A itinerância dos artistas: a constituição do campo <strong>da</strong>s artes nas ci<strong>da</strong>des-capitais do Brasilde arquitetos que – informados e imbuídos dos princípios funcionalistas eracionalistas do modernismo – tinham em Le Corbusier uma referência. 11Desde os anos 1930, abriu-se o debate entre os adeptos do estilo neocloniale os que defendiam o mais puro internacionalismo, o funcionalismo, opurismo e a limpeza como valores estéticos.O modernismo carioca – muito mais tímido e desorganizado do queo paulista – caracterizou-se por não possuir bandeira nem manifesto, pordesenvolver-se de forma um tanto anárquica, tendo na irreverência e nohumor <strong>da</strong>s marchinhas de carnaval, <strong>da</strong>s ilustrações e charges sua armamais afia<strong>da</strong>. As primeiras déca<strong>da</strong>s do século XX não são chama<strong>da</strong>s poracaso de belle époque do Rio de Janeiro.As transformações urbanas embelezadoras acarretavam mu<strong>da</strong>nças dehábitos e práticas, substituíam os telhados de beirais generosos por platiban<strong>da</strong>se traziam as novi<strong>da</strong>des <strong>da</strong> arquitetura floral e, posteriormente, do art-déco,que se implantou de forma sóli<strong>da</strong> e original, alterando profun<strong>da</strong>mente avisuali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.Com o Salão de Arte Moderna de 1931, organizado por Lúcio Costa, e apolêmica que gerou, o campo <strong>da</strong>s artes plásticas iria se consoli<strong>da</strong>rdefinitivamente como moderno no Rio de Janeiro. O advento do Estado Novo,em 1937, não podia deixar de ter conseqüências para a organização docampo <strong>da</strong>s artes. Em torno de um ministro esclarecido – Gustavo Capanema– constituiu-se um grupo de intelectuais que conseguiu, mediados por CarlosDrumond de Andrade, criar instituições e promover uma política culturaleficaz e afina<strong>da</strong> com seu próprio tempo.A presença de escritores e artistas vindos de várias partes do Brasil –Manuel Bandeira, o próprio Drummond, Rodrigo Mello Franco, Murilo Mendes,Ismael Neri, Pedro Nava, Sérgio Buarque – assim como do estrangeiro –Lasar Segall, Vieira <strong>da</strong> Silva, Arpad Szenes – evidencia a existência de umavanguar<strong>da</strong>, a heterogenei<strong>da</strong>de e o cosmopolitismo na composição do campointelectual carioca nos anos 1930 e 1940, que incluiu numerosos artistasestrangeiros, principalmente judeus. Digno de nota é o poder do grupoconservador e católico – Alceu Amoroso Lima, Otávio de Faria, Tristão deAthaíde – fortemente atuante nessas déca<strong>da</strong>s.Os anos que antecederam à transferência <strong>da</strong> capital para Brasília – tambémchamados “anos dourados” – representaram um auge para o Rio tantoem termos de embelezamento – a construção do aterro do Flamengo, aocupação definitiva <strong>da</strong> zona sul – quanto em termos de um “saber-viver” queincorporou-se à imagem <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. O Rio de Janeiro idílico aparece comperfeição na cinematografia <strong>da</strong> época , as comédias <strong>da</strong> Atlânti<strong>da</strong>, queexploravam enredos simples e banais, alternando grandes toma<strong>da</strong>s de paisagens<strong>da</strong>s praias e <strong>da</strong>s montanhas com seqüências de bailes de carnaval. Essasimagens do Rio como uma ci<strong>da</strong>de lin<strong>da</strong>, alegre e diverti<strong>da</strong> vão cedendo lugaràs representações <strong>da</strong> violência que já se prenunciavam na literatura – A coleirado cão de Rubem Fonseca é de 1965 – e nas artes plásticas com o advento<strong>da</strong> “Nova figuração”e <strong>da</strong>s tendências conceituais, intervenções, performancesque se encontraram na contramão <strong>da</strong> arte hegemônica e <strong>da</strong> política entãodomina<strong>da</strong> pelos