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a dança dos encéfalos acesos

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registro da coreografia. De Mey estruturou matematicamente a edição, relacionando-a<br />

ao minimalismo da trilha sonora e aos movimentos. Entre outras impressões, o que se<br />

observa são imagens de <strong>dança</strong> que não podem ser vistas num palco e que dialogam com a<br />

escolha da locação para a filmagem, os ângulos e cortes, os ritmos da edição e a narrativa<br />

do tempo, na medida em que a luz se modifica.<br />

Filmar a <strong>dança</strong> implica levar em consideração a adaptação de um meio (<strong>dança</strong> real) para<br />

outro (a câmera, a tela). O que seria possível criar com a <strong>dança</strong> quando ela estivesse sendo<br />

incorporada em outro lugar?<br />

Para Thierry De Mey, 12 autor também de Love Sonnets, com coreografia de Michèle-<br />

Anne De Mey, um <strong>dos</strong> desafios de quem deseja filmar a <strong>dança</strong> está no estudo do espaço.<br />

No teatro, a coreografia é percebida de uma maneira pelo espectador da primeira fila e<br />

de outra pelo da última fila, cuja visão é panorâmica. Se na frente o acesso à fisicalidade<br />

do bailarino ocorre com mais intensidade, a distância a estruturação compositiva da<br />

coreografia é percebida com mais clareza.<br />

O modo de construir, no filme, um espaço imaginário onde o movimento se inscreve é o<br />

guia da elaboração da filmagem. Isso é acolhido nos movimentos de câmera, na escolha de<br />

ângulos, na luminosidade, na distribuição da coreografia no novo espaço etc. Além disso,<br />

é preciso pensar na transposição do “tempo da ação” para o “tempo cinematográfico”.<br />

Para Thierry De Mey, a <strong>dança</strong> é um exercício de “virtuosidade cinematográfica” por<br />

excelência.<br />

As coreografias de Anne Teresa De Keersmaeker vêm se relacionando intensamente com<br />

as tecnologias da imagem desde 1989, quando foi lançado Hoppla!, o primeiro filme de<br />

<strong>dança</strong> da companhia, com direção de Wolfgang Kolb.<br />

Pensar a coreografia através do olhar da câmera é o grande desafio que estimula coreógrafos<br />

e profissionais do cinema a trabalhar juntos. O mesmo estímulo ganhou novos representantes<br />

e obras depois que o vídeo, em mea<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> anos 60, entrou no cenário das artes.<br />

video<strong>dança</strong><br />

No início <strong>dos</strong> anos 70 surgiu uma nova forma de videoarte: a video<strong>dança</strong>. 13 Longe de ser<br />

um registro da <strong>dança</strong> no palco, é uma forma de experimentação que conquistou domínios<br />

próprios, tanto territoriais quanto estéticos. Isso se verifica no calendário de atividades<br />

(festivais, workshops, publicações) em torno do assunto, no aumento da produção e<br />

no crescimento do interesse pelo tema. Existe inclusive uma terminologia adotada, que<br />

também pode estender-se ao cinema. Aliás, muitos coreógrafos têm usado tanto a película<br />

