Territórios pensados e territórios vividos:apropriação do espaço e práticas de renovaçãourbana na área central de Belém *Saint-Clair Cordeiro <strong>da</strong> Trin<strong>da</strong>de JúniorNa atual tendência de políticas urbanas pauta<strong>da</strong>s no princípio de“recriar a ci<strong>da</strong>de sobre a ci<strong>da</strong>de”, novas funções, ativi<strong>da</strong>des e usos têmsido inseridos nas áreas centrais como parte <strong>da</strong>s estratégias de revitalizaçãode espaços tidos como obsoletos, pouco atrativos e decadentes. Associa<strong>da</strong>sem geral a um processo de deterioração, as áreas centrais costumam serconsidera<strong>da</strong>s espaços estratégicos para as políticas urbanas de renovação,sendo esta uma tendência mais recente no Brasil do que em outrospaises latino-americanos e europeus.No México, por exemplo, há mais de vinte anos multiplicam-se asrecuperações de monumentos com objetivos culturais e turísticos; na Europa,a restauração de residências, ruas e monumentos já ocorre há bastantetempo, inclusive com introdução de estudos de revitalização urbana comoparte dos programas de cursos acadêmicos (RIVIÈRE D’ARC, 2004a).Tais políticas pressupõem um conjunto de ações considera<strong>da</strong>s eficientespara a atrativi<strong>da</strong>de de novos usos e funções em espaços historicamentecaracterizados pela centrali<strong>da</strong>de. As matrizes dessas políticas considerama redensificação <strong>da</strong>s áreas centrais como um princípio para a reabilitação doespaço, levando os governos locais a apostarem em ações incentivadoras<strong>da</strong> forma urbana compacta em contraponto à forma urbana dispersa, postoser aquela considera<strong>da</strong> mais adequa<strong>da</strong> às propostas de desenvolvimentosustentável que definem novas diretrizes <strong>da</strong>s políticas urbanas, como temsido comum nas ci<strong>da</strong>des européias.Há de se levar em conta, entretanto, algumas especifici<strong>da</strong>des quecaracterizam esses processos de revitalização de áreas centrais urbanas,considerando os contextos imediatos nos quais eles se inserem. Reali<strong>da</strong>descomo a brasileira podem não só reafirmar explicitamente tendências quese reproduzem em nível global, como também sugerir especifici<strong>da</strong>dessócio-geográficas que apenas supostamente levam em conta atributossócio-espaciais locais. Nessas práticas, costumam-se desenhar novasterritoriali<strong>da</strong>des, desestruturando outras cotidianamente defini<strong>da</strong>s eplenamente inseri<strong>da</strong>s na dinâmica <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.Para discutir essa questão, partiremos de uma reali<strong>da</strong>de específica, aci<strong>da</strong>de de Belém, na Amazônia brasileira, buscando compreender de quemaneira as políticas de renovação em sua área central reproduzem tendênciasgerais de requalificação urbana, definindo novas territoriali<strong>da</strong>des. O ponto departi<strong>da</strong> <strong>da</strong> argumentação considera as noções de território e de territoriali<strong>da</strong>decomo elementos centrais para a compreensão <strong>da</strong> problemática de estudo,seguindo-se a caracterização <strong>da</strong> área central <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e de seus territóriosvividos, para, finalmente, cotejá-los com as propostas dos espaços concebidose as novas territoriali<strong>da</strong>des sugeri<strong>da</strong>s nas práticas de revitalização.O território: sua importância face às ações de requalificação urbanaEstritamente relaciona<strong>da</strong> à apropriação do espaço, a noção de territórioconforme propõe Rafestin (1993) é constituí<strong>da</strong> de relações mediatiza<strong>da</strong>s,simétricas ou dissimétricas face a uma <strong>da</strong><strong>da</strong> exteriori<strong>da</strong>de. Inclui, portanto,elementos como identi<strong>da</strong>de, exclusivi<strong>da</strong>de e também limite. A rigor, oterritório pressupõe a correlação de forças entre agentes diferenciados, noqual o espaço exerce uma mediação. Nesse caso, uma tríade deve ser*O presente trabalho foi realizado com o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), uma enti<strong>da</strong>de do governo brasileiro volta<strong>da</strong> ao desenvolvimentocientífico e tecnológico.66 ~ ~ 6.2 | 2007
