Historia da medicina - História da Medicina - UBI
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“AS IDADES DO HOMEM: IMUNDÍCIES E CONSPURCAÇÕES”<br />
As doenças infecciosas e as epidemias têm sido<br />
motivo de especulação desde os tempos mais<br />
remotos. Poucos fenómenos naturais podem ser tão<br />
aterradores ou inexplicáveis.<br />
Nos tempos antigos, a explicação mais vulgar para<br />
as pestilências - que, em boa ver<strong>da</strong>de, o homem de<br />
hoje ain<strong>da</strong> tem uma certa relutância em abandonar -<br />
era a de que elas eram uma manifestação do<br />
desagrado dos deuses ou, segundo uma fórmula mais<br />
do nosso tempo, o castigo divino dos nossos pecados.<br />
Na Ilía<strong>da</strong> de Homero a epidemia que grassou entre as<br />
forças que cercavam Tróia foi atribuí<strong>da</strong> à ira de Apolo<br />
contra Agamémnon. Mais recentemente em 1832 e<br />
aquando de uma epidemia de cólera na Irlan<strong>da</strong>, Samuel<br />
Hopkins A<strong>da</strong>ms relata-nos que a opinião, durante<br />
algum tempo aceite, era a de que a cólera atacava os<br />
pecadores e os inúteis e todos aqueles que tinham<br />
feito mau uso <strong>da</strong>s suas vi<strong>da</strong>s.<br />
Preparando esta comunicação, e ao pensar naquilo<br />
que seria comum a algumas doenças infecciosas,<br />
concluí que é efectivamente esta vertente<br />
culpabitizante e pecaminosa: a Si<strong>da</strong> é (foi) claramente<br />
relaciona<strong>da</strong> com comportamentos de risco,<br />
nomea<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> área <strong>da</strong> sexuali<strong>da</strong>de. O mesmo<br />
se passa com as Hepatites...<br />
“Os flúidos sexuais são perigosos e potencialmente<br />
contaminantes”...<br />
A tuberculose sempre esteve associa<strong>da</strong> no<br />
imaginário <strong>da</strong>s pessoas, ao desregramento, à noite,<br />
ao excesso e não tenho dúvi<strong>da</strong> que a ideia<br />
prevalecente ain<strong>da</strong> hoje é a de que as pessoas “fizeram<br />
por isso e só têm o que merecem”...<br />
Em relação à Si<strong>da</strong> e até há pouco tempo, a maioria<br />
dos ci<strong>da</strong>dãos, “os bons”, via na doença a confirmação<br />
dos seus preconceitos acerca dos aspectos morais<br />
e infamantes de uma doença tão diferente de to<strong>da</strong>s<br />
as outras.<br />
«Esta doença - dizia uma senhora americana afecta<br />
homens homossexuais, drogados, haitianos e<br />
hemofílicos e, graças a Deus, ain<strong>da</strong> não se propagou<br />
aos seres humanos. Se ela atacasse to<strong>da</strong> a gente<br />
seria uma crise terrível». E acrescentou: “ É Deus<br />
que pune os homossexuais”...<br />
Um outro americano declarou esperar que os<br />
cientistas encontrassem depressa um tratamento<br />
64<br />
por Victor Saínha*<br />
eficaz, para depois acrescentar, cinicamente, “mas<br />
não demasiado depressa”...<br />
Parece que os cientistas lhe deram ouvidos... Com<br />
efeito há doenças que parecem ter acompanhado<br />
desde sempre, como uma sombra negra, a vi<strong>da</strong> sexual<br />
<strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de. Encontram-se diversas descrições<br />
bíblicas, que não deixam margem para dúvi<strong>da</strong>s quanto<br />
à existência de doenças liga<strong>da</strong>s à sexuali<strong>da</strong>de já<br />
nesses tempos remotos, aventando alguns autores a<br />
hipótese de, por exemplo, a chama<strong>da</strong> “Peste de Moab<br />
poder ter sido um surto epidémico de Sífilis ou até<br />
eventualmente de Si<strong>da</strong>. o que nos parece uma hipotese<br />
fantasista. Segundo John Gwilt, vice-presidente de<br />
uma firma farmacêutica americana, a Si<strong>da</strong> ter-se-ia<br />
propagado na época de Moisés, como o comprovaria<br />
a descrição de uma epidemia do Livro dos Números.<br />
A Bíblia menciona, com efeito, uma terrível pestilência<br />
que atingiu mortalmente vários milhares de judeus por<br />
estes terem mantido relações carnais com mulheres<br />
moabitas. O nome bíblico desta doença, maggepha,<br />
designa de maneira geral uma pestilência que mata<br />
muita gente mas é perfeitamente arbitrário identificála<br />
com a Si<strong>da</strong>.<br />
Mas já que falámos na Bíblia, iria deter-me um pouco<br />
na influência <strong>da</strong> cultura ju<strong>da</strong>ico-cristã sobre o conceito<br />
de pecado, de culpa e mesmo de imundície que ain<strong>da</strong><br />
hoje são associa<strong>da</strong>s a algumas doenças infecciosas.<br />
O Levítico, 3° livro <strong>da</strong> Bíblia, na sua parte 15 refere-se<br />
às impurezas do homem e <strong>da</strong> mulher, às impurezas<br />
dos corrimentos e dos derramamentos seminais<br />
prescrevendo rituais de purificação e sacrifício de<br />
animais em holocausto para obter a absolvição.<br />
O 2° livro de Samuel descreve o “affair” de David e<br />
Betsabé: “entretanto aconteceu que David,<br />
levantando-se <strong>da</strong> cama, pôs-se a passear pelo terraço<br />
do seu palácio, e avistou <strong>da</strong>li uma mulher que se<br />
banhava, a qual era muito formosa... Então David<br />
enviou emissários para que lha trouxessem. Ela veio<br />
e David dormiu com ela. Ora, a mulher, depois de se<br />
purificar <strong>da</strong> sua imundície, foi para sua casa”.<br />
Ter-se-á também David purificado?<br />
O livro dos Números, parte 95, descreve-nos como<br />
Israel se estabeleceu em Sitim e, como o povo se<br />
entregou ali a excessos com as filhas de Moab... Os<br />
mortos, na sequência do flagelo então aparecido,