Historia da medicina - História da Medicina - UBI
Historia da medicina - História da Medicina - UBI
Historia da medicina - História da Medicina - UBI
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Nacionais e os cadernos escolares espalhados pelas<br />
várias salas e corredores chamam-nos aos anos entre<br />
75 e 80 marcados pela chega<strong>da</strong> dos que albergou<br />
em longos invernos de isolamento e falam-nos <strong>da</strong><br />
escola que ali funcionou para os mais novos dos<br />
“retornados”. Finalmente os graffiti nas paredes dãonos<br />
as derradeiras imagens <strong>da</strong> última ocupação antes<br />
do abandono: São os Carnavais <strong>da</strong> Neve do Clube<br />
Nacional de Montanhismo <strong>da</strong> Covilhã e os Encontros<br />
Nacionais de Motards que ain<strong>da</strong> ecoam pelos salões<br />
de arcaturas e colunata do 1° piso.<br />
No Sanatório <strong>da</strong>s Penhas <strong>da</strong> Saúde aprisionamse<br />
ain<strong>da</strong> as primitivas imagens do difuso espaço<br />
sanatorial dos finais do séc. XIX que foi primeiro<br />
corporizado na Montanha Mágica portuguesa, na<br />
área <strong>da</strong>s Penhas <strong>da</strong> Saúde, através <strong>da</strong> construção, a<br />
1.530 m de altitude, do Grande Hotel dos Hermínios,<br />
seguindo à risca as confiantes prescrições do Dr.<br />
Souza Martins. Foi todo este ambiente de fim de<br />
século que moldou o programa arquitectónico e o<br />
figurino decorativo, do novo Sanatório dos Ferroviários,<br />
marca<strong>da</strong>mente de anos 30, mas com ain<strong>da</strong> bem<br />
visíveis pincela<strong>da</strong>s de uma “Belle Epoque” que aos<br />
poucos se foi desvanecendo pelas mun<strong>da</strong>nas<br />
estâncias de veraneio e de restabelecimento físico<br />
até ao deflagrar <strong>da</strong> 1° Grande Guerra. As marcas de<br />
“hotel” mantiveram-se no Sanatório, disfarçando até<br />
aos anos 50, tanto quanto puderam, as de hospital.<br />
Só então, com o enquistar do Estado Corporativo, a<br />
factura do 2° “post guerra” e os frutos do nosso surto<br />
industrializador se lhe massificou a densi<strong>da</strong>de e se<br />
lhe empalideceu o brilho. É este o período que<br />
corresponde às ampliações realiza<strong>da</strong>s à custa <strong>da</strong>s<br />
galerias e ao aumento <strong>da</strong>s enfermarias e <strong>da</strong>s<br />
instalações de apoio que lhe deram a sua última<br />
utilização como Sanatório.<br />
A <strong>História</strong> está, pois, bem marca<strong>da</strong> neste edifício<br />
pelas vivências dos homens que o habitaram. É em<br />
busca dela que o deman<strong>da</strong>mos. Mas quando, feitos<br />
Hans Castorp <strong>da</strong> “Montanha Mágica”, subimos até lá<br />
para, quais espectadores, o reconhecermos e<br />
analisarmos como fonte histórica, evidência de campo<br />
de uma época e como monumento que urge preservar,<br />
é ele que nos domina e nos aprisiona numa<br />
multiplici<strong>da</strong>de de problemas em que nos enre<strong>da</strong>.<br />
Projectavamos uma passagem breve e, afinal,<br />
que<strong>da</strong>mos nele enre<strong>da</strong>dos. E quando nos ocorre a<br />
estratificação que vigorava para os seus doentes:<br />
“curados”, “melhorados”, “estacionários”, “piorados” e<br />
“falecidos” - e a sua repercussão em números. De<br />
uma breve análise efectua<strong>da</strong> a documentos dispersos,<br />
situados entre os anos de 1953 e 1967, poderá reterse<br />
que dos 4.264 tuberculosos que passaram pelo<br />
Sanatório, 1.252 curaram-se, 1.694 melhoraram, 1068<br />
