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a dança dos encéfalos acesos

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Convém observar que, nessa mesma época, pernas artificiais estavam sendo fabricadas por<br />

artistas ingleses para pessoas que tivessem perdido suas pernas por alguma fatalidade. O mais<br />

espantoso é que as pessoas que usavam tais próteses <strong>dança</strong>vam! O alcance <strong>dos</strong> movimentos<br />

poderia ser limitado, mas estes eram executa<strong>dos</strong> com facilidade, leveza e graça. Então parecia<br />

óbvio que o artista que fosse capaz de construir tal prótese conseguiria também montar<br />

uma marionete segundo os requisitos de Herr C—-. Mas quais seriam exatamente esses<br />

requisitos?<br />

“Nada que já não existisse nas marionetes: simetria, mobilidade, leveza (to<strong>dos</strong> num grau<br />

elevado) e especialmente uma organização mais natural <strong>dos</strong> centros de gravidade”,<br />

respondeu Herr C—-. A próxima pergunta de Kleist parece inevitável: “Que vantagem<br />

teria essa marionete sobre os <strong>dança</strong>rinos vivos?”<br />

O boneco nunca seria fingido ou afetado. “A simulação aparece quando a alma (vis motrix<br />

ou força motora) é encontrada em qualquer outro ponto que o do movimento do centro<br />

de gravidade. Como o operador agora não tem absolutamente nenhum outro ponto<br />

sob seu controle através do arame ou da corda exceto este,<br />

to<strong>dos</strong> os outros membros são o que deveriam ser – mortos,<br />

meros pêndulos, seguindo a lei básica da gravidade –, uma<br />

qualidade admirável procurada em vão entre a grande parte<br />

<strong>dos</strong> nossos <strong>dança</strong>rinos.”<br />

Isso significa que ao realizarmos um gesto partindo de um<br />

cotovelo ou de uma vértebra estaríamos nos movendo fora do<br />

centro da gravidade, algo inconcebível para a época. O erro é<br />

a vis motrix (a força motora ou alma) estar fora do centro de<br />

gravidade. “Tais erros são inevitáveis desde que nós comemos<br />

da árvore do conhecimento”, diz Herr C—-, e “o espírito não<br />

pode enganar-se onde não há ninguém”, completa Kleist.<br />

A ilusão de flutuação que se tem ao ver uma marionete em ação<br />

remete-se à lei da gravidade. Na visão de Herr C—-, “as marionetes<br />

teriam ainda a vantagem de ser antigravitacionais. Elas não sabem<br />

nada da inércia da matéria, aquela propriedade mais inimiga da<br />

<strong>dança</strong>, porque a força que as ergue no ar é maior que aquela que<br />

as liga à terra. As marionetes só usam o chão como gnomos (elves),<br />

para desnatá-lo (skim) e reativar o balanço de seus membros através<br />

de uma pausa instantânea; nós usamos o solo para descansar (rest)<br />

sobre e para nos recuperarmos do esforço da <strong>dança</strong> – um momento<br />

que obviamente não é a <strong>dança</strong> nela mesma, e permite nada melhor<br />

que fazer o chão (?) desaparecer tanto quanto possível”.<br />

116 Seqüência de Procedimento 1,<br />

exemplo de corpo remoto controlado.<br />

Deve-se lembrar que, na mesma época em que o texto foi publicado, por volta de 1800,<br />

o balé romântico começou a ser formatado. A <strong>dança</strong> era a manifestação da alma e, como<br />

foi dito, o grande inimigo do bailarino era a gravidade, essa força externa contra a qual<br />

ele deveria travar um embate e, à custa de muita força, manter-se o mais aéreo e longe<br />

do chão possível.<br />

As marionetes recebem de fora uma força antigravitacional, o que é certo. Essa força<br />

equilibra a força da gravidade, mantendo a marionete no ar. Isso leva à seguinte<br />

indagação: o movimento de um corpo seria controlado por forças internas ou externas?<br />

No caso <strong>dos</strong> bonecos do teatro de marionetes, o movimento é equilibrado por forças<br />

externas, resultantes das mãos do manipulador e da força da gravidade, não havendo<br />

nenhum tipo de esforço interno. Já no caso do balé clássico, o jogo de forças é resultado<br />

da relação entre a força interna de seus praticantes e a força da gravidade.<br />

Uma marionete não tem automação interna, não tem controle sobre o seu movimento,<br />

a sua encenação não requer força muscular. Ela pode, portanto, ser considerada um<br />

verdadeiro modelo para o bailarino clássico, onde o ideal é não aparentar força ou<br />

simular o esforço.<br />

Em 1870, uma fase avançada do balé romântico, surge o balé Coppélia, no qual a<br />

bailarina principal é uma boneca que se move imitando os movimentos mecânicos de um<br />

autômato. Coppélia foi criado a partir de fragmentos do conto O Homem de Areia, de<br />

E.T.A. Hoffmann, escritor que abordou a idéia <strong>dos</strong> autômatos em seus textos. A proposta<br />

de fazer o corpo mexer-se tal qual um boneco também passa pela trajetória do Cena 11.<br />

Hoffmann foi um <strong>dos</strong> que trataram o tema <strong>dos</strong> autômatos na literatura, com surpreendente<br />

repercussão. Os contos Os Autômatos, escrito em 1814, e Homem de Areia, surgido um<br />

ano depois, são dois exemplos. No primeiro, o autor começa apresentando o Turco<br />

Falante, uma figura “simultaneamente morta e viva”, que conseguia atrair a atenção<br />

de toda a cidade. Perguntas eram sussurradas em seu ouvido, ele girava a cabeça em<br />

direção ao indagador (podia também levantar o braço) e, quando respondia, podia-se<br />

até sentir seu hálito. Depois das respostas, o artista que o manejava “dava corda em<br />

um mecanismo de relojoaria”. Pela abertura, era possível reconhecer uma engrenagem<br />

artificial cheia de rodas. Portanto, seria impossível que tivesse alguém ali dentro. O mais<br />

impressionante era que, além de confundir o público sobre a comunicação interna da<br />

engenhoca, o ventríloquo permitia que o “seu autômato efetuasse seus movimentos e<br />

proferisse suas respostas como um ser absolutamente autônomo, que não precisava estar<br />

em comunicação com ele”.<br />

O que seria então mais impressionante: entender como ocorria “a misteriosa ligação de<br />

117

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