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Dossiê Debateuma imagem que, como visto, obedece também à lógica simulatória doespantalho: signo de uma falta, de uma carência. O escritor realiza, aocompor com espantalhos e compor seus espantalhos, um tipo de experimentoque pode ser colocado entre aqueles considerados por Giorgio Agambensegundo “paradigma(s) de la experiência literaria”, já que não concernentes“a la ver<strong>da</strong>d o a la false<strong>da</strong>d de uma hipótesis, a la verificación o a lafalsación”, mas que questionam “el ser mismo, antes o más allá de suver<strong>da</strong>d o false<strong>da</strong>d.” Trata-se, enfim, nas palavras de Agamben, “deexperimentos sin ver<strong>da</strong>d, porque en ellos no se trata de la ver<strong>da</strong>d.” 28Com sua intervenção, Euclides <strong>da</strong> Cunha coloca em jogo “la experiênciadel poder ser algo ver<strong>da</strong>d y al mismo tiempo no ver<strong>da</strong>d”. No caso nãoimporta o ser ou o não-ser de algo em ação, mas, sobretudo, “su ser enpotencia”. 29 Estamos diante, portanto, de um experimento e de umconhecimento contingentes, algo próprio <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de humana e que nãose circunscreve aos cálculos e limites previsíveis <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de. A exemplode Herman Melville, com a personagem do escrevente Bartleby, o escritorreclama o passado não com algum intuito redentor, mas para devolver-lhea potência que lhe é arranca<strong>da</strong> quando converti<strong>da</strong> em ato. A figura doespantalho, tal como usa<strong>da</strong> por Euclides, ao mesmo tempo traz tambémem si, ou desperta, uma forma sutil de memória, uma memória do quepoderia ter sido, mas não foi, ou, nos termos de Agamben, como“recuerdo de lo que no há sucedido” 30 e que, desta maneira, resta salvo.Se a natureza produz seus espantalhos, se os jagunços constroem osdeles, nos dois casos a partir <strong>da</strong> morte, os de Euclides <strong>da</strong> Cunha possibilitamrevolver o passado, que se tornara um cadáver atormentador, e agitá-lodiante dos olhos de seus leitores. Denuncia, com isso, a estratégia pelaqual o temor paralisante acabava servindo como indutor, como chamamentopara que ações fossem toma<strong>da</strong>s com e contra aqueles submetidos aodomínio do medo, aqueles sintomaticamente culpados por uma falta nãocometi<strong>da</strong>, por um hiato desconhecido.Os espantalhos do escritor produzem ain<strong>da</strong> um outro efeito, umefeito contrário ao que lhes é usual: eles tornam inoperante aquele espantoprodutivo, no mínimo, desestabilizam-no, ao revelarem que tal produçãoculmina em catástrofe e preservação <strong>da</strong> ignorância, tanto mais nefasta àmedi<strong>da</strong> que ignorante de sua própria natureza. Com seus espantalhos, ele,de modo concomitante, desvela e desmonta o princípio básico, tradicional,que justificava a criação e manutenção de figuras como tais ? o temorprojetado desde o passado impondo uma mesma lógica de reação. Comos seus espantalhos, além disso, revela ter aprendido, com os jagunços,entre outras coisas, a reconsiderar e refuncionalizar espantalhos forjadospelo poder e pelo saber. Em Canudos, afinal, os terríveis monstros de açohaviam sido convertidos em simples bigorna. 31Menos que destruir, Euclides <strong>da</strong> Cunha compreende que há que desmontaros espantalhos, usá-los de maneira crítica, criativa e não-convencionalpara, com eles, assim, e a partir deles, desvincular a potência de um atoque apenas reitera, procurando dissimulá-la, uma prática já (re)conheci<strong>da</strong>,catastrófica. O espantalho: aquilo que deve ser virado do avesso, que deveter exposto seu vazio interior, sob o risco de não se verem descobertasaquelas ver<strong>da</strong>des que esconde em sua imagem funesta, as ver<strong>da</strong>des desuas faltas e de suas falhas, <strong>da</strong>s fraquezas e crendices <strong>da</strong>queles mesmosque o criaram e que, detrás dele, se protegem, sua máscara.Mas aqueles canhões tornados forjas eram menos potentes que oWhitworth de 32’’. Para este o exército reservou lugar especial. Às portas<strong>da</strong> velha Canudos, hoje inun<strong>da</strong><strong>da</strong> pelas águas de um açude, na praça deMonte Santo, o monstro foi anos mais tarde eternizado, a matadeira,como monumento, o espantalho. 32NOTAS:1Para ficar com apenas alguns: em 1898 saem Os jagunços, romance de AfonsoArinos, Última expedição a Canudos, do tenente-coronel Dantas Barreto, A quartaexpedição a Canudos, do major Antônio Constantino Néri, e Guerra de Canudos, deJúlio Procópio Favila Nunes; em 1899, Descrição de uma viagem a Canudos, de AlvimMartins Horcades, e O rei dos jagunços, de Manuel Benício; em 1900, Tragédia épica,poema de Francisco Mangabeira.2O Diário e os telegramas foram reunidos e publicados, tanto na Obra completa deEuclides <strong>da</strong> Cunha, vol. II, RJ: Nova Aguilar, 1995, sob o título Canudos (Diário deuma expedição), como em edições avulsas, a exemplo <strong>da</strong>quela organiza<strong>da</strong> porWalnice Nogueira Galvão, Diário de uma expedição, SP: Cia <strong>da</strong>s Letras, 2000.Euclides <strong>da</strong> Cunha serve-se <strong>da</strong> imagem <strong>da</strong> serpente para caracterizar tanto osmovimentos dos sol<strong>da</strong>dos do exército como os dos jagunços, isso tanto em Ossertões como no Diário.3“Decidi<strong>da</strong>mente”, escreve ele, “era indispensável que a campanha de Canudostivesse um objetivo superior à função estúpi<strong>da</strong> e bem pouco gloriosa de destruirum povoado dos sertões. Havia um inimigo mais sério a combater, em guerra mais~ 6.2 | 2007~ 97

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