Historia da medicina - História da Medicina - UBI
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Numa recente visita à aldeia onde nasci - Figueira,<br />
a 4 Km de Sobreira Formosa procurei <strong>da</strong>r ao meu<br />
filho Tiago que me acompanhava, uma ideia do que<br />
fora a minha infância ali, sem Rádio nem T. V., tão<br />
diferente <strong>da</strong> sua na grande ci<strong>da</strong>de, marca<strong>da</strong> pelos<br />
grandes avanços <strong>da</strong> Ciência, <strong>da</strong> Arte e <strong>da</strong> Tecnologia.<br />
Pedra a pedra, rua a rua, casa a casa, fomos<br />
percorrendo o espaço mágico <strong>da</strong> minha meninice. E,<br />
pela minha cabeça, desfilavam acontecimentos com<br />
eco de pessoas com quem partilhei jogos, aventuras<br />
e cumplici<strong>da</strong>des, habitantes <strong>da</strong>s casas hoje<br />
silenciosas que, há algumas déca<strong>da</strong>s, fervilhavam de<br />
vi<strong>da</strong>.<br />
Era uma vi<strong>da</strong> comunitária assente, sobretudo, na<br />
Agricultura. Os trabalhos sazonais eram, quase<br />
sempre, partilhados pelos vizinhos mais chegados<br />
numa interaju<strong>da</strong> que se estendia às famílias atingi<strong>da</strong>s<br />
por fatali<strong>da</strong>des. Lembro-me, por exemplo, <strong>da</strong> tristeza<br />
que entrava nas casas onde faltava a “salgadeira” e<br />
os “enchidos”, porque a peste levara o porco e afectara<br />
a economia doméstica. Nestes casos, os que podiam,<br />
partilhavam com os atingidos, algum toucinho e<br />
“enchidos”. E, se chovia de repente e havia grão na<br />
eira ou pasto a secar as pessoas disponíveis saíam<br />
correndo <strong>da</strong>s suas casas, acudindo onde era<br />
necessário.<br />
Nos tempos <strong>da</strong> guerra a vi<strong>da</strong> ali era muito dificil:<br />
não havia trabalho e o pão escasseava. Valiam às<br />
famílias numerosas os produtos <strong>da</strong> horta e alguns litros<br />
de cereal e de azeite ou alguma peça de roupa usa<strong>da</strong>,<br />
oferecidos por vizinhos mais remediados e sensíveis<br />
a estas carências, a mostrar que a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de não<br />
era palavra vã. Para além disto, a “malta” nova tinha<br />
sempre a possibili<strong>da</strong>de de colher fruta aqui e ali,<br />
mesmo correndo o risco de fugir à frente do dono ou<br />
de ter os cães à perna, a lamber-lhes os calcanhares.<br />
Como quem viaja no tempo ao sabor <strong>da</strong>s<br />
recor<strong>da</strong>ções, deixando de parte cronologias e<br />
estatísticas aqui, lembro a minha terra, nesta simples<br />
crónica de aldeia em que evoco um tempo outro tão<br />
AS IDADES DO HOMEM - VIAGEM NO TEMPO E NA MEMÓRIA<br />
67<br />
por Ribeiro Farinha*<br />
distante já, pelas transformações que para bem ou<br />
para mal, os últimos anos trouxeram. Passo um pouco<br />
ao lado de “As I<strong>da</strong>des do Homem”, tema que será,<br />
seguramenle, bem tratado pelos ilustres mestres <strong>da</strong>s<br />
Ciências Humanas que todos os anos nos enriquecem<br />
com as suas brilhantes lições.<br />
Chega-se à Figueira por uma via estreita que se<br />
bifurca à entra<strong>da</strong> e a contorna em forma de laço. Ao<br />
longo desta rua envolvente dispôem-se as casas ain<strong>da</strong><br />
habita<strong>da</strong>s que, com outras mais recentes nos<br />
extremos <strong>da</strong> povoação, compôem os pouco mais de<br />
duas dezenas de moradores actuais. Mantém a traça<br />
original de estreitas e angulosas quelhas convergindo<br />
no Forno Comunitário ain<strong>da</strong> utilizado - Coração que<br />
teima em bater em corpo debilitado. Mas o miolo <strong>da</strong><br />
aldeia é um espaço em ruínas, parado no tempo, já<br />
com honras de visitas turísticas.<br />
Os balcões de pedra, envelhecidos mas solenes,<br />
que levavam ao an<strong>da</strong>r nobre <strong>da</strong> habitação dão, agora,<br />
para buracos negros que foram portas e janelas; as<br />
boas casas de outrora com anexos, arreca<strong>da</strong>ções,<br />
adega e tear, com marcas de várias gerações, “ninhos”<br />
de rancha<strong>da</strong>s de filhos, estão abandona<strong>da</strong>s ou servem<br />
de palheiro ou curral aos animais que o povo ain<strong>da</strong> vai<br />
criando. Das antigas famílias restam alguns vestígios.<br />
Os mais velhos têm vindo a desaparecer, proles<br />
inteiras emigraram... ficaram os que não sabiam ler e<br />
os remediados que, por falta de espírito de aventura,<br />
não quiseram deixar o “Ninho”, ficaram com os pais e<br />
por ali constituíram família.<br />
Um apelo interior faz-me recuar 50 anos. Como se<br />
sonhasse, repito gestos, repiso caminhos abertos por<br />
meus pais e avós onde por vezes me perdia nas<br />
deambulacões iniciáticas. Pelos atalhos <strong>da</strong> emoção<br />
deixo a memória planar até poisar nos lugares que<br />
guar<strong>da</strong>m as marcas esbati<strong>da</strong>s dos meus primeiros<br />
passos. Mergulho, assim, na seiva <strong>da</strong>s minhas raizes,<br />
naquela comuni<strong>da</strong>de exemplar que ia passando, de<br />
pais para filhos, os seus saberes empíricos, tão<br />
importantes na minha aprendizagem, especialmente