Territórios pensados e territórios vividos: apropriação do espaço e práticas de renovação urbana na área central de Belém<strong>da</strong>s mesmas. Buscaremos aqui mencionar aquelas associa<strong>da</strong>s às políticasde requalificação urbana em áreas centrais e suas relações com espaçosvividos e concebidos (LEFEBVRE, 1974).Nesse tipo de política volta<strong>da</strong> para o ordenamento urbano, no qual acultura passa a ser central, conforme no mostra Arantes (2000), há umaestreita relação entre as ações de renovação e os territórios. Destacam-seaqueles de forte vivência cultural, pré-existentes às práticas de renovação,aos quais podemos denominar de “territórios culturais”, como os denominamVaz e Jacques (2006). Muitas vezes, tais territórios tendem a se esvaziar,<strong>da</strong><strong>da</strong> à força de renovação defini<strong>da</strong> pela implantação de equipamentosculturais, de espaços de lazer e de diversão e às melhorias dos espaçospúblicos circun<strong>da</strong>ntes.Mais que espaços vazios, entretanto, tratam-se de usos, funções eterritórios demarcados nota<strong>da</strong>mente por relações cotidianas nem sempreconsidera<strong>da</strong>s estetica e funcionalmente desejáveis, seja por parte dedeterminados agentes de mercado produtores do espaço urbano, seja porparte de um imaginário coletivo induzido pela publici<strong>da</strong>de governamental,que tende a ganhar força quando se pensa a ci<strong>da</strong>de como espaço estratégicode investimentos e de atrativos turísticos.Chamaremos aqui de territórios pensados ou concebidos aqueles saídosdos projetos de reabilitação urbana; e de territórios vividos aqueles préexistentese que se mostram estreitamente associados à vi<strong>da</strong> cotidiana deagentes que efetivamente dão sentido ao uso do espaço como lugar de(sobre)vivência.Os territórios vividos na área central de BelémNasci<strong>da</strong> <strong>da</strong>s águas, Belém parece não ter perdido completamente essevínculo aquático que lhe confere um sentido híbrido. Banha<strong>da</strong> pela baíade Guajará e pelo rio Guamá, sua fun<strong>da</strong>ção pelos portugueses em 1616 foiuma forma de consoli<strong>da</strong>r a conquista do território amazônico às proximi<strong>da</strong>des<strong>da</strong> embocadura do grande rio Amazonas. E com esse papel a ci<strong>da</strong>decresceu, formando uma grande hinterlândia no interior <strong>da</strong> região, ain<strong>da</strong> emgrande parte conecta<strong>da</strong> pelos rios, que reforçou sua relação com as águas.A paisagem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e, especialmente, de sua área central denunciamde imediato esse forte vínculo com a floresta, com os rios, com a Amazôniaribeirinha. Traduzem-se, por exemplo, em espaços de feiras, trapiches eportos, que ganham vi<strong>da</strong> por meio de formas, aromas, cores e movimentos,cujo dinamismo é <strong>da</strong>do por barcos, mercadorias e pessoas, as maisdiversas e <strong>da</strong>s mais varia<strong>da</strong>s origens.Dessa ci<strong>da</strong>de ribeirinha, que também se faz presente na sua áreacentral, destacam-se os embarcadouros, que articulam a ci<strong>da</strong>de com asilhas e os municípios e ci<strong>da</strong>des próximas e distantes – Acará, Ponta dePedras, Cametá, Limoeiro do Ajuru, Santarém, Alenquer, Manaus, dentreoutras –, as feiras – a exemplo do Ver-o-Peso e <strong>da</strong> Feira do Açaí –- e osdiversos trapiches e portos, que interligam ruelas <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de antiga, <strong>da</strong>Ci<strong>da</strong>de Velha, às águas barrentas do rio Guamá e <strong>da</strong> baía do Guajará, comoo dinâmico Porto do Arapari e o antigo Porto do Sal, onde as práticassócio-espaciais <strong>da</strong> grande ci<strong>da</strong>de se confundem com outras <strong>da</strong>s pequenasci<strong>da</strong>des, ou do interior rural e ribeirinho <strong>da</strong> própria região:A ocupação <strong>da</strong> orla, onde se localiza o Porto do Sal, é marca<strong>da</strong> pela presença detrapiches que atendem ativi<strong>da</strong>des comerciais volta<strong>da</strong>s, especialmente, para aspopulações ribeirinhas, oriun<strong>da</strong>s de ilhas e ci<strong>da</strong>des próximas (Marajó e BaixoTocantins). No trecho compreendido pelas ruas Siqueira Mendes, Dr. Assis e S.Boaventura, dá-se a comercialização, principalmente, de ferragens e materiais deconstrução por atacado. O panorama ambiental <strong>da</strong> área é de grande precarie<strong>da</strong>de,refletindo o gra<strong>da</strong>tivo processo de deterioração já mencionado (BELÈM, 1998, p. 23).Sobre esses lugares <strong>da</strong> área central, uma descrição interessante é feita porMalheiro et alii em estudo que destaca os espaços vividos <strong>da</strong> orla de Belém:Esses lugares <strong>da</strong> orla se (re)produzem a partir de processos de exclusão, a partirde um contato entre circuitos <strong>da</strong> economia urbana inseridos em uma dinâmicadesigual de acumulação, de... uma dinâmica de relações econômicas que têm orio como espelho do movimento de troca, como meio de sobrevivência e... que sereproduz pela acumulação e reprodução <strong>da</strong> desigual<strong>da</strong>de. Um espaço importantede ser considerado quando falamos <strong>da</strong> articulação contraditória entre essas duasdinâmicas é o Porto do Sal. Esse espaço possui uma geografia histórica que, orademonstra momentos em que o rio dita o movimento, colocando-se comocentrali<strong>da</strong>de para o desenrolar <strong>da</strong>s relações, ora momentos em que a metrópoleparece mostrar sua face mais dura: a concentração <strong>da</strong> pobreza. Não queremosaqui mostrar processos que excluem um ao outro, pelo contrário, o objetivo émostrar de que maneira esses tempos, movimentos, ritmos, valores, se entrecruzamno processo de produção de uma ci<strong>da</strong>de à margem (MALHEIRO, 2007, pp. 11-12).68 ~ ~ 6.2 | 2007
Dossiê DebateConforme observam os mesmos autores, essas ligações entreativi<strong>da</strong>des mais modernas <strong>da</strong> economia urbana e ativi<strong>da</strong>des alternativasde pequena escala podem ser visualiza<strong>da</strong>s em vários lugares, como nafeira do Açaí, também situa<strong>da</strong> na área central:Barcos chegam de municípios <strong>da</strong> Ilha do Marajó, <strong>da</strong> região <strong>da</strong>s Ilhas de Belém,de Barcarena, Abaetetuba,Bujaru e de diversas outras locali<strong>da</strong>des carregados de Açaí (no caso <strong>da</strong> Feira doAçaí esse movimento se desenrola durante a madruga<strong>da</strong>...) e desembarcamnesses espaços. A dinâmica desse pequeno fruto amazônico... inclui uma sériede agentes do circuito inferior <strong>da</strong> economia urbana que, em alguns momentos,relacionam-se com agentes de um circuito mais moderno. Não é difícil encontrarnas adjacências desses lugares, contrastando com um movimento dos barcos,um movimento de caminhões de grandes redes de supermercados que, assumindoa condição de marreteiros, negociam o açaí com atravessadores ou, até mesmo,direto com produtores; compram vários paneiros e, já na condição de Maquineiros,vendem o vinho do açaí nos supermercados. Vale lembrar que essas grandesredes já possuem atravessadores e produtores específicos com quem negociamcotidianamente (MALHEIRO et alii, 2007, p. 11).Mercado de ferro (onde funciona uma feira de peixe) a geografia histórica <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de. O próprio nome do lugar que, por sua vez, foi a<strong>da</strong>ptado na linguagemcoloquial do caboclo, remonta-nos ao período colonial. Não existia o Ver-o-Peso,apenas o “Haver do Peso” criado em 1682... Esse espaço, nesse sentido, coloca-secomo espelho <strong>da</strong> memória <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, um