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O Poder da Acao - Paulo Vieira

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ditado popular que descreve o ato de ostentar assim: “Comprar o que

não preciso, com o dinheiro que não tenho, para mostrar para quem eu

não gosto quem eu gostaria de ser”.

Durante um ano fiz um trabalho voluntário no presídio, e nas minhas

entrevistas com os detentos descobri o porquê de a maioria esmagadora

ter entrado no crime. A única razão dita por eles era porque eles

queriam ou precisavam “ter” algo. Na verdade, aprofundando as

entrevistas, não foi apenas a vontade de “ter” que os levou para esse

caminho, pois antes de querer “ter” eles tiveram suas crenças de

identidade completamente desfiguradas por todos os tipos de problemas,

traumas e dores na infância como: abuso sexual, violência doméstica,

agressões físicas, pais viciados, orfandade, abandono e todo tipo de dor

emocional. Desse modo, por trás da imagem de um jovem delinquente

existia a autoimagem de um assaltante, assassino, ladrão, estuprador,

traficante. Não acredite que aquelas pessoas estão presas ou soltas

cometendo crimes apenas porque querem ter algo. Se assim fosse, você e

eu estaríamos neste momento matando ou roubando para “ter” nossos

sonhos. E se não fazemos isso agora é por dois motivos: medo das

consequências ou porque esse tipo de coisa não combina com quem nós

somos.

Assim, os detentos estavam nessa vida criminosa porque suas crenças

de identidade, ou seja, a maneira como eles se viam, tinham sido

adulteradas. Então, aproveito a oportunidade para dar um sinal de alerta

ao poder público e a todos os que trabalham em prol de ex-detentos: não

acreditem que trabalhar apenas a crença de capacidade, ensinando uma

profissão ao detento, vai de fato reintegrá-lo à sociedade. Pois mesmo

aprendendo uma profissão, o que vai determinar o comportamento e a

atitude dele continuará sendo sua crença de identidade. E se ele continuar

se vendo como uma pessoa sem valor, cruel, vítima da sociedade,

violenta, cheia de ódio etc., ele terá uma nova profissão mas continuará

se vendo como marginal. Por isso, além de ensinar uma profissão,

trabalhando o “fazer”, o sistema judiciário e todas as organizações

engajadas nessa causa precisam também trabalhar para refazer a crença

de identidade, o “ser” dessas pessoas. Por que no momento em que eles

se virem como cidadãos, e não como bandidos; quando se virem como

pessoas do bem, e não pessoas do mal; quando se virem como pessoas

valorosas, e não criminosos sem jeito, aí sim, estarão convivendo lado a

lado com você e comigo sem recaídas e voltas à prisão.

Preciso abrir parênteses e parabenizar todas as igrejas cristãs com

que convivi durante esse ano de trabalho voluntário na casa de detenção,

pois o que faziam era justamente trabalhar a crença de identidade.

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