Historia da medicina - História da Medicina - UBI
Historia da medicina - História da Medicina - UBI
Historia da medicina - História da Medicina - UBI
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
chama<strong>da</strong> adolescência. A velhice é uma invenção do<br />
homem” (Almerindo Lessa, Público Magazine, 22/08/<br />
1993).<br />
Porém, a ver<strong>da</strong>de é que a seguir a um período mais<br />
ou menos longo de maturi<strong>da</strong>de, há um processo<br />
desfavorável, de per<strong>da</strong>, constatado em todos os<br />
homens, com maior ou menor relevo. Diego Diaz cita<br />
Henry de Montherland, que afirma: “Sempre se diz<br />
que a borboleta saiu de uma lagarta; no homem, é a<br />
borboleta que se converte em lagarta”.<br />
A angústia instila<strong>da</strong> por Cronos torna-se ca<strong>da</strong> vez<br />
mais pungente, porque há uma aproximação <strong>da</strong> morte<br />
- há a certeza <strong>da</strong> sombra de Átropos debruça<strong>da</strong> sobre<br />
o fio, atenta e agoirenta.<br />
Sabemos que muitos jovens e homens em plenitude<br />
de vi<strong>da</strong> são colhidos pela morte. Inespera<strong>da</strong>. Mas<br />
agora é tempo de a pressentir. Só que muitos não se<br />
entregam a esse pressentimento, afrontando-o com<br />
a alegria do próprio viver: saborear, tocar, aspirar, ver<br />
e ouvir... mesmo que tenha de se encostar o ouvido<br />
para distinguir sussurros... um murmúrio de futuro,<br />
uma ressonância de passado cheio de vozes que<br />
povoam a memória.<br />
Se há momentos de desânimo, como<br />
CILÍCIO<br />
São tristes estes dias de velhice.<br />
O sol já não aquece,<br />
Nenhum sonho apetece,<br />
Os versos desfalecem ao nascer.<br />
Mas há não sei que sádico prazer,<br />
Que infernal sedução,<br />
Numa melancolia assim desampara<strong>da</strong>.<br />
É como ter razão<br />
Numa causa perdi<strong>da</strong>, mal julga<strong>da</strong>.<br />
Miguel Torga (Coimbra, 11 de Novembro<br />
de 1982), Ant. Poét.,<br />
há também sádico prazer, infernal sedução, que é<br />
a sedução <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. É esta que faz a<br />
PRESCRIÇÃO<br />
Deixa passar as horas<br />
Sem as contar.<br />
Alheia a ca<strong>da</strong> instante,<br />
Vive, a viver a vi<strong>da</strong>, a eterni<strong>da</strong>de.<br />
Feliz é quem não sabe<br />
A própria i<strong>da</strong>de<br />
E em nenhum ano pode envelhecer.<br />
Dura encanta<strong>da</strong> na reali<strong>da</strong>de.<br />
Negar o tempo é o modo de o vencer.<br />
Miguel Torga (Coimbra, 30 de Junho<br />
de 1983), Antologia Poética<br />
Um estado de espírito se insere na mensagem do<br />
poeta e é este estado uma condição <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de<br />
de amar - uma “sobrevivência <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> intelectual a<br />
par <strong>da</strong> fragili<strong>da</strong>de somática”, como dizia Freud,<br />
seguido, na mesma ideia, por Almerindo Lessa: “a<br />
i<strong>da</strong>de cronológica (...) não tem na<strong>da</strong> a ver com a i<strong>da</strong>de<br />
biológica, ninguém tem os anos do bilhete de<br />
identi<strong>da</strong>de”. Diz-nos Florbela Espanca (Pior Velhice,<br />
Sonetos):<br />
Sou velha e triste. Nunca o alvorecer<br />
Dum riso são andou na minha boca!<br />
Gritando que me acu<strong>da</strong>m, em voz rouca,<br />
Eu, náufraga <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong>, ando a morrer!<br />
(...)<br />
E dizem que sou nova... A moci<strong>da</strong>de<br />
Estará só, então, na nossa i<strong>da</strong>de,<br />
Ou está em nós e em nosso peito mora?!<br />
Tenho a pior velhice, a que é mais triste,<br />
Aquela onde nem sequer existe<br />
Lembrança de ter sido nova... outrora...<br />
61<br />
Muitas estatísticas têm também demonstrado que<br />
os seres humanos com trabalho intelectual<br />
conseguem maior longevi<strong>da</strong>de.<br />
Este prolongamento <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> é procura contínua do<br />
homem em elixires, como deman<strong>da</strong> de Graal, em<br />
tentativas de cientistas, como Sérgio Voronoff e os<br />
seus transplantes de glândulas de macacos, de que<br />
havemos notícia de algum êxito, mas que hoje deixa<br />
a dúvi<strong>da</strong> de ser germe do pesadelo SIDA - uma carga<br />
demasiado pesa<strong>da</strong> para conseguir a juventude que a<br />
Natureza não quer preservar.<br />
Nos nossos dedos tem corrido o fio de Lâquesis, o<br />
fio anónimo dum qualquer ser humano, conferindo as<br />
medi<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s I<strong>da</strong>des. Agora a tremura do fio quase no<br />
fim... Digo tremura, porque esta fase pode<br />
apresentar-se-nos triste, com um travor de solidão e<br />
amargura, numa época que deveria ser a <strong>da</strong> sereni<strong>da</strong>de<br />
e a <strong>da</strong> paz, não a dum tempo em que se traduz a<br />
velha história dos filhos que levam o pai, o velho, para<br />
a montanha, deixando-lhe somente uma manta para<br />
se cobrir no espaço <strong>da</strong> morte. Decerto viria breve com<br />
o abandono e a solidão. Mas é esse espaço que vem<br />
até nós no correr dos dias: IDOSOS QUE NINGUÉM<br />
QUER ENTREGUES À SOLIDÃO (Jornal de Notícias,<br />
5 de Março de 1994); IDOSOS REJEITAM CENTRO<br />
DE DIA (Diário de Notícias, 9/10/94), e crónicas,<br />
alertas <strong>da</strong>queles que têm maior consciência <strong>da</strong><br />
mesma-condição-um-dia, como, por exemplo, Maria<br />
Judite de Carvalho:<br />
“ Ei-los que esperam ao sol. Esperam o quê, quem?<br />
Estão sentados, vegetais com raízes no dia de ontem,<br />
esquecidos de quem são, de quem foram - foram-no<br />
há tanto tempo! - e com frio.<br />
Desconhecem este mundo em que subsistem e que<br />
os ignora. Desconhecem palavras como gerontologia