militares. Nessa déca<strong>da</strong>, Ferreira Gullar e Mário Pedrosa,críticos de arte que escreviam em jornais cariocas, tiveram grandeimportância no encaminhamento dos debates que marcaram a época, comoo que envolvia o abandono <strong>da</strong> figuração ou o que dividiu concretos eneoconcretos no final dos anos 1950, ou ain<strong>da</strong> a radicalização dos jovensartistas conceituais dos anos 1960.Nos anos 1950, no bojo de um movimento de urbanização eindustrialização, uma nova vanguar<strong>da</strong> emerge, trazendo propostas estéticasuniversalizantes, praticando uma arte abstrata ou concreta, que contrariaa tradição figurativa e nacionalista dos modernistas ain<strong>da</strong> vivos e atuantes.O mesmo grupo que participa deste debate entre nacionalismo einternacionalismo na arte – Mário Pedrosa, Lygia Clark, Lygia Pape, HélioOiticica – será o responsável por uma nova guina<strong>da</strong> no campo estético,em meados dos anos 1960, quando o regime político já não suscitava asimpatia dos artistas e quando os princípios puristas que haviam orientadoos concretos e neoconcretos passaram a ser questionados. O momentopedia uma arte suja, imiscui<strong>da</strong> nas questões sociais. Surge uma tendênciabrasileira <strong>da</strong> “Nova Figuração”, nossa maneira de elaborar uma arte pop,altamente politiza<strong>da</strong>, como nas telas de Rubens Gerchman ou WesleyDuke Lee. Mas são os experimentos conceituais que se tornam ca<strong>da</strong> vezmas radicais, as instalações, chama<strong>da</strong>s então arte ambiental, e asperformances dominam a cena artística durante to<strong>da</strong> a déca<strong>da</strong> de 1970,anos em que exerceu-se rígido controle sobre a produção artística emgeral, e mesmo sobre as artes plásticas. 123. Brasília: a nova capital – 1960-2008Essas últimas informações são importantes por estarem também referi<strong>da</strong>sao início <strong>da</strong> formação do campo <strong>da</strong>s artes em Brasília, o que na ver<strong>da</strong>deocorreu em 1958, ano <strong>da</strong> transferência <strong>da</strong> equipe de Oscar Niemeyer parao PlanaltoCentral. A construção do campo <strong>da</strong>s artes na ci<strong>da</strong>de de Brasília88 ~ ~ 6.2 | 2007
Dossiê Debatepode ser pensado como tendo seu início em 1958, quando <strong>da</strong> transferência<strong>da</strong> equipe de Niemeyer e dos primeiros projetos de painéis de Athos Bulcãopara compor a arquitetura de Brasília. A ci<strong>da</strong>de modernista compõe-seesteticamente com uma arte clara, purista, limpa, dentro dos parâmetros doconstrutivismo <strong>da</strong> época. Muitos artistas, em segui<strong>da</strong>, deslocam-se para anova capital, sobretudo após a inauguração <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, em 1962, queexigia profissionais para preencher os lugares e ensinar na instituição. AméliaToledo, vin<strong>da</strong> de São Paulo, Gastão Manuel Henriques, do Rio, GlênioBianchetti, do Rio Grande do Sul, Rubem Valentim, <strong>da</strong> Bahia, via Rio de Janeiro,todos chegaram atraídos pelas novas possibili<strong>da</strong>des que se descortinavamem uma ci<strong>da</strong>de nova em que tudo estava por fazer. Alguns ficaram poucotempo, outros se estabeleceram definitivamente na ci<strong>da</strong>de.Durou pouco esse festim utópico <strong>da</strong>s artes. Com o advento do regimemilitar, mas sobretudo após o Ato institucional n° 5, promulgado em 1968,muitos artistas foram afastados <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong>de, e outros se afastaram<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de que, segundo o depoimento de alguns, parecia um quartel. Doponto do vista dessa pesquisa, o Salão Nacional de 1967 também tornouseemblemático por exibir a distância que, naquele momento, se estabeleceuentre o campo artístico e o campo