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espostas sobre dor (1994)<br />
What do you know about the pain?<br />
Respostas sobre Dor marcou uma passagem importante na<br />
trajetória do Grupo Cena 11 Cia. de Dança: foi o espetáculo<br />
que encerrou a produção de obras com duração menor que<br />
30 minutos. Até então, o tempo das coreografias respondia à<br />
demanda de participação em festivais competitivos e mostras<br />
de caráter amador, em geral menos de meia hora. Com<br />
meia hora, Respostas sobre Dor estreou em Florianópolis, no<br />
Teatro Álvaro de Carvalho, em 22 de novembro de 1994. Pela<br />
criação do trabalho, o coreógrafo Alejandro Ahmed foi um<br />
<strong>dos</strong> indica<strong>dos</strong> ao Prêmio Mambembe de Dança, da Fundação<br />
Nacional de Arte, Funarte, em 1995. Fato inédito na história<br />
da produção artística catarinense.<br />
Para o Cena 11, o ano de 1995 foi marcado pelo intenso desejo<br />
de profissionalização, o que se traduziu em uma forma de<br />
trabalho coerente com este anseio. Ensaios e aulas passaram<br />
a ser diários: enquanto Alejandro Ahmed comandava as aulas<br />
de <strong>dança</strong> contemporânea, a professora mineira Malú Rabelo<br />
se encarregava do balé clássico. Ao mesmo tempo, funções<br />
específicas se distribuíram por competência: Ahmed assumiu<br />
a direção artística da companhia, Anderson Gonçalves tornou-<br />
se figurinista, e Jussara Xavier, ensaiadora; coube a Fernando<br />
Rosa a concepção gráfica e a fotografia, além de dividir a<br />
cenografia com Karin Serafin, Gizely Cesconeto e Ahmed.<br />
Nessa época, pela primeira vez o grupo pôde contar com um<br />
profissional para planejar e executar a iluminação, Wilson<br />
Salvador.<br />
Música ao vivo, poesia microfonada, trânsito de bailarinos,<br />
sonoridades vocais sobrepostas... Já no início do espetáculo,<br />
várias ações de diferentes ordens povoavam a cena e iam<br />
construindo a arquitetura estética da companhia. No palco,<br />
microfones posiciona<strong>dos</strong> e uma tela ao fundo com mais de<br />
200 radiografias humanas como cenário. Esta pluralidade<br />
de eventos, antes mesmo de o grupo profissionalizar-se, se<br />
tornaria uma marca registrada nas produções dirigidas por<br />
Ahmed. A idéia que se tem é a de que o Cena 11 quer ocupar<br />
54 Capa do programa do espetáculo.<br />
to<strong>dos</strong> os espaços da cena (e não apenas o chão do palco), subvertendo convenções antigas<br />
e, por vezes, transgredindo-as.<br />
Outras diferenças vieram à tona. Em Respostas sobre Dor, a utilização da videocenografia<br />
foi inaugural e o recurso acabou sendo incorporado como marca à estética do grupo.<br />
Houve também o uso da corda indiana, deixando à mostra o interesse do coreógrafo<br />
em explorar novas possibilidades para a <strong>dança</strong>, como o espaço aéreo. Esse momento,<br />
no percurso do Cena 11, representou uma espécie de primeira delimitação de território:<br />
Respostas sobre Dor selecionou aquilo que seria incluído no sistema de comunicação do<br />
grupo, na visão do coreógrafo Alejandro Ahmed.<br />
A Quem a Criatividade Possa Interessar (1994), coreografia da mesma época de Respostas<br />
sobre Dor, começava com as bailarinas Jussara Xavier, Karin Serafin e Letícia Lamela de pé<br />
sobre as cadeiras do teatro. Experimentações com respiração, grito, poesia e movimento<br />
marcavam o início da apresentação. Pelo corredor da platéia a bailarina Letícia Testa<br />
carregava Alejandro Ahmed. “O que se vê, não se via. O que se crê, não se cria”, repetiam<br />
as bailarinas nas poltronas. Logo depois, suas vozes se sobrepunham à de Ahmed, já no<br />
palco, falando ao microfone de pedestal: “A quem a criatividade possa interessar ou a<br />
quem a criatividade possa incomodar. O que se vê, não se via. O que se crê, não se cria. O<br />
novo não vem da cabeça e o que vem dela se esqueça”. (AHMED, Alejandro)<br />
Platéia e palco ocupa<strong>dos</strong> mostravam um desejo de não ser convencional, de subverter o<br />
tradicional, de encontrar novos espaços, maneiras de comunicar e afetar o público. No<br />
desenrolar da cena, ações distintas a preenchiam: Ahmed ao microfone, o músico Gustavo<br />
Lorenzo com guitarra, a bailarina Marian Araújo mergulhava os braços numa grande taça<br />
com líquido azul e passava a mão pelo corpo. Havia outras bailarinas na platéia, quando<br />
o bailarino Anderson Gonçalves descia pelo espaço aéreo pendurado por uma corda. Com<br />
o fim da cena, Gustavo era suspenso enquanto tocava guitarra.<br />
“Enquanto” e “ao mesmo tempo” parecem surgir como palavras-chave do Cena 11.<br />
Mesmo que A Quem a Criatividade Possa Interessar, com os olhos de hoje, pareça ingênua/<br />
simples, ela detona uma estrutura que vai ganhar força em Respostas sobre Dor e singularidade<br />
na trajetória do Cena 11. Diversidade de ações, simultaneidade, busca pela subversão do<br />
estabelecido e exploração de limites (ocupação <strong>dos</strong> diferentes espaços, tipo de movimentação<br />
ligada ao risco, música clássica para movimentos não clássicos), procura por uma plasticidade<br />
cuida<strong>dos</strong>a (presente nos figurinos, objetos de cena, vídeo, maquiagem e estruturação das cenas),<br />
opção por um tipo de música incomum aos espetáculos de <strong>dança</strong> (rock pesado executado em<br />
tempo real; os músicos estão no palco como se o espetáculo fosse uma mistura de show com<br />
<strong>dança</strong>, e a postura de Ahmed ao microfone lembra muito a de um cantor) compõem o jeito de<br />
ser do grupo. É o Cena 11 recortando do universo o seu campo temático.<br />
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