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Historia da medicina - História da Medicina - UBI

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aos anos vinte iam munidos de cacetes (varapaus),<br />

para defesa pessoal, se necessário fosse, cacetes<br />

que deixavam guar<strong>da</strong>dos à entra<strong>da</strong> do Fundão (5) .<br />

Submetidos ao ritual <strong>da</strong> inspecção médica, perante<br />

a Junta, os mancebos, agora assim designados,<br />

considerados aptos ou “apurados”, prestavam<br />

juramento de fideli<strong>da</strong>de à pátria, como rito “preliminar” (6)<br />

solene <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de militar. Como resultado <strong>da</strong> inspecção<br />

médica, surgia a hierarquização dos membros do<br />

grupo de i<strong>da</strong>de, em sub-grupos de “apurados” (aptos),<br />

“livres”, eufemismo de inaptos, e, por vezes,<br />

“esperados”, estes a aguar<strong>da</strong>rem nova inspecção.<br />

Como sinais visíveis de diferenciação grupal, os<br />

rapazes compravam fitas que colocavam na lapela do<br />

casaco, cujas cores eram símbolos nítidos <strong>da</strong>s<br />

classificações que lhes tinham sido atribuí<strong>da</strong>s<br />

vermelha, cor forte, significando valor, esforço e fonte<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, para os “apurados”, amarela, cor fraca ou<br />

secundária, para os “livres” e cor branca ou neutra<br />

para os “esperados”. As cores identificavam as<br />

classificações dos rapazes no ritual <strong>da</strong>s Sortes, que<br />

apresentava tonali<strong>da</strong>des festivas, com música, desfiles<br />

pelas ruas, lançamento de foguetes, jantar colectivo<br />

e baile, ao qual compareciam as raparigas <strong>da</strong> aldeia,<br />

com as mães destas a assistir, senta<strong>da</strong>s em volta <strong>da</strong><br />

sala.<br />

Na perspectiva do mundo rural, especialmente na<br />

região onde se focaliza a temática desta comunicação,<br />

existiam categorias ou modos de ver que orientavam<br />

as concepções, particulariza<strong>da</strong>s, a que estavam<br />

sujeitos os corpos, que os catalogavam funcionalmente<br />

segundo um discurso oficial geral, que era interiorizado<br />

pela ideologia camponesa. Os inaptos ou “livres” para<br />

o serviço militar desciam momentaneamente na<br />

escala <strong>da</strong> avaliação social, marcados por uma possível<br />

incapaci<strong>da</strong>de para a prestação de um serviço ao País.<br />

As raparigas candi<strong>da</strong>tas a namoro interrogavam-se<br />

dizendo que “se não serviam para a tropa, alguma<br />

coisa havia”, segundo o código do sistema ideológico<br />

local. Fora deste campo de pensamento, estavam os<br />

filhos dos “ricos” ou de algum “remediado”, cujos pais<br />

metiam um “empenho”, para ficarem “livres”.<br />

No próprio desfile pelas ruas <strong>da</strong> aldeia, após a inspecção,<br />

os rapazes dispunham-se hierarquicamente,<br />

com os “apurados” à frente, com as fitas vermelhas<br />

nas lapelas, seguidos pelos “livres”, estes menos<br />

ruidosos. As fitas simbolizavam as quali<strong>da</strong>des físicas<br />

dos rapazes, com alguma arbitrarie<strong>da</strong>de, pois, uma<br />

inaptidão,considera<strong>da</strong> pela Junta Militar, não<br />

correspondia a uma ina<strong>da</strong>ptação laboral ou social,<br />

numa i<strong>da</strong>de em que o corpo era visto como uma<br />

tecnologia, como um recurso no processo de<br />

reprodução e de produção. No entanto, algumas<br />

vezes, era notória uma desordem temporal ou<br />

momentânea na personali<strong>da</strong>de dos “livres”,<br />

manifesta<strong>da</strong> nos seus modos e nas suas atitudes.<br />

A I<strong>da</strong>de e a Vi<strong>da</strong> Militar<br />

O Militar na Avaliação Social<br />

As comuni<strong>da</strong>des rurais <strong>da</strong>vam muita ênfase à<br />

classificação por i<strong>da</strong>des, especialmente a “i<strong>da</strong>de<br />

militar”, que era considera<strong>da</strong> um ponto-charneira entre<br />

o ser rapaz e o ser homem, entendendo a vi<strong>da</strong><br />

militar como uma “escola <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>”, na qual o rapaz<br />

era transformado em homem, subindo na escala social,<br />

conjugando mesmo a “i<strong>da</strong>de militar” com a “i<strong>da</strong>de<br />

do casamento” (7) . O ser militar ou ter sido militar era<br />

um factor de prestígio social, utilizado algumas vezes<br />

como elevacão momentânea de “status” (8) , com<br />

nomeação para actos públicos, como “cabo de ordens”,<br />

em festas, para manutenção <strong>da</strong> ordem.<br />

É de salientar que a vi<strong>da</strong> militar surge como temática<br />

na Literatura Tradicional, quase sempre em<br />

composições simples e ingénuas, de tendência<br />

humorística, canta<strong>da</strong>s ou recita<strong>da</strong>s nas casernas e<br />

lembra<strong>da</strong>s to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>.<br />

A vi<strong>da</strong> militar, numa i<strong>da</strong>de em que o indivíduo se<br />

afirma homem, como “rito de passagem”, com maior<br />

ou menor valorização, consoante a época e os<br />

contextos sócio-político e sócio-cultural, faz parte <strong>da</strong><br />

fala quotidiana <strong>da</strong>s gentes rurais, pois, fica como<br />

marco indelével na vi<strong>da</strong> do homem, cujas vivências<br />

perduram ao longo dos tempos.<br />

Algumas raparigas tinham receio de namorar ou<br />

rejeitavam mesmo os rapazes que ficam “livres” nas<br />

Sortes, porque “se não serviam para a tropa, alguma<br />

coisa tinham”, como foi já referido. Diz a literatura<br />

tradicional:<br />

Quem não serve para a tropa,<br />

Também não serve para na<strong>da</strong>,<br />

É tacho velho sem fundo,<br />

É bilha velha fura<strong>da</strong>. (9)<br />

A Despedi<strong>da</strong><br />

43<br />

A i<strong>da</strong> para a vi<strong>da</strong> militar era uma ruptura com o<br />

quotidiano familiar e com a vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> aldeia. Era partir<br />

para o desconhecido, para uma vi<strong>da</strong> talvez perigosa,<br />

para uma situação de margem, que talvez<br />

proporcionasse riscos. Alguns rapazes submetiam-se<br />

a “ritos de Protecção”, como confissão e comunhão,<br />

verifica<strong>da</strong>s na aldeia do Alcaide, pedir a benção aos<br />

padrinhos e aos pais e solicitar a protecção dos<br />

Santos e <strong>da</strong>s Senhoras mediante promessas (10) . Na<br />

generali<strong>da</strong>de, todos praticavam “ritos de despedi<strong>da</strong>” (11)<br />

dos familiares, dos amigos e <strong>da</strong>s namora<strong>da</strong>s. A parti<strong>da</strong>,<br />

algumas vezes dolorosa, como a primeira saí<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

comuni<strong>da</strong>de, era bem defini<strong>da</strong> cronologicamente,<br />

talvez como uma <strong>da</strong>ta muito significativa, no ciclo <strong>da</strong><br />

vi<strong>da</strong> do camponês beirão. Assim a refere um serrano<br />

<strong>da</strong> Gardunha, na sua despedi<strong>da</strong>:

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