Historia da medicina - História da Medicina - UBI
Historia da medicina - História da Medicina - UBI
Historia da medicina - História da Medicina - UBI
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
nas relações Homem/ Natureza/Bicho, no<br />
conhecimento dos efeitos dos ciclos <strong>da</strong>s estações<br />
nas lides do campo, nos tempos para sementeiras,<br />
enxertias, etc.. Com homens que não sabiam ler nos<br />
livros mas “liam” com alguma precisão, nas estrelas<br />
e no Pôr-do-Sol a previsão metereológica, os jovens<br />
aprendiam a amar a Natureza...<br />
Neste regresso imaginado às origens “entro” na<br />
aldeia, de novo, a arredon<strong>da</strong>r caminhos, a juntar as<br />
pedras e a alinhar os madeiros para levantar o pórtico<br />
e reordenar o espaço íntimo. Depois de acamar as<br />
telhas e fechar a cúpula é só atear o fogo na<br />
lareira-fumeiro e repousar em paz ao som reconfortante<br />
do crepitar <strong>da</strong> fogueira ... Mas a azáfama continua no<br />
meu espírito: regar a horta, apanhar os frutos, recolher<br />
a lenha e preparar o forno para cozer o pão. Ir ao pipo<br />
pelo vinho e, em segui<strong>da</strong>, estender a toalha, servir os<br />
manjares e partilhar o pão e o vinho - frutos retribuídos<br />
a quem com amor trabalha a terra.<br />
É bom lembrar, hoje, o prazer de chapinhar os pés<br />
na água fresca <strong>da</strong>s ‘’leva<strong>da</strong>s” <strong>da</strong> rega, o pala<strong>da</strong>r <strong>da</strong><br />
fruta colhi<strong>da</strong> <strong>da</strong> árvore e a novi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s primeiras<br />
cerejas e dos figos lampos; o sabor quente do pão a<br />
saír do forno, o reacender dos maranhos na cozedura<br />
em dias de festa e a fartura <strong>da</strong>s iguarias, em tempos<br />
de carência, na semana <strong>da</strong> “matança” ou em dias de<br />
bo<strong>da</strong>; e, enquanto se esperava pelas filhoses do Natal,<br />
vivia-se o ritual <strong>da</strong> abertura do pipo e <strong>da</strong> prova do<br />
vinho novo pelo S. Martinho, acompanhado de<br />
magustos, no aconchego <strong>da</strong>s adegas.<br />
Lembro com nostalgia os cantares na lavra <strong>da</strong>s<br />
sementeiras, nas desfolha<strong>da</strong>s, na apanha <strong>da</strong><br />
azeitona, com os ranchos a competirem alegremente;<br />
os bailaricos ao som do harmónio e <strong>da</strong> gaita de beiços<br />
e os namoricos furtivos a ca<strong>da</strong> esquina; a curiosi<strong>da</strong>de<br />
a espreitar a cópola dos bichos e os mais atrevidos a<br />
tentar surpreender as moças no rio, nos banhos de<br />
S.João; as festas primaveris, misto de práticas<br />
religiosas ancestrais com ritos pagãos, liga<strong>da</strong>s à<br />
floração dos campos e às colheitas: rapazes e<br />
raparigas, enfeitados com cordões de flores,<br />
colocavam nas porta<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s casas ramos de oliveira,<br />
espigas e papoilas e cantavavam, de rua em rua, o<br />
“Vito-Maio” aos moços, “Vito-Maio” às cachopas, uma<br />
malguinha de castanhas, vou pedir por essas portas<br />
“Vito-Maio”, Maio, Maio ...etc...<br />
Por altura dos Reis, grupos de rapazes iam pelas<br />
aldeias vizinhas, ao compasso <strong>da</strong> concertina e de<br />
lanterna na mão, a cantar as “Janeiras” e recolher<br />
dádivas, geralmente produtos <strong>da</strong> lavra dos ofertantes<br />
para, com o produto <strong>da</strong> ven<strong>da</strong>, man<strong>da</strong>r rezar missas<br />
pelas Almas... A “semana gor<strong>da</strong>” era de festa para a<br />
garota<strong>da</strong>: uns iam pelas casas, mascarados, a pedir<br />
dinheiro e doces, a que muitos habitantes<br />
correspondiam na mira de identificar os incógnitos<br />
