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Videoclipe: o elogio da desarmonia - Thiago soares 67<br />
Migrando de um esfera mais conflituosa para outra<br />
essencialmente alegórica, partiremos para a manipula-<br />
ção e articulação do conceito bakhtiniano de “carnaval”<br />
ao universo videoclíptico. Bakhtin esboçou suas primeiras<br />
idéias sobre o termo “carnaval” em Problemas da Poética<br />
de Dostoiévski, sendo em Rabelais e Seu Mundo,<br />
que a noção ganhou nuances mais claras e definidas. Para<br />
o pensador russo, o carnaval pode ser definido como a<br />
transposição para a arte do espírito festivo popular, oferecendo<br />
ao povo um ingresso numa esfera simbólica de<br />
liberdade utópica. o termo foi criado como forma de estabelecer<br />
parâmetros de reflexão sobre obras de escritores<br />
como rabelais, Shakespeare, Cervantes e Diderot,<br />
propondo associações entre a cultura popular e o suposto<br />
“imaginário utópico” existente nas obras de alguns autores.<br />
o carnaval, portanto, expressaria esta “vida imaginária”<br />
do povo (uma “segunda vida”, como nomeia robert<br />
Stam), destruindo, ao menos num campo simbólico, as<br />
hierarquias opressivas, redistribuindo os papéis segundo<br />
uma lógica utópica. Trata-se da criação de jogos lúdicos e<br />
críticos com os discursos oficiais.<br />
É possível derivarmos e encontrarmos relações entre<br />
o termo bakhtiniano e sua ressonância nas manifestações<br />
do carnaval brasileiro, festividade que cristaliza o<br />
dinamismo de culturas profundamente polifônicas. Para<br />
o antropólogo roberto da Matta, por exemplo, no carnaval<br />
do Brasil há uma celebração coletiva entre o sagrado<br />
e o profano, onde indivíduos socialmente marginalizados<br />
(pobres, negros, homossexuais) assumem o centro simbólico<br />
da vida em sociedade. assim, durante alguns dias,<br />
o carnaval adentra a uma seara de permissividade social,<br />
promovendo um impulso libertário de seu sistema simbólico,<br />
subvertendo a hierarquia e criando um cenário de<br />
aparente liberdade utópica. Voltando ao termo bakhtiniano,<br />
temos que ressaltar ainda outros tópicos relacionados<br />
ao “carnaval” de Bakhtin: a valorização do eros e da força<br />
vital e a idéia de subversão social e perspectiva contra-<br />
-hegemônica do poder estabelecido.<br />
Tentaremos apreender outras formas de dizer o conceito:<br />
o carnaval bakhtiniano seria uma espécie de cultura<br />
oposicionista do oprimido, o mundo oficial visto “de cabeça<br />
para baixo” ou a declaração do fim (ao menos por alguns<br />
dias) das estruturas sociais opressivas. a efemeridade no<br />
carnaval, segundo Bakhtin, vai fornecer subsídios a que<br />
pensemos o “evento” enquanto um “tempo entre parênteses”<br />
ou um espaço localizado de trocas simbólicas. É<br />
neste “tempo entre parênteses” que o favelado vira rei na<br />
avenida Marquês de Sapucaí, a mulata é ressaltada nos<br />
bailes de carnaval e o travesti atinge a sua glória efêmera.<br />
o “tempo entre parênteses” permite que percebamos<br />
que o carnaval não se transforma numa revolução, mas<br />
que movimentos oposicionistas e revolucionários, em sua<br />
grande maioria, podem adquirir aspectos carnavalescos.<br />
Para chegarmos à relação que pode ser construída<br />
entre o termo bakhtiniano de carnaval e o videoclipe, precisamos,<br />
antes, pensar como o conceito pode ser articula-<br />
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