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edição de 16 de setembro de 2019

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STORYTELLER<br />

Blair Fraser/Unsplash<br />

O velho e as velhas<br />

Outro texto me <strong>de</strong>ixou saudoso. Trata-se<br />

<strong>de</strong> um que exalta a profissão <strong>de</strong> publicitário<br />

LuLa Vieira<br />

Quando roubaram meu carro, para me<br />

habilitar a receber o seguro fui à <strong>de</strong>legacia<br />

<strong>de</strong> polícia registrar a ocorrência. O<br />

plantonista, após verificar a documentação,<br />

me perguntou se havia algo <strong>de</strong> valor<br />

“no veículo”. Eu disse: “muito”. E, para espanto<br />

<strong>de</strong>le, <strong>de</strong>talhei: “um volume com 10<br />

números da revista Propaganda da década<br />

<strong>de</strong> 1960, que fazem parte <strong>de</strong> uma coleção”.<br />

O rapaz então escreveu: “revistas antigas<br />

enca<strong>de</strong>rnadas”, me olhando <strong>de</strong> soslaio, como<br />

se fosse uma excentricida<strong>de</strong>, diante do<br />

roubo <strong>de</strong> um carro importado, estar preocupado<br />

com revistas velhas. Dias <strong>de</strong>pois, já<br />

com o dinheiro do seguro quase na minha<br />

conta, recebo um telefonema <strong>de</strong> um <strong>de</strong>spachante<br />

me avisando que acharam o carro.<br />

Minha única pergunta: “tinha um livrão <strong>de</strong><br />

capa marrom com lombada vermelha <strong>de</strong>ntro<br />

do carro?” Diante da resposta negativa,<br />

agra<strong>de</strong>ci, <strong>de</strong>sliguei e avisei a seguradora<br />

que o carro tinha sido encontrado. Não me<br />

interessei mais por nada, pois o que tinha<br />

<strong>de</strong> valor lá <strong>de</strong>ntro, algo que seguradora nenhuma<br />

po<strong>de</strong>ria me <strong>de</strong>volver, sumiu.<br />

E imagino que o ladrão <strong>de</strong>ve ter jogado<br />

fora os 10 números dos primeiros anos da<br />

revista, <strong>de</strong> uma época que eu comecei na<br />

profissão e sonhava em um dia ter meu nome<br />

entre aqueles que escreviam para ela<br />

ou que eram citados em suas matérias. Esse<br />

volume fazia parte <strong>de</strong> uma coleção que<br />

ainda mantenho e muitas vezes folheio,<br />

com sauda<strong>de</strong>s não exatamente daqueles<br />

tempos (embora mereçam), mas muito<br />

mais <strong>de</strong> mim mesmo. Não sou saudosista,<br />

mas tenho muitas sauda<strong>de</strong>s, o que parece<br />

um paradoxo, mas não é. Os números da<br />

revista Propaganda que tenho neste momento<br />

parecem realmente vir <strong>de</strong> um tempo<br />

que já passou há muito. Leio um colunista<br />

reclamando do nível da TV no Brasil.<br />

Um entrevistado fala da prática do BV e há<br />

também um sério <strong>de</strong>bate sobre... o futuro<br />

do rádio. Em outro exemplar, o número 3,<br />

vejo a relação <strong>de</strong> alguns colegas <strong>de</strong> profissão:<br />

Orígenes Lessa, Fernando Sabino, Rubem<br />

Braga, Balsac, Olavo Bilac, Monteiro<br />

Lobato, Fernando Pessoa, Raymundo <strong>de</strong><br />

Menezes, listados num artigo exatamente<br />

sobre os gran<strong>de</strong>s literatos que se <strong>de</strong>dicaram<br />

também a escrever “reclames”.<br />

Um outro texto me <strong>de</strong>ixou particularmente<br />

saudoso. Trata-se <strong>de</strong> um que exalta<br />

a profissão <strong>de</strong> publicitário, entre outras<br />

coisas, por pagar muito bem, o que explica<br />

ter atraído os melhores intelectuais. Literalmente<br />

diz a matéria: “seja qual for sua<br />

especialida<strong>de</strong> profissional, se você está<br />

pensando em ingressar na propaganda, faça-o.<br />

É fácil fazer uma carreira prestigiosa e<br />

<strong>de</strong> ótima remuneração. Em propaganda há<br />

lugar para todos”. Sauda<strong>de</strong>s! Há também<br />

um artigo <strong>de</strong> Edmur <strong>de</strong> Castro Cotti, na seção<br />