mantiveram-se estacionários, 149 pioraram e 101<br />
faleceram. E a nós como nos catalogará?<br />
Entretanto, instalamo-nos. Vamos ficando.<br />
41<br />
Começamos a conhecer-lhe os meandros e as<br />
personagens que por ele vagueiam e aceitamos a<br />
explicação de Joachim a Hans Castorp: “Aqui não<br />
fazem muita cerimónia com o tempo <strong>da</strong>s pessoas”.<br />
A<strong>da</strong>ptamo-nos e descobrimo-lo aos poucos,<br />
descobrindo-nos a nós também e ao nosso tempo, o<br />
<strong>da</strong>s maçãs calibra<strong>da</strong>s e <strong>da</strong> produção normaliza<strong>da</strong>, o<br />
do viver industrializado. Documentamo-lo e fazemoslhe<br />
a ficha, como também ali se preenchia a dos<br />
internados. Descrevemo-lo. Recolhemos-lhe as<br />
marcas <strong>da</strong>s telhas tipo marselha (Mourão, Teixeira<br />
Lopes & Cª. L<strong>da</strong>. <strong>da</strong> Pampilhosa) e do mosaico<br />
hidráulico dos pavimentos (SCIAL). Demoramo-nos na<br />
descrição <strong>da</strong> facha<strong>da</strong>, que se estende por mais de<br />
160 m de comprimento e onde os seus torreões em<br />
flecha, varandins e solários, arcaturas e ban<strong>da</strong>s<br />
ritma<strong>da</strong>s de centenas de janelas lhe definem o figurino.<br />
Subimos-lhe a imponente esca<strong>da</strong>ria de granito;<br />
entramos no átrio e apreciamos-lhe o encanastrado<br />
férreo <strong>da</strong>s elegantes portas dos elevadores, assim<br />
como os azulejos figurativos dos salões do 1° piso.<br />
No final, diagnosticamos - “Estado de Conservação:<br />
degra<strong>da</strong>do”. Imediatamente nos ocorrem as vias <strong>da</strong><br />
terapêutica em uso nestes casos: recuperação ou<br />
reabilitação?<br />
Depois de um tempo em que as ruínas dignificaram<br />
os jardins dos mecenas do Renascimento e de um<br />
outro em que inspiraram os românticos oitocentistas<br />
que, com Byron, defendiam que elas enobrecem e<br />
embelezam os lugares, já que introduzem nele “algo<br />
de vi<strong>da</strong> real que não pode pertencer a nenhuma parte<br />
<strong>da</strong> natureza inanima<strong>da</strong>”, assistimos hoje à<br />
desvalorização de tudo o que revela marcas<br />
destruidoras do tempo. É a norma. O primado dos<br />
nossos dias é o <strong>da</strong> manutenção <strong>da</strong> juventude, mesmo<br />
que aparente e recauchuta<strong>da</strong>, o do terror <strong>da</strong> velhice, o<br />
<strong>da</strong> desvalorização do ritual participado <strong>da</strong> morte, do<br />
seu asséptico encobrimento, mesmo.<br />
E quando testemunhamos o forte impacto <strong>da</strong>s ruínas<br />
deste edifício, sobretudo ao nível <strong>da</strong>s artes e dos<br />
artistas a quem continua a impressionar ain<strong>da</strong> hoje<br />
ocorrem-nos então as palavras de Carlo Carena<br />
(Enciclopédia Einaudi, Ruina/Restauro, 1984, p.107):<br />
“Esta vitali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ruína exclusivamente interpretativa,<br />
subjectiva e antropológica, torna essencialmente cultural<br />
o discurso que sobre ela se faz”.<br />
E perante as terapias de normalização <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dos<br />
monumentos, vacilamos então no limiar entre a VIDA<br />
e a MORTE, o tempo dos HOMENS e o <strong>da</strong> NATUREZA<br />
tendo por única convicção a de que há “memórias”<br />
que urge preservar.<br />
Covilhã, Novembro de 1994<br />
*Assistente Convi<strong>da</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>UBI</strong>. Membro do Centro de<br />
Estudo e Protecção do Património - CEPP