local de feira, onde se vende desdealimentação e vestuário a ervas medicinais e artesanato, um lugar de práticasculturais, de encontros, de sabores e saberes, um espaço que persiste e resistecomo síntese de várias “amazônias”. Nos tabuleiros místicos, no suor dostrabalhadores, na doca, cria<strong>da</strong> no século XIX, onde aportam os barcos peixeiros,no grito dos feirantes, no silêncio <strong>da</strong> madruga<strong>da</strong> que anuncia mais um dia detrabalho. Em todos esses aspectos o encontro entre o rio e a ci<strong>da</strong>de se tornamais intenso (MALHEIRO et alii, p. 13).Para além dessa ci<strong>da</strong>de ribeirinha, rica e cheia de vi<strong>da</strong>, a área centralde Belém também se destaca pelas moradias de classe média baixa e pelocomércio popular, que, num processo de substituição do que era o antigoespaço de consumo <strong>da</strong>s classes médias e altas <strong>da</strong> época <strong>da</strong> borracha,tornou-se a referência de espaço popular para o consumo <strong>da</strong>s classes debaixa ren<strong>da</strong>:De todos esses espaços, um ganha notorie<strong>da</strong>de na área central, pelasvivências que circunscrevem fortes territoriali<strong>da</strong>des culturais:Estamos falando do Ver-o-Peso, um mundo de relações, repleto de cores, sons,gestos, encantamentos, cheiros e odores, onde a ci<strong>da</strong>de se encontra refleti<strong>da</strong>no rio. Um espaço que se torna um patrimônio não apenas restrito a formas,mas principalmente a conteúdos, às relações que ali se processam cotidianamentee que sintetizam vários mundos que se encontram para formar um espaço vivono centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que, também, experimenta relações que vão para além <strong>da</strong>troca de mercadorias, relações orgânicas, relações metropolitanas, mas de umametrópole diferente <strong>da</strong> que se projeta aos fugidios olhares urbanos que conseguemenxergar apenas o perigo, a insegurança, a “desorganização”, o caos, observandoesse espaço como se ele estivesse distante. A metrópole que ali se produz nãoapenas contempla o rio, usa-o.São múltiplos tempos acumulados no espaço contando a partir do traçado <strong>da</strong>sbarracas <strong>da</strong>s feiras, <strong>da</strong> arquitetura do Solar <strong>da</strong> Beira (onde funcionava a antigafiscalização municipal e, atualmente, é usado como espaço cultural) ou doA Ci<strong>da</strong>de Velha ain<strong>da</strong> conserva uma característica intensa de uso residencial(domicílios unifamiliares), abrigando em maioria uma população de ren<strong>da</strong>média baixa. A conservação do casario exige investimentos que não condizemcom o nível de ren<strong>da</strong> <strong>da</strong> população habitante, impossibilitando que as famíliaspromovam investimentos na própria moradia, originando um grande númerode residências em precárias condições de conservação (...) O comércio (áreadelimita<strong>da</strong> pelas aveni<strong>da</strong>s Almirante Taman<strong>da</strong>ré, Portugal e Castilho França)pode ser caracterizado, como revela o próprio nome, pelas ativi<strong>da</strong>des comerciais.Tendo pouco uso residencial, é um setor rico em número de edificações, <strong>da</strong>squais muitas ociosas. Na área do Ver-o-Peso (Castilho França e transversais)ocorre uma intensificação do setor terciário. A Campina apresenta-se com usopredominantemente residencial/serviços, sendo ocupa<strong>da</strong> por uma populaçãosemelhante à <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de Velha (BELÉM, 1998, p. 23).A presença dos ambulantes, como nas demais áreas centrais de ci<strong>da</strong>desbrasileiras, ocorre de forma marcante, com cerca de 2000 vendedoresca<strong>da</strong>strados pela Secretaria de Economia <strong>da</strong> Prefeitura Municipal de~ 6.2 | 2007~ 69
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