<strong>de</strong> Rádio e TV, on<strong>de</strong> ele conta que teve<br />

acesso a levantamento realizado por uma<br />

revista especializada sobre a cobertura que<br />

as emissoras <strong>de</strong> rádio americanas <strong>de</strong>ram ao<br />

ataque japonês a Pearl Harbor. Segundo a<br />

matéria, o furo pertence à CBS que, cinco<br />

minutos após o início do ataque, <strong>de</strong>u uma<br />

edição extraordinária. O locutor, com voz<br />

embargada, leu o telegrama enviado pelas<br />

agências <strong>de</strong> notícias:<br />

“A Casa Branca informa: a força aérea<br />

japonesa atacou Pearl Harbor!” A principal<br />

concorrente, a NBC, ficou com a glória <strong>de</strong><br />

ser a primeira a falar diretamente do local,<br />

com seu correspon<strong>de</strong>nte terminando<br />

a transmissão com outras palavras históricas:<br />

“esta é uma guerra <strong>de</strong> verda<strong>de</strong>”. A Re<strong>de</strong><br />

Mutual transmitia um jogo <strong>de</strong> baseball<br />

e na emissora <strong>de</strong> Denver um pastor falava<br />

da Bíblia quando foram interrompidos por<br />

edições extras com a notícia. Receberam<br />

inúmeros telefonemas irados: “e o baseball?”<br />

... “e a leitura da Bíblia?” Um ouvinte<br />

<strong>de</strong> Denver entrou para história, pois disse<br />

ao telefone: “quer dizer que os senhores<br />

consi<strong>de</strong>ram uma notícia do Havaí mais<br />

importante do que a palavra <strong>de</strong> Deus?” Na<br />

verda<strong>de</strong>, com exceção daqueles que tinham<br />

família servindo em Pearl Harbor e nas áreas<br />

militares, os Estados Unidos levaram<br />

algum tempo para se mobilizarem com a<br />

notícia do ataque japonês. Não há registro<br />

<strong>de</strong> um único comentário feito pelos profissionais<br />

<strong>de</strong> rádio cujos programas foram interrompidos.<br />

Em contraponto, o colunista<br />

comenta que, em 1938, Orson Welles parou<br />

a Costa Oeste com sua dramatização da invasão<br />

da Terra. Nessa ocasião, milhões <strong>de</strong><br />

pessoas saíram às ruas dispostas a oferecer<br />

uma barreira humana ao ataque <strong>de</strong> Marte.<br />

Mesmo repetindo que se tratava da radiofonização<br />

<strong>de</strong> uma obra literária, Welles levou<br />

pânico a cida<strong>de</strong>s inteiras. A revista Propaganda<br />

está completando 60 anos. Esses<br />

assuntos que eu <strong>de</strong>staquei encerram uma<br />

lição. O problema é que eu não sei qual é.<br />

PS. O título <strong>de</strong>sta crônica é uma homenagem<br />

a Orígenes Lessa, que dizia que “o<br />

título <strong>de</strong> um anúncio é sempre uma promessa<br />

que <strong>de</strong>ve agarrar o leitor”. Se você<br />

chegou até aqui, sou um bom aluno do<br />

gran<strong>de</strong> mestre.<br />

Lula Vieira é publicitário, diretor do Grupo Mesa<br />

e da Approach Comunicação, radialista, escritor,<br />

editor e professor<br />

lulavieira.luvi@gmail.com<br />

32 <strong>16</strong> <strong>de</strong> <strong>setembro</strong> <strong>de</strong> <strong>2019</strong> - jornal propmark

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