Historia da medicina - História da Medicina - UBI
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um ou dois anos a ceifar para aprender como<br />
funcionava o serviço, procurando a simpatia dos<br />
conterrâneos, dos manajeiros e dos patrões. Depois<br />
já podiam entrar em acção...<br />
Contratados os homens para a ceifa, faziam-se os<br />
preparativos para a faina que durava 40 a 45 dias.<br />
Com os dias <strong>da</strong> viagem, eram quase dois meses de<br />
ausência <strong>da</strong>s suas aldeias.<br />
Como fato de trabalho, escolhiam as calças mais<br />
velhas que tinham, de surrobeco ou de cotim,<br />
remen<strong>da</strong><strong>da</strong>s por todos os lados, que, por não serem<br />
lava<strong>da</strong>s durante to<strong>da</strong> a safra, ficavam tão duras com o<br />
suor que, quando despi<strong>da</strong>s se aguentavam de pé ...<br />
As camisas de linho grosseiro, nos tempos mais<br />
recuados, tiveram de ser substituí<strong>da</strong>s por outras mais<br />
macias pois, com o movimento brusco e continuado<br />
dos braços, chegavam a ferir-se nas axilas. Adoptaram<br />
então as blusas de riscado azul e branco, aos<br />
quadradinhos, usa<strong>da</strong>s pelos ganhões alentejanos e a<br />
que, não sei porquê, chamavam garibal<strong>da</strong>s. Eram as<br />
“alfaiatas” que as faziam e também preparavam os<br />
velhos chapéus de feltro forrando-os de sarja e<br />
pespontando-os em círculos para os tornarem mais<br />
duros e impermeáveis aos raios ardentes do sol. Para<br />
protegerem a nuca, usavam o tradicional lenço de<br />
algodão vermelho que, a maior parte <strong>da</strong>s vezes,<br />
usavam sob o chapéu para ensopar o suor. Também<br />
fazia parte <strong>da</strong> “copa” do “ratinho” um par de safões de<br />
pele de cabra que usava ora com o pêlo para fora, ora<br />
para dentro, conforme o tempo que fizesse; um peitilho<br />
e uma “braçadeira” <strong>da</strong> mesma pele para proteger o<br />
peito e envolver o braço esquerdo, defendendo-o dos<br />
golpes ou <strong>da</strong> aspereza <strong>da</strong> palha. Como adereços para<br />
proteger os dedos, faziam dedeiras de cana que<br />
usariam no indicador, médio e anelar <strong>da</strong> mão esquer<strong>da</strong><br />
ou dedeiras de cabe<strong>da</strong>l. Levavam , pelo menos, duas<br />
foices. Era indispensável a manta para, durante a<br />
noite, se protegerem <strong>da</strong> “maresia”e do sol, durante a<br />
sesta, estica<strong>da</strong> sobre alguns molhos de trigo<br />
empinados, quando não havia árvores por perto. O<br />
fato que levavam na viagem só o voltavam a vestir no<br />
regresso. Na véspera <strong>da</strong> parti<strong>da</strong>, preparava-se o farnel:<br />
broas, chouriço e uma cabaça de zurrapa para aju<strong>da</strong>r<br />
a engolir.<br />
Alguns ceifeiros levavam consigo filhos ou sobrinhos<br />
que não estavam a servir, para os iniciarem na profissão<br />
e para trazerem mais algum dinheiro. Eram garotos<br />
de 12 ou 13 anos (mas conheço um que foi aos 8<br />
anos só para guar<strong>da</strong>r a “copa” (1) e <strong>da</strong>r de beber aos<br />
ceifeiros). Como se não lhes bastasse já a tortura de<br />
trabalharem nas proprie<strong>da</strong>des dos pais, iam iniciarse<br />
no trabalho mais duro que se pode conceber -<br />
trabalho de escravos - sob o olhar atento dos adultos<br />
e também dos familiares que os tinham levado e não<br />
queriam que os deixassem ficar mal, perante o<br />
manajeiro que os tinha contratado.<br />
Era essa a i<strong>da</strong>de de começar a ser “ratinho”. Esses<br />
