18.04.2013 Views

Historia da medicina - História da Medicina - UBI

Historia da medicina - História da Medicina - UBI

Historia da medicina - História da Medicina - UBI

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

o julgamento do galo: “Este galo é o mais lindo, que<br />

aqui vai neste caminho, é para o Sr. professor, que<br />

nos ensina com carinho”; “Este galo meu senhor, tem<br />

as penas de galinha, é para o meu professor que já<br />

está carequinha”; “Este galo é ladrão, foi ao Vale do<br />

Serrão, comeu pinhos e melões, fez perca de sete<br />

tostões, nós vamos ao juiz, carregados de correntes,<br />

nosso mestre come galo, nós ficamos bem<br />

contentes”, etc., etc...<br />

Não havia TV mas a “malta” divertia-se.<br />

Aos domingos, quando tudo abalava para a missa e<br />

às compras na vila, a aldeia era <strong>da</strong> miu<strong>da</strong>gem. Um<br />

dia, na ausência do dono, trouxemos para um recinto<br />

aberto, fora do curral, um enorme carneiro que<br />

tinhamos ensinado a marrar. Foi uma toura<strong>da</strong>, ou<br />

melhor, uma carneira<strong>da</strong>, onde não faltaram cabeças<br />

parti<strong>da</strong>s... Também não faltaram reprimen<strong>da</strong>s e<br />

valentes tareias <strong>da</strong> parte de alguns pais...<br />

Tantas histórias! Tantas que não cabem neste<br />

relato... Em certas ocasiões aju<strong>da</strong>va o pastor Talaça<br />

na recolha do rebanho ou na assistência a reses com<br />

partos dificeis. Sempre que podia, iludindo a vigilância<br />

do pastor ou, quando bem disposto, com a sua<br />

cumplici<strong>da</strong>de, mamava o leite <strong>da</strong>s tetas como um<br />

autêntico cabrito... Era assim, cheia de peripécias, a<br />

vi<strong>da</strong> na aldeia dos anos trinta e quarenta. Um dia,<br />

para apanhar um lindo sardão que se escondera nas<br />

pedras do muro de uma horta, destrui a parede até<br />

chegar ao réptil que dominei pelo pescoço. Atei-lhe<br />

um fio a uma pata e, ufano, andei a exibi-lo na aldeia<br />

até que o “Pirolito”, rafeiro reguila, o matou com uma<br />

pata<strong>da</strong>. O choque foi tremendo e era ver o “Pirolito”, a<br />

partir <strong>da</strong>li, a fugir mal me avistava, adiando a tareia e<br />

eu a fugir do dono porque, como retaliação, pendurei<br />

o lagarto na aldraba <strong>da</strong> porta de sua casa e a tia Maria,<br />

ao voltar <strong>da</strong> fonte com o “asado” à cabeça, ia morrendo<br />

de susto, partiu o cântaro e ficou encharca<strong>da</strong>... Durante<br />

tempos alerta e pé ligeiro foi preciso o “Ti Manel”<br />

me tranquilisar, de longe, para não fugir... Fizemos as<br />

pazes e ele ofereceu-me figos secos para comemorar.<br />

Pelos meus 13/14 anos tive direito a entrar no círculo<br />

dos serões do forno, onde a malta miú<strong>da</strong> era corri<strong>da</strong> à<br />

canhola<strong>da</strong>, mediante suborno com “cigarros feitos”.<br />

Era preciso cair nas graças dos “mandões”,<br />

respeitados contadores de histórias. E os maços de<br />

tabaco, naquela altura, eram um luxo.<br />

Além <strong>da</strong> função principal o forno era a praça, o jornal,<br />

ponto de encontro onde o Cabo de Ordem, ao som do<br />

búzio, tocava a reunir para resolver problemas de interesse<br />

comunitário. Área coberta, ao fundo a boca<br />

do forno, uma cantareira lateral e um grande balcão<br />

de pedra para as masseiras e os tabuleiros e a servir<br />

de assento, ao serão. Tem ain<strong>da</strong>, na parede principal,<br />

uma tábua gradua<strong>da</strong> com furos onde, por ordem de<br />

chega<strong>da</strong>, se coloca uma tabuleta a marcar a vez para<br />

cozer o pão.<br />

Pelo calor que irradiava o “forno” era o local<br />

69<br />

privilegiado para os serões <strong>da</strong>s longas noites de<br />

Inverno. Que sau<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s histórias intermináveis<br />

onde o real e o fantástico se casavam com a maior<br />

<strong>da</strong>s naturali<strong>da</strong>des! Salvé Bernardino Coxo (ain<strong>da</strong> vivo)!<br />