político. A exibição de uma obraconceitual, irreverente e transtornante – o “Porco empalhado”de NelsonLeirner – desencadeou intenso debate sobre a atribuiçào de valor emarte, evidenciou como a arte brasileira entrava na contramão, demarcando-see impedindo sua identificação com o regime. Ruptura, confronto entre aforça, a potência, <strong>da</strong> arte e o poder repressivo de um estado militar, a censura,a tortura, extradições, prisões, assassinatos, tudo aquilo que os artistas nãopodiam nem denunciar nem escapar. A arte que emerge então traz as marcasde uma arte suja, marginal, bem distante dos projetos <strong>da</strong> cultura oficial. Aci<strong>da</strong>de começa assim a expulsar seus artistas que ganham o Rio ou SãoPaulo, compondo a cena artística <strong>da</strong>quelas ci<strong>da</strong>des, onde já havia gruposde artistas organizados de forma mais indepedente <strong>da</strong> política. Segundodepoimentos dos que ficaram em Brasília entre 1967 e 1972, período demais forte autoritarismo, aqueles foram anos abafados, sem ar, quando aci<strong>da</strong>de parecia um quartel e os jovens, ain<strong>da</strong> assim, precisavam criar.Antes mesmo <strong>da</strong> inauguração <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, quando o local era apenasum canteiro de obras, vieram arquitetos, artistas, engenheiros eescritores como Joaquim Cardoso e Samuel Rawet, Nauro Esteves, Alcides<strong>da</strong> Rocha Miran<strong>da</strong>, Milton Ramos, João Filgueiras. Naquele momento,havia consenso sobre os valores modernistas presentes nos edifícios, nodesenho e no mobiliário urbanos, assim como nos painéis azulejares oude concreto concebidos por Athos Bulcão, o artista plástico do grupo.A partir de meados dos anos 1960, Brasília já possuía uma pequenacomuni<strong>da</strong>de de intelectuais. A universi<strong>da</strong>de havia sido inaugura<strong>da</strong> em 1962e, com ela, vieram artistas-professores e revistas e livros de arte para comporsuas bibliotecas. Pela ci<strong>da</strong>de circulavam jovens bem informados que, tendoexperiências de outras ci<strong>da</strong>des, contribuíram para escrever uma parte <strong>da</strong>história <strong>da</strong>s artes em Brasília. Eles assumiram uma posição não-oficial,contra-cultural ou mesmo marginal, como eles próprios se denominavam.Esse é um momento de redefinição <strong>da</strong>s regras, de novos conflitos entre oestético, o artístico e o político, campos dotados de forças próprias e que,naquele momento, divergiam ou colidiam.Em meados de 1980, ocorrem mu<strong>da</strong>nças significativas no regime políticocom a redemocratização do estado, as eleições em 1984, a Constituinteem 1988, assim como no regime <strong>da</strong>s artes, caracterizando-se por um ladopor acolher e propor agen<strong>da</strong>s mais politiza<strong>da</strong>s e alinha<strong>da</strong>s com a experiênciacontemporânea; por outro lado, sob o prisma de suas condições de produção,por absorver mu<strong>da</strong>nças institucionais importantes nos mecanismos depatrocínio e de divulgação <strong>da</strong> produção artística <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de.A partir <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1980, novas alterações estéticas e políticasprovocam rearranjos no campo e redefinem as relações de força. Astransformações se dão tanto internamente, no campo <strong>da</strong>s artes, quantoexternamente, no campo político, com a redemocratização e com as novasmo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de mecenato e deman<strong>da</strong>s do mercado. Quanto às mu<strong>da</strong>nçasinternas ao campo <strong>da</strong>s artes, poderiam ser citados o esgotamento dos valoresestéticos <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de e as novas linguagens torna<strong>da</strong>s possíveis pelastecnologias de produção