visitantes; outros, ao cair <strong>da</strong> noite, atiravam de<br />
surpresa e com estrondo para dentro <strong>da</strong>s casas, as<br />
68<br />
“Caqueira<strong>da</strong>s” do Carnaval, a que se seguia a fuga,<br />
pé descalço a “<strong>da</strong>r à sola”, pelas quelhas alcatifa<strong>da</strong>s<br />
de mato.<br />
Depois, na quaresma, “serrava-se a Velha”, com<br />
latas e chocalhos, à porta <strong>da</strong>s mulheres idosas <strong>da</strong><br />
terra. Umas corriam-nos à pedra<strong>da</strong> e à vassoura<strong>da</strong>;<br />
outras regalavam-nos com figos secos e castanhas,<br />
com votos de que voltássemos no ano seguinte.<br />
A noite de S. João era de festa, até altas horas, em<br />
volta <strong>da</strong> fogueira, no monte em frente à aldeia. A seguir<br />
à quaresma começávamos a juntar grandes<br />
quanti<strong>da</strong>des de lenha e pinheiros desbastados nas<br />
redondezas. Os maiores, arrastados por juntas de bois,<br />
eram fixados em círculo, nos buracos abertos no chão,<br />
para sustentar o recheio formando, assim, um cilindro<br />
compacto de lenha ressequi<strong>da</strong>. Ao atear-se o fogo,<br />
as labare<strong>da</strong>s pareciam atingir o céu e obrigavam to<strong>da</strong><br />
a gente a recuar com exclamações, numa mistura de<br />
alegria e de temor!<br />
Um dos períodos mais marcantes <strong>da</strong> minha infância<br />
foi o tempo <strong>da</strong> escola, apesar <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des dessa<br />
época. Da Figueira para a vila, por entre pinheiros e<br />
hortas, os alunos <strong>da</strong> primária - dezenas, nessa altura<br />
e apenas uma menina, se não erro, este ano -<br />
animavam os caminhos jogando ao eixo, à bilhar<strong>da</strong>, à<br />
malha e à bola. Quando disponível esperava-nos à<br />
saí<strong>da</strong> o bonacheirão do Padre António, já idoso, que<br />
não perdia ocasião de se misturar com as crianças.<br />
De regresso a casa orientava as nossa brincadeiras<br />
e inventava jogos para nos e se entreter. Todos os<br />
anos comprava piões aos rapazes, pequenas<br />
lembranças às meninas e rebuçados a todos. Ain<strong>da</strong><br />
existe na Figueira, na casa <strong>da</strong> sua família, a pequena<br />
capela onde celebrava missa aos Domingos e, nos<br />
intervalos <strong>da</strong>s leituras, nos ensinava a Doutrina.<br />
O Padre António Laia era um homem bom que, longe<br />
dos olhares <strong>da</strong> família, aju<strong>da</strong>va os mais pobres e não<br />
cobrava dinheiro pelas missas que celebrava. Aqui fica<br />
a minha homenagem.<br />
Dos tempos <strong>da</strong> Primária lembro as an<strong>da</strong>nças pelos<br />
campos à procura de ninhos e a armar abuises aos<br />
tordos e às rolas e as manhãs pelas hortas a montar<br />
armadilhas aos taralhões ... mas o que não posso<br />
deixar de evocar é a “Festa do Galo” pelo Carnaval<br />
que, como outras práticas <strong>da</strong> nossa cultura popular<br />
se perdeu, por estas paragens.<br />
Organiza<strong>da</strong> pelos alunos com aju<strong>da</strong> dos pais,<br />
consistia na angariação de fundos para comprar os<br />
galos a oferecer aos mestres. Em ca<strong>da</strong> classe, um<br />
grupo de trabalho esmerava-se a enfeitar a preceito<br />
os andores com bandeiras, flores e serpentinas e,<br />
um pouco em segredo, adquirir os galos mais vistosos.<br />
No dia <strong>da</strong> festa os andores engalanados, carregados<br />
pelos alunos e seguidos pelo séquito, desfilavam à<br />
volta <strong>da</strong> escola com vivas aos professores. Percorriam<br />
as ruas <strong>da</strong> vila cantando quadras alusivas ao evento,<br />
recebiam uma chuva de confeitos <strong>da</strong>s janelas e faziam