12 DE Mey in: Nouvelles de<br />

Danse, 1996:50-52. No site<br />

www.rosas.be, encontram-se<br />

referências e pode-se adquirir<br />

outras obras coreográficas de<br />

Anne Teresa De Keersmaeker<br />

que foram transcriadas em<br />

imagem, como Fase, Four<br />

Movements to the Music of<br />

Steve Reich (2002), de Thierry<br />

De Mey; Hoppla! (1989), de<br />

Wolfgang Kolb; Ottone/<br />

Ottone I & II (1991), de Walter<br />

Verdin e A.T. De Keersmaeker;<br />

Mozart/Materiaal (1993), de<br />

Ana Torks e Jürgen Persijn;<br />

Achterland (1994), de Anne<br />

Teresa De Keersmaeker;<br />

Tippeke (1996), de Thierry<br />

De Mey; e Monoloog Van<br />

Fumiyo Ikeda op Het Einde<br />

van Ottone/Ottone (1990),<br />

de Walter Verdin e Anne<br />

Teresa De Keersmaeker.<br />

13 A videoarte surgiu quando<br />

Nam June Paik, em 1965,<br />

filmou a Comitiva Papal de<br />

dentro de um táxi na Quinta<br />

Avenida, em Nova York, e<br />

na mesma noite apresentou<br />

o vídeo como seu trabalho<br />

artístico num encontro no<br />

Cafe a-Go-Go. Informações<br />

adicionais: o vídeo surgiu em<br />

mea<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> anos 60, a TV<br />

nos anos 50 e a TV em cores<br />

em 1968.<br />

14 Foi realizado um<br />

levantamento <strong>dos</strong> registros<br />

de <strong>dança</strong> das décadas de<br />

1970 e 1980, em São Paulo,<br />

a pedido do Núcleo de Artes<br />

Cênicas do Itaú Cultural.<br />

quanto o vídeo para investigar novas possibilidades para o movimento no espaço e no tempo,<br />

bem como a exploração de novas percepções. Seria preciso uma amostra maior e análise<br />

cuida<strong>dos</strong>a para pontuar melhor as diferenças e semelhanças entre as duas tecnologias.<br />

A terminologia engloba três tipos de prática: o registro em estúdio ou palco, a adaptação<br />

de uma coreografia preexistente para o audiovisual e as <strong>dança</strong>s pensadas diretamente<br />

para a tela.<br />

O primeiro tipo de prática nada mais é do que a gravação da coreografia original com<br />

uma ou mais câmeras sem que esta sofra alterações significativas, caso que se verifica<br />

nos vídeos do Grupo Corpo, por exemplo. A câmera guia o nosso olhar para ver melhor<br />

a coreografia, com detalhes e distâncias que não veríamos na platéia do teatro, mas não<br />

promove um outro pensamento além do registro.<br />

Graças à popularização <strong>dos</strong> equipamentos, a prática de registrar em vídeo a <strong>dança</strong><br />

apresentada no palco é hoje muito comum. Com o barateamento do custo e o uso<br />

amador em larga escala, até mesmo grupos com menores pretensões de profissionalizar-<br />

se possuem a memória de coreografias <strong>dança</strong>das. É imensurável o número de registros<br />

existentes atualmente. Mesmo levando-se em conta o valor ainda relativamente alto de<br />

produções profissionais para muitos grupos, nem se compara a quantidade de registros<br />

existentes hoje em relação à de anos mais próximos ao surgimento desta mídia.<br />

Fora videotecas pessoais e acervos de grupos, como é o caso do Balé da Cidade de<br />

São Paulo, uma das companhias que têm documentação (em formato AKAI VT-5) das<br />

coreografias das décadas de 1970 e 1980, existem poucos acervos públicos de video<strong>dança</strong><br />

no Brasil, entre os quais destacam-se Alpendre, Fortaleza; Rede Stagium, São Paulo; Escola<br />

Municipal de Dança de Araraquara; e Centro de Documentação e Referência Itaú Cultural,<br />

São Paulo. To<strong>dos</strong> merecem maiores investimentos e incentivos. Uma importante fonte de<br />

registro e documentação, que pede socorro para a restauração e o acondicionamento<br />

adequado das obras, é a TV Cultura, que possui entre suas pérolas inúmeras imagens num<br />

formato em extinção, o VT Quadrúplex. 14<br />

De volta à terminologia, um segundo tipo de prática entre imagem e <strong>dança</strong> é a adaptação<br />

ou transdução de uma coreografia preexistente para outro meio, que é a captura da<br />

câmera e o ambiente do computador. É o caso das obras de Anne Teresa De Keersmaeker,<br />

Win Vandekeybus, Merce Cunningham, DV8, entre outros.<br />

A terceira forma de relacionar <strong>dança</strong> e imagem é chamada, em inglês, de screen<br />

choreography: são as <strong>dança</strong>s concebidas especialmente para a projeção na tela. Esta<br />

prática implica a passagem da <strong>dança</strong> de um suporte para outro, como nos demais casos,<br />

mas concebida como um processo carregado de transformações que constroem novos<br />

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