br />

“saíram por inteiro”. Muitas vezes, estas operações<br />

provocavam conten<strong>da</strong>s bem aze<strong>da</strong>s porque o<br />

manajeiro e alguns ceifeiros procuravam, ao máximo<br />

explorar os garotos, achando alguns que, até um quinto<br />

já era demais. Como é evidente, “o direito <strong>da</strong> força<br />

prevalece sobre a força do direito” e os garotos vinham<br />

de lá, a maior parte <strong>da</strong>s vezes, com uma ninharia.<br />

Alguns ceifeiros chegavam a enganá-los do seguinte<br />

modo: “ Vocês podem receber «por inteiro», mas têm

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