Dossiê Debateconsidera<strong>da</strong>, conforme indica Rafestin (1993): agente-espaço-agente. Asimples relação agente-espaço, caso pudéssemos abstrair uma relação isola<strong>da</strong>desse tipo, não define a priori uma territoriali<strong>da</strong>de, mas simplesmenteuma espaciali<strong>da</strong>de, ou seja, a dimensão espacial <strong>da</strong>s relações sociais.Mais que espaços de per se, que são, na ver<strong>da</strong>de, substratos materiaisde territoriali<strong>da</strong>des, os territórios, projetam, antes, relações de poder noespaço, configurando-se como espaços definidos e delimitados por taisrelações. Dito de outra maneira, tratam-se de relações de poder espacialmentedelimita<strong>da</strong>s que operam sobre um substrato referencial de base geográfica(SOUZA, 1995). É nessa mesma linha de raciocínio que Guattari distinguetambém espaço de território:Os territórios estariam ligados a uma ordem de subjetivação individual e coletivae o espaço estando ligado mais às relações funcionais de to<strong>da</strong> espécie. O espaçofunciona como uma referência extrínseca em relação aos objetos que ele contém.Ao passo que o território funciona em uma relação intrínseca com a subjetivi<strong>da</strong>deque o delimita (GUATTARI, 1985, p. 110).Para Rafestin (1977), a linguagem subjacente na interpretação dosterritórios e <strong>da</strong>s territoriali<strong>da</strong>des não é simplesmente uma linguagem deformas e de funções, mas essencialmente de relações. Isto porque ela éintrínseca ao espaço socialmente produzido, como uma maneira degarantir a existência e mesmo a reprodução de relações sociais. Assimsendo, o espaço, enquanto meio e condição de reprodução de relaçõessociais, ganha expressão na existência de territórios e na configuraçãode territoriali<strong>da</strong>des.É importante, entretanto, conforme nos propõe Haesbaert (1995),estender a noção de território e de territoriali<strong>da</strong>de para além <strong>da</strong> idéia decontrole e de domínio politicamente estruturado, considerando aapropriação do espaço a partir de sua dimensão simbólica, identitária eafetiva, conforme enfatizam também Guattari e Ronilk:Os seres existentes se organizam segundo territórios que os delimitam e osarticulam aos outros existentes e aos fluxos cósmicos. O território pode serrelativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no seio doqual um sujeito se sente “em casa”. O território é sinônimo de apropriação,de subjetivação fecha<strong>da</strong> sobre si mesma. Ele é o conjunto dos projetos e <strong>da</strong>srepresentações nos quais vai desembocar, pragmaticamente, to<strong>da</strong> uma sériede comportamentos, de investimentos, nos tempos e nos espaços sociais,culturais, estéticos, cognitivos (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 323).A idéia de territorialização, por conseguinte, pressupõe uma dimensãosimbólico-cultural e outra de caráter político-disciplinar. A primeira dizrespeito a uma identi<strong>da</strong>de territorial atribuí<strong>da</strong> pelos grupos sociais comoforma de “controle simbólico” sobre o espaço onde vivem, sendo, igualmente,uma forma de apropriação; enquanto a segun<strong>da</strong> é uma dimensão maisconcreta e que tem a ver com a definição de limites ou fronteiras visandoà disciplinarização dos indivíduos e ao uso/controle dos recursos existentes(HAESBAERT, 1995).Na ci<strong>da</strong>de podemos falar de territoriali<strong>da</strong>des diversas, assim como deprocessos de desterritorialização e reterritorialização 1 , tendo em vista aimportância dos agentes na produção de localizações e na apropriação~ 6.2 | 2007~ 67
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