Salvé João Folga (já falecido)! (O meu Bem-Haja a<br />

tantos outros que, em versões livres e aumenta<strong>da</strong>s<br />

de contos infantis e fábulas que mais tarde viria a<br />

conhecer, animaram aquele cantinho!<br />

Também se falava ali, com menor interesse por parte<br />

dos atentos ouvintes, do tempo, <strong>da</strong>s lides campestres,<br />

<strong>da</strong>s activi<strong>da</strong>des profissionais, dos “artistas”: pedreiros<br />

e carpinteiros por exemplo. A atenção redobrava<br />

quando os mais velhos e experientes contavam as<br />

suas proezas <strong>da</strong> tropa, as conquistas amorosas e<br />

todo o tipo de aventuras <strong>da</strong> ceifa no Alentejo, <strong>da</strong>s<br />

caça<strong>da</strong>s, muito exagera<strong>da</strong>s por parte dos mais<br />

fanfarrões. As misteriosas e estranhas histórias a falar<br />

de mundos longínquos e maravilhosos apontavam<br />

“saí<strong>da</strong>s” possíveis e cómo<strong>da</strong>s para interrogações sem<br />

resposta e para a compreensão de fenómenos que<br />

não conseguia entender...<br />

Ouvindo-as, o meu pensamento transpunha<br />

fronteiras desconheci<strong>da</strong>s, elevava-se planando nas<br />

alturas como que a tentar ultrapassar a exigui<strong>da</strong>de<br />

do lugar e a pequenez dos horizontes. Para mim, o<br />

mundo parecia acabar onde o céu tocava os pinheiros<br />

dos montes em volta. Levitava pelo reino do sonho<br />

sem distinguir, muitas vezes, a reali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> fantasia.<br />

Mesmo hoje, à distância, muitas <strong>da</strong>s minhas<br />

lembranças contém fragmentos que não sei já muito<br />

bem se os vivi ou se apenas os sonhei...<br />

Haverá certamente alguma relação entre os meus<br />

“vôos” impossíveis pelos reinos <strong>da</strong> fantasia, a mania<br />

que tinha de subir às árvores mais altas e aos telhados<br />

para ver as coisas lá de cima... e a minha adoração<br />

por esca<strong>da</strong>s e aves. O planar dos milhafres lá no alto,<br />

pairando ao sabor <strong>da</strong>s variações do ar, deixavam-me<br />

extasiado a contemplar aquela maravilhosa <strong>da</strong>nça,<br />

frustrado por também querer voar e não ter asas!..<br />

As aventuras <strong>da</strong>queles tempos viviam muito do<br />

“desenrascanço” já que, na falta de recursos técnicos<br />

para vencer dificul<strong>da</strong>des a necessi<strong>da</strong>de lá ia aguçando<br />

o engenho. E, na falta de assistência médica as<br />

pessoas recorriam, muitas vezes, a práticas<br />

ancestrais com marcas muito profun<strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong> hoje,<br />

na nossa região, que vão <strong>da</strong> simples utilização de<br />

ervas <strong>medicina</strong>is, tisanas, papas de linhaça e outros<br />

produtos naturais, aos rituais onde se cruzam as<br />

mesinhas com rezas e benzeduras.<br />

Assisti, vezes sem conta, pelas quelhas <strong>da</strong> aldeia,<br />

entre o martelar compassado dos teares e celebrados<br />

pelas mesmas mãos que criavam maravilhas a partir<br />

do linho e <strong>da</strong> estopa, aos exorcismos contra o mau<br />

olhado e cobranto, por exemplo.<br />

Muitos dos jogos tradicionais em que então se<br />

participava já só os conhecemos por ouvir falar ou<br />

pela generosi<strong>da</strong>de esforça<strong>da</strong> de alguns que teimam

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!