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São inúmeros os índices e referências a esses universos e trataremos de abordá-los ao longo deste<br />
texto. Das brincadeiras infantis ao universo digital, um espetáculo que parece adolescente intriga.<br />
Porque é isso que parece, uma turma de jovens colocando problemas sérios numa grande lente de<br />
aumento. Só fecha os olhos quem não for deste mundo ou quiser ficar à parte dele.<br />
A coreografia de Violência aparece em rede: várias camadas de informação se cruzam<br />
e borram as fronteiras entre as mídias utilizadas. O palco italiano, o espaço mais<br />
convencional para apresentações de <strong>dança</strong>, transforma-se num ambiente de conexões.<br />
Essa experiência cênica do Cena 11 resulta numa <strong>dança</strong> e num corpo com vários textos.<br />
Trata-se de uma comunicação entre interfaces: os senti<strong>dos</strong> do espectador e o espetáculo<br />
cênico. Uma outra interface ainda os intermedeia literalmente, o cenário, uma espécie de<br />
vitrine. Como se sabe, a natureza da interface é justamente essa, a de colocar realidades<br />
em contato. Em Violência, o Cena 11 tem intenções claras: não basta que o público o olhe,<br />
quer chegar o mais perto possível para atingir e tingir o seu sistema perceptivo.<br />
“No limite do nem verdadeiro nem falso, Violência discute a violentação da percepção<br />
através de uma linguagem que chegue ao sistema nervoso do espectador com maior<br />
veemência. Violência acontece no corpo. No corpo em cena ‘carnificado’ e estendido<br />
(nas suas virtualizações em vídeos, animações, slides, sons e ambiências); e no corpo<br />
que o percebe na platéia, onde o espetáculo é arremessado, como que num ritual vodu,<br />
deslocando signos e borrando senti<strong>dos</strong>. Violência é <strong>dança</strong> de risco: um corpo se joga, e<br />
no espaço entre a pele e o chão, o corpo que o observa se liberta com quase um sorriso”<br />
(GRUPO CENA 11, Catálogo ACARTE, 2000, p.30).<br />
O cenário especialmente desenvolvido para esta obra produz a sensação de estarmos<br />
assistindo a uma grande tela de monitor de computador e, mais remotamente, à tela da<br />
televisão. Na medida em que o tempo passa, este lugar modifica-se, modifica a cena e a ação<br />
<strong>dos</strong> corpos. As placas transparentes da frente do palco escorregam, formando um limite entre<br />
este e o público; deixando os bailarinos enclausura<strong>dos</strong>. Eles se sentem se exibindo para nós.<br />
O fundo desta caixa cenográfica é feito de placas de acrílico ocas. Durante o espetáculo<br />
elas assumem a função de um cronômetro. À medida que o tempo vai correndo, elas se<br />
enchem de um líquido branco, como uma sofisticada ampulheta. Como a passagem do<br />
tempo num jogo de videogame. E a passagem das cenas pode corresponder às mu<strong>dança</strong>s<br />
de fase <strong>dos</strong> games. A cada cena, mais surpresas.<br />
A luz soma-se a este ambiente e baseia-se no conceito de holograma. Seu objetivo é<br />
ressaltar as tensões e a tridimensionalidade.<br />
Na platéia do teatro, ao lado esquerdo, há uma estrutura de ferro. No alto dela, Hedra<br />
Rockenbach, a cantora e diretora musical, comanda a trilha sonora do espetáculo. A relação<br />
platéia-palco é uma das questões que vêm sendo trabalhadas desde antes de Respostas sobre<br />
Dor, como vimos. A cada espetáculo essa discussão vai ganhando uma configuração diferente.<br />
Tal estrutura cenográfica pontua uma ligação entre o espectador e a obra, funcionando, ao<br />
mesmo tempo, como uma espécie de “panóptipo” – no sentido utilizado por Michel Foucault<br />
–, dando-nos a sensação de estarmos sempre vigia<strong>dos</strong>, ainda que não a olhemos diretamente.<br />
Na arquitetura das prisões, como Foucault mostrou, há sempre uma torre alta de vigilância.<br />
Ainda que não haja efetivamente ninguém a vigiar, a sensação de controle permanece,<br />
lançando o indivíduo numa espécie de “autocontrole”. É ele próprio quem se vigia e se<br />
controla, pela ilusão de estar sendo controlado e vigiado. Trata-se de uma espécie de violência<br />
muito sutil e perniciosa. Essa estrutura, portanto, lança a platéia numa situação de violência,<br />
a de estar sendo vigiada, ao mesmo tempo que forma um elo com o palco.<br />
Como disse Gilsamara Moura (2000, p.18): “A aranha gigante e estática, que permanece<br />
durante todo o espetáculo em cima da platéia, observa a cena e nos deixa com a sensação<br />
de nunca estarmos sozinhos, metáfora de um outro tipo de violência. Enfim, tudo em<br />
Violência constrói registros que permanecem impressos para sempre”.<br />
A respeito da criação da trilha sonora, com a responsabilidade de ambientar um acontecimento,<br />
sua autora comentou em um longo depoimento: “O conceito de ambiência nasce do isolamento<br />
criado em ambos os la<strong>dos</strong> pelas placas de policarbonato (polipropileno ou poliuretano). Desde<br />
o começo a idéia foi usar recursos de áudio para que as fontes sonoras emitidas no palco (sons<br />
92 Estrutura de ferro estática permanece na platéia durante o espetáculo. De cima, Hedra Rockenbach dirige a trilha sonora.<br />
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