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jovens “ratinhos” estavam apenas na 2ª infância, no<br />
início <strong>da</strong> puber<strong>da</strong>de, alguns na adolescência. No plano<br />
fisiológico, era uma i<strong>da</strong>de crítica e, portanto, esse<br />
trabalho era um perigo para o seu desenvolvimento.<br />
Estavam a crescer, eram geralmente mal alimentados<br />
na sua terra e, consequentemente, tinham fraca<br />
compleição física. Além disso, as modificações<br />
fisiológicas, que afectam o estado de espírito do<br />
adolescente, não eram de modo a uma fácil a<strong>da</strong>ptação<br />
ao novo trabalho. Mesmo no seu meio, ao tomar<br />
conciência do mundo que o rodeia, tem as mais<br />
diversas reacções, ora mostrando uma timidez que o<br />
impede de falar, de se abrir, mesmo com as pessoas<br />
com quem li<strong>da</strong> de perto, ora tomando atitudes de uma<br />
agressivi<strong>da</strong>de assustadora, ora, ain<strong>da</strong>, caindo numa<br />
instabili<strong>da</strong>de que lhe provoca alegria ou tristeza, fácil<br />
no riso descontrolado ou em crises de choro ou de<br />
silêncio.<br />
O ambiente, a dureza do trabalho, o clima hostil, a<br />
opressão e as injustiças que era obrigado a suportar<br />
durante esse período de 40 a 45 dias, não eram, de<br />
modo algum, propícias ao seu desenvolvimento físico<br />
e à boa formação <strong>da</strong> sua personali<strong>da</strong>de. Mais ain<strong>da</strong>,<br />
todo o dia debaixo <strong>da</strong>quele sol de fogo em que o<br />
termómetro subia aos 40° (Fialho de Almei<strong>da</strong> diz que<br />
chegava aos 50°, estava sujeito a insolações e, se as<br />
searas eram próximas de zonas pantanosas, onde<br />
os mosquitos atacavam em enxames, e bebendo<br />
muitas vezes água de charcos, onde bebiam cães e<br />
burros e os porcos chafur<strong>da</strong>vam, não estavam livres<br />
de contrair doenças, como as febres quartãs que<br />
segundo Brito Camacho, eram frequentes e só se<br />
curavam com sulfato de quinino ou sulfato inglês. Diz<br />
José <strong>da</strong> Silva Picão que era importante a percentagem<br />
de doentes “ ratinhos” nos hospitais alentejanos, onde<br />
nem todos se curavam.<br />
Alguns “ratinhos”, que eram contratados para a ceifa<br />
<strong>da</strong> ceva<strong>da</strong>, iam mais cedo. Parece que não era tarefa<br />
fácil, porque às vezes, a ceva<strong>da</strong> era muito curta e<br />
obrigava o ceifeiro a an<strong>da</strong>r numa posição muito<br />
incómo<strong>da</strong>. Falaram-me de um padre já velhote que,<br />
no confessionário, quando lhe aparecia um penitente<br />
ain<strong>da</strong> novo, lhe perguntava: “Já foste à ceifa ao<br />
Alentejo? Já ceifaste ceva<strong>da</strong> janeirinha de cabeça para<br />
baixo?” Se a resposta era afirmativa, dizia-lhe: “Vai<br />
em paz, que todos os teus pecados já te estão<br />
perdoados...”<br />
Os que iam para a ceifa do trigo partiam em meados<br />
de Maio; partiam cheios de entusiasmo os garotos<br />
que iam pela primeira vez e ignoravam o que os<br />
esperava. Era receio quase medo o que sentiam os<br />
que já lá tinham estado, mas que escondiam dos<br />
outros para que não os julgassem fracos ou medricas.<br />
Para quem ficava, a parti<strong>da</strong> dos “ratinhos” era sempre<br />
uma ocasião de tristeza, lágrimas, prelecção <strong>da</strong>s mães<br />
aos garotos, <strong>da</strong>s esposas e namora<strong>da</strong>s aos adultos.<br />
Iam a pé, alguns com a bagagem em burros, mas a