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conceitos. São <strong>dança</strong>s criadas para o corpo do vídeo e para o olho que se habituou a<br />
conviver com televisão, vídeo e cinema. Merce Cunningham e Jan Fabre possuem muitas<br />
obras nessa interface. No Brasil, Analívia Cordeiro, Thelma Bonavita e Cristian Duarte<br />
fazem parte desta moldura.<br />
Como na prática anterior, o que interessa primordialmente é que a câmera dance com<br />
o bailarino e que o bailarino se coloque no espaço e no tempo da câmera. No olhar da<br />
câmera. Quando a <strong>dança</strong> é captada pelo olho da imagem, ela ganha uma outra existência.<br />
Na realidade, este jogo adaptativo permite o florescimento de novas práticas para a <strong>dança</strong><br />
e a modificação do corpo.<br />
Expandindo esta classificação, há ainda outro tipo de prática que envolve o movimento<br />
do corpo e o audiovisual: <strong>dança</strong>s que acontecem no palco com a presença de projeções,<br />
capturadas ou não em tempo real. Talvez a videocenografia (ela mesma um tipo de<br />
videoarte?) e demais formas de relação entre o corpo que <strong>dança</strong> e as câmeras também<br />
constituam outras ocorrências, ou subsistemas, neste panorama. Meg Stuart é um exemplo<br />
dessa manifestação.<br />
merce cunningham: mestre<br />
O coreógrafo americano Merce Cunningham (1919), em plena atividade, é uma referência<br />
imprescindível à investigação da <strong>dança</strong> com tecnologia. Desde a década de 1970, ele tem<br />
adaptado e criado <strong>dança</strong>s para as telas de vídeo e cinema.<br />
Nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, nessa mesma época, existia um programa de televisão 15 dirigido<br />
por Merril Brockway, na Public Bradcasting System, PBS, o Camera 3. O diretor trabalhou<br />
experimentalmente com vários coreógrafos. Em colaboração, eles decidiam o momento<br />
de cortes, ângulos para tomadas, entre outros aspectos. Cunningham, quando foi<br />
parceiro de Brockway, se deu conta de que o espaço da tela era diferente, por vezes<br />
parecendo limitado em relação ao palco. Em contrapartida, oferecia novas possibilidades<br />
de exploração para o movimento, inclusive com diferentes tipos de apreensão temporal,<br />
ângulos, recortes e outros detalhes não encontra<strong>dos</strong> num palco. Video Event foi a primeira<br />
obra de Cunningham recoreografada e exibida num programa de televisão. 16<br />
Seria difícil (e desnecessário) precisar a primeira video<strong>dança</strong> realizada em termos mundiais.<br />
Mas a primeira de Cunningham foi Westbeth, produzida em estúdio pelo filmmaker<br />
Charles Atlas, no outono de 1974, e lançada em 1975. Estava inaugurada a parceria entre<br />
os dois artistas, que geraria muitas outras obras. Westbeth é uma colagem de seis partes<br />
e foi baseada na constatação de que a televisão muda o nosso modo de olhar e altera<br />
nossa sensação de tempo.<br />
15 Existem muitas análises<br />
sobre a relação da <strong>dança</strong> com<br />
a televisão ou com as telas.<br />
O livro Parallel Lines: media<br />
representations of dance,<br />
editado por Stephanie Jordan<br />
e Danve Allen, apresenta<br />
discussões interessantes.<br />
16 Story (1964) e Variations<br />
V (1966) foram as primeiras<br />
coreografias documentadas.<br />
Uma obra originalmente concebida para a tela, uma screen choreography, é Squaregame<br />
Video, de 1976, outra parceria de Cunningham e Atlas. Nesta obra, Cunningham projetou<br />
a coreografia para o espaço de um quadrado. Locale (1980) marca a introdução da câmera<br />
móvel entre os bailarinos. O percurso coreográfico de Cunningham cresceu agregado às<br />
mu<strong>dança</strong>s tecnológicas, no decorrer <strong>dos</strong> anos.<br />
Experimental, ao utilizar a técnica recém-descoberta do<br />
cromakey, que possibilita a sobreposição de imagens,<br />
é Blue Studio: Five Segments (1976), de Charles Atlas.<br />
Cunningham ia preparar uma coreografia para um<br />
grupo de bailarinos quando descobriu que o espaço<br />
para a filmagem era pequeno e o chão, de cimento.<br />
Resolveu trabalhar sozinho com pequenos solos.<br />
Utilizou, então, trechos da sua performance Septet,<br />
filmada em Helsinque no ano de 1964, uma entrevista<br />
que concedeu a Russel Connor e outra de Connor com<br />
Marcel Duchamp, com 20 anos de diferença entre elas.<br />
A segunda parte da obra, Merce and Marcel (1976), foi<br />
filmada por Nam June Paik, o pai da videoarte. Uma<br />
pergunta é recorrente no trabalho: “Can you reverse the time? Can you reverse the time<br />
and bring back Marcel Duchamp?” (Você pode reverter o tempo? Você pode reverter<br />
o tempo e trazer de volta Marcel Duchamp?). As duas décadas de intervalo entre as<br />
entrevistas, o ir e vir das imagens e a repetição evidenciam a importância do fator tempo,<br />
modelado tanto pela <strong>dança</strong> quanto pelo vídeo. Com a edição (repetição) e o emprego da<br />
técnica da colagem, tempo e movimento podem ser reversíveis.<br />
Eis uma obra-prima da video<strong>dança</strong>!<br />
dv8 e win vandekeybus<br />
Desde a década de 1980 o DV8 Phisical Theatre, grupo sediado em Londres (www.dv8.<br />
co.uk), tornou-se conhecido por duas peculiaridades. Promotoras de uma discussão social<br />
sobre sexualidade, masculinidade e homoerotismo, as coreografias de Lloyd Newson<br />
transpiram vigor, sedução e contato físico intenso. A outra singularidade está em como o<br />
DV8 desenvolve seu repertório: cria <strong>dança</strong>s para o palco que depois são recriadas para a<br />
tela. Com isso, consegue discutir as diferenças e possibilidades de um meio para o outro,<br />
hibridizando sua gramática e aumentando o público da <strong>dança</strong>, na medida em que um<br />
vídeo pode ser reproduzido simultaneamente em vários lugares.<br />
Frame de Blue Studio: Five Segments, video<strong>dança</strong> pioneira de Charles Atlas e Merce Cunningham. 39