de imagens e sons . Os fluxos de informação setornam mais importantes que os deslocamentos concretos. Os artistas nãose organizam mais em grupos ou movimentos, embora sejam capazes deformar coletivos temporários para participar de eventos efêmeros, o queacontece com muita frequência, utopias efêmeras de intervenção nosespaços urbanos, na dignificação pela arte de espaços degra<strong>da</strong>dos.Prolegômenos a uma tentativa de periodização:novas questões metodológicasPor se tratar de períodos bastante longos – tanto o que se refere a Salvador(1549–1763) quanto o que se refere ao Rio de Janeiro (1763–1960) –, foinecessário trabalhar com demarcações temporais que permitam recortes~ 6.2 | 2007~ 89
- Page 3 and 4:
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTES
- Page 5 and 6:
Buenos Aires - Rio de JaneiroStaffE
- Page 7 and 8:
DOSSIÊ EXPERIMENTAÇÕESURBANASO d
- Page 9 and 10:
Dossiê Experimentações Urbanasda
- Page 11:
Dossiê Experimentações Urbanas19
- Page 14 and 15:
Branco sobre Branco - uma poéticad
- Page 16 and 17:
Branco sobre Branco - uma poética
- Page 18 and 19:
Branco sobre Branco - uma poética
- Page 20 and 21:
El pensamiento urbano en lascrónic
- Page 22 and 23:
El pensamiento urbano en las cróni
- Page 24 and 25:
El pensamiento urbano en las cróni
- Page 26 and 27:
Um passeio pela cidade invisívelKa
- Page 28 and 29:
Um passeio pela cidade invisívelin
- Page 30 and 31:
Um passeio pela cidade invisívelde
- Page 32 and 33:
Literatura visual urbanaClaudia Koz
- Page 35 and 36:
Dossiê Experimentações Urbanasre
- Page 37 and 38:
~ 6.2 | 2007~ 35
- Page 39: Experimentaciones Urbanas/ Lux marc
- Page 42 and 43: Multiplicidad de culturas, tiempos
- Page 44 and 45: ¿Cómo se realiza una calle?Dibuja
- Page 47 and 48: Santiago PorterCasa de la MonedaFot
- Page 49 and 50: Santiago Porter, Ministerio I, 2007
- Page 51: Santiago Porter, Hospital, 2007, 12
- Page 54 and 55: 52 ~ ~ 6.2 | 2007
- Page 56 and 57: Turismo Local. Still de video 20075
- Page 58 and 59: DOSSIÊ DEBATE:Identidade, espaço
- Page 60 and 61: Fragmentos urbanos: identidade, mod
- Page 62 and 63: Fragmentos urbanos: identidade, mod
- Page 64 and 65: Fragmentos urbanos: identidade, mod
- Page 66 and 67: Fragmentos urbanos: identidade, mod
- Page 68 and 69: Territórios pensados e território
- Page 70 and 71: Territórios pensados e território
- Page 72 and 73: Territórios pensados e território
- Page 74 and 75: Territórios pensados e território
- Page 76 and 77: Territórios pensados e território
- Page 78 and 79: Dentro e fora da Nova Ordem Mundial
- Page 80 and 81: Dentro e fora da Nova Ordem Mundial
- Page 82 and 83: Dentro e fora da Nova Ordem Mundial
- Page 84 and 85: A itinerância dos artistas: a cons
- Page 86 and 87: A itinerância dos artistas: a cons
- Page 88 and 89: A itinerância dos artistas: a cons
- Page 92 and 93: A itinerância dos artistas: a cons
- Page 94 and 95: Espantalhos e afinsCarlos Eduardo S
- Page 96 and 97: Espantalhos e afinsele vai repartin
- Page 98 and 99: Espantalhos e afinsfalta de razão
- Page 100 and 101: Espantalhos e afinsdemorada e digna
- Page 102 and 103: Espantalhos e afinse fantasmas é q
- Page 104 and 105: La tersura áspera de lo real.Poes
- Page 106 and 107: La tersura áspera de lo real. Poes
- Page 108 and 109: La tersura áspera de lo real. Poes
- Page 110 and 111: La tersura áspera de lo real. Poes
- Page 112 and 113: Questões da ficção brasileira no
- Page 114 and 115: Questões da ficção brasileira no
- Page 116 and 117: Questões da ficção brasileira no
- Page 118 and 119: Resenhas: O samba e o tango articul
- Page 120 and 121: O samba e o tango articulando o mod
- Page 122 and 123: El gran vidrioIsabel QuintanaBELLAT
- Page 124 and 125: Un viaje por la realidadDiana I. Kl
- Page 126 and 127: Un viaje por la realidadinstigantes
- Page 128 and 129: Carlos CapelaDoutor em Literatura p
- Page 130: Número 1 - Março 2003 Número 2 -