Historia da medicina - História da Medicina - UBI
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passíveis de qualquer possível correcção, Sousa Martins,<br />
embora alertando para a fragili<strong>da</strong>de e imprecisão<br />
dos <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Estatística de Coimbra, apresenta-os<br />
sem qualquer alteração.<br />
Mas se a objectivi<strong>da</strong>de crítica é aspecto relevante<br />
neste ensaio, não de menor importância são a<br />
simplici<strong>da</strong>de e o rigor com que nele são expostas<br />
ideias e teorias científicas. A correlação que Sousa<br />
Martins estabelece entre tuberculose e condições<br />
climáticas de um <strong>da</strong>do lugar é disso exemplo:<br />
“Para uma determina<strong>da</strong> temperatura média, a<br />
locali<strong>da</strong>de em que as variações diurnas, semanais,<br />
mensais e anuais, forem menos amplas, será a<br />
menos propícia para o desenvolvimento <strong>da</strong><br />
tuberculose” (20) .<br />
O modo preciso como distingue clima de montanha<br />
e clima de altitude, a correlação que estabelece entre<br />
os factores latitude e altitude na localização <strong>da</strong>s<br />
regiões possuidoras dos saudáveis climas de altitude<br />
(os efeitos benéficos sobre o aparelho respiratório<br />
provocados pelo abaixamento <strong>da</strong> pressão atmosférica<br />
com a altitude) são, do meu ponto de vista, belos<br />
exemplos que evidenciam a veraci<strong>da</strong>de de um aspecto<br />
saliente nos testemunhos de muitos dos discípulos<br />
de Sousa Martins ou de amigos que com ele de perto<br />
privaram: a sua fabulosa capaci<strong>da</strong>de de expor ideias<br />
científicas.<br />
Assim, relativamente aos efeitos benéficos do<br />
abaixamento <strong>da</strong> pressão sobre o aparelho respiratório,<br />
esclarece:<br />
“(...) não só porque a defeciência do oxigénio em<br />
pressão e em massa é nociva à vi<strong>da</strong> de alguns<br />
microorganismos que com o bacillo <strong>da</strong> tuberculose<br />
collaboram na destruição do pulmão e na infecção do<br />
organismo nuns também porque a ampliação do thorax<br />
e a completa expansão pulmonar produzem a um<br />
tempo o robustecimento do apparelho respiratório e o<br />
desalojamento dos seus microorganismos<br />
destruidores (21) .<br />
Mas, numa outra perspectiva, um sabor<br />
estranhamente actual possuem mais passagens deste<br />
ensaio, que mostram à evidência que Sousa Martins<br />
foi um homem muito além do tempo em que viveu.<br />
O apelo à valorização <strong>da</strong>quilo que, neste século XX,<br />
se chama recursos endógenos de uma região, foi, no<br />
caso <strong>da</strong> Serra <strong>da</strong> Estrela, magistralmente tratado neste<br />
ensaio de um médico de finais de século XIX.<br />
O repto que Sousa Martins lança ao Estado no<br />
sentido de o sacudir do seu alheamento na<br />
rentabili<strong>da</strong>de de factores naturais que, noutros países<br />
<strong>da</strong> Europa <strong>da</strong> época, se tinham tornado fontes<br />
palpáveis de riqueza; os argumentos com que alicerça<br />
a chama<strong>da</strong> de atenção ao governo para a necessi<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> toma<strong>da</strong> de medi<strong>da</strong>s na luta contra a tuberculose,<br />
mostrando uma a uma as razões que tornavam esta<br />
doença “uma força social negativa” (21) , - por si só<br />
bastavam para <strong>da</strong>r a medi<strong>da</strong> do interesse deste<br />
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pequeno livro. Mas a estes aspectos outro se junta: a<br />
clareza com que Sousa Martins expõe a minimização<br />
dos gastos na construção de infraestruturas<br />
necessárias à valorização <strong>da</strong>s riquezas climáticas <strong>da</strong><br />
Estrela. O pragmatismo com que aponta quais as<br />
infraestruturas essenciais que caberia ao governo<br />
construir; o apelo aos investidores privados para a<br />
construção, na Serra, de edifícios capazes de<br />
satisfazer as exigências <strong>da</strong> população doente de um<br />
estrato social elevado, - mostrando que a exploração<br />
desses edifícios poderia ser considera<strong>da</strong> uma<br />
ver<strong>da</strong>deira indústria, alicerça<strong>da</strong> numa garanti<strong>da</strong><br />
clientela, constitui<strong>da</strong> por todos os que não quisessem<br />
aventurar-se até à Suiça - são, entre outros, alguns<br />
exemplos. Na<strong>da</strong> esqueceu Sousa Martins. Nem as<br />
medi<strong>da</strong>s que o Estado poderia implementar no sentido<br />
de fomentar a atracção de capitais privados:<br />
“Isenção de contribuições até período de 12 annos<br />
aos comerciantes e industriais que se quisessem<br />
estabelecer nas altitudes de 1400 a 1800 m” (22) .<br />
São estes, entre muitos, os aspectos que conferem<br />
a esta obra de Sousa Martins um conjunto de<br />
significativas virtuali<strong>da</strong>des.<br />
Na ver<strong>da</strong>de, a argumentação inteligentemente<br />
fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> em que se alia uma reflexão profun<strong>da</strong><br />
acerca dos problemas reais a um conhecimento sério<br />
<strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des locais dão a esta obra de Sousa Martins<br />
quali<strong>da</strong>des que muitos dos actuais projectos de<br />
desenvolvimento regional, para sacar subsídios<br />
europeus, estão longe de apresentar. Nunca tão<br />
seriamente se pensou num desenvolvimento integral<br />
<strong>da</strong>s potenciali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Serra <strong>da</strong> Estrela como Sousa<br />
Martins o fez.<br />
Uma outra dimensão não esqueceu este médico<br />
genial, esta demonstrativa do seu conhecimento<br />
profundo acerca dos efeitos psicológicos negativos<br />
que a monotonia <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> num Sanatório de montanha<br />
poderia despoletar nos doentes atacados de<br />
tuberculose pulmonar: o tédio.<br />
Thomas Mann descreve magistralmente em páginas<br />
inesquecíveis <strong>da</strong> Montanha Mágica (no Sanatório, que<br />
para Sousa Martins era o modelo acabado: Davos),<br />
esses efeitos deprimentes do tédio. Sousa Martins<br />
preconiza duas medi<strong>da</strong>s tendentes a combater o<br />
isolamento e de certo modo a atenuar a força negativa<br />
desse mal do espírito entre os possíveis enfermos de<br />
um futuro Sanatório nas altitudes <strong>da</strong> Estrela. São elas:<br />
a instalação de um serviço telegráfico postal em<br />
Manteigas, e a redução <strong>da</strong>s taxas dos telegramas a<br />
todos os habitantes do futuro Sanatório.<br />
A Serra <strong>da</strong> Estrela na morte de Sousa Martins<br />
Perdurável e forte foi a atracção de Sousa Martins<br />
pela Estrela. Em 1897, Sousa Martins desloca-se a<br />
Veneza como delegado do Governo Português à<br />
Conferência Sanitária Internacional. Aí se manteve de