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Espantalhos e afinsele vai repartindo-se... (...) Não são raízes, são galhos”. Arbustos que naver<strong>da</strong>de, embora dispersos pelo solo, na superfície múltiplos, formavam“uma árvore única e enorme, inteiramente soterra<strong>da</strong>”. 9Assim, se a História não havia ido até ali, seria a partir <strong>da</strong>li, <strong>da</strong>quelehiato, <strong>da</strong>quele deserto, que ela poderia ser desdobra<strong>da</strong>. Foi essa uma ambiçãode Euclides <strong>da</strong> Cunha, e visto o rumo que no país as coisas tomaram, etomavam, e isso a despeito <strong>da</strong> atuação do escritor, não é de estranhar aataraxia que ele confessava estar sentindo, meses antes de sua morte, emcarta a Oliveira Lima. 10 ***Euclides <strong>da</strong> Cunha tinha consciência de que em seu livro teria que ir alémdo mero registro dos fatos, mesmo que, como escritor, tenha afirmadosentir-se propenso ou limitado a isso. 11 Impossibilitado de alterar aquilo quefoi, fazia sua aposta naquilo que (nos) resta. Os sertões, nesse sentido, édocumento de um esforço sincero e tenaz de leitura, uma leitura que intenta,a partir de um lançar de olhos sobre o passado imediato, um ajuste de contascom o presente, alternativas para o futuro. Leitura que libera uma propostade intervenção pela qual procura encontrar e devolver potência ao que jáfora, e que, em sendo, tornara-se impotente. No intervalo entre o poderfazere os fatos ocorridos, que <strong>da</strong>li considerados tornam-se inesgotáveis,é que o escritor fun<strong>da</strong> a sua experiência e compreensão <strong>da</strong> História. 12Se aceitarmos a sugestão de Paolo Virno, de que a potência é, de umlado, simultânea ao ato e, de outro, “un pasado no cronológico, indefinido,formal”, então podemos concluir, com o autor, que o “passado potencial esel soporte de la temporali<strong>da</strong>d”. 13 Delineia-se, a partia <strong>da</strong>í, um quadroteórico que pode nos aju<strong>da</strong>r a vislumbrar, em sua amplitude, o complexomecanismo temporal engenhado por Euclides <strong>da</strong> Cunha, e não é simplesacaso que Virno, ao definir a potência como objeto <strong>da</strong> memória, recorra àimagem singela de um texto, “que debe ser evocado nuevamente”. 14 Nocaso de Os sertões, o texto incita a uma evocação de mão dupla: sobre simesmo, enquanto história, e sobre a própria História, que (nos) desafia.Como a recor<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> potência, para ficarmos com os argumentos dePaolo Virno, implica o recordo de um tempo total, isto é, no qual coexistemtanto o “agora” que foi quanto o “agora” que virá a ser 15 , longe do reduzir-sea um mero que passou, o passado tal como suscitado por Euclides <strong>da</strong>Cunha instaura uma bifurcação, que, por sua vez, se multiplica, subterrânea:é revisão de fatos acontecidos; é potência não atualizável.Tal modo de operação nos surpreende e fascina em Os sertões. Ain<strong>da</strong>que recorrendo a fatos e saberes instituídos, estabelecidos e fun<strong>da</strong>mentados,ali e em outros de seus escritos Euclides <strong>da</strong> Cunha procura não <strong>da</strong>r ascostas para o não-compreendido e não-comprometido, e tampouco parao insolúvel. Sua atitude frente à ciência é ilustrativa. De um lado, e aprincípio, atesta adesão a teorias evolucionistas, aposta no atavismo ounos determinismos histórico e geográfico. De outro, porém, insiste nocaráter paradoxal dos seres de que trata, em especial do sertanejo, cujainterpretação é fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no, mas não deixa de escapar ao domínio <strong>da</strong>ciência. 16 Pensamento e labor disciplinados, por certo, adjacentes em relaçãoà lei, mas além dela, que se insinuam numa movência errante, em que odestino se fabrica sobre rastros e se projeta a partir dos próprios passos,em que fim e começo se imbricam. O sem fim nos confins dos sertões.Tomando como ponto de parti<strong>da</strong> uma narrativa de Xenofonte, Alain Badiou,num ensaio de publicação recente, procura discernir sentidos do conceitode “anábasis”, termo com que o historiador nomeara o seu relato. Apóschamar a atenção para o aspecto de movimento implicado pela palavra, Badiouressalta três traços que seriam típicos do deslocamento anabástico: umprincípio de extravio; a per<strong>da</strong> ou abandono de um contrato anterior, o quedeman<strong>da</strong> uma toma<strong>da</strong> de decisão, a assunção de um destino livre 17 ; ainvenção de uma errância que será a posteriori toma<strong>da</strong> como um retorno,com o que se configura um trajeto antes, porém, não conhecido. 18 Assimconcebi<strong>da</strong>, a noção de “anábasis” projeta outra sugestiva e pertinentecaracterização <strong>da</strong> dinâmica do pensamento e <strong>da</strong> escritura euclidianos.A percepção <strong>da</strong> insuficiência do já-<strong>da</strong>do e do já-dito exige do escritor umaresposta desloca<strong>da</strong> e deslocante. Deman<strong>da</strong> um ir-além, isto é, quando menosuma reorganização do material coletado, de antemão relacionado a ou queele relaciona com o episódio, através <strong>da</strong> qual outras leituras, figuras e imagenspossam ser esboça<strong>da</strong>s. O trabalho realizado, posto que concernente à esfera<strong>da</strong> interpretação, do desvio e <strong>da</strong> errância, é antes de tudo criativo. Daí osacentos postos no inesperado, em aspectos surpreendentes e espantosos queo narrador não se furta de registrar. Passagens em que assomam perplexi<strong>da</strong>des,quando inconsistência e incontinência de homens, coisas e eventos irrompem. 19São momentos nos quais Euclides <strong>da</strong> Cunha revela to<strong>da</strong> a sua perspicácia,sua inquietação e insatisfação com respeito ao previsto, em que o geral e o94 ~ ~ 6.2 | 2007

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