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a dança dos encéfalos acesos

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Do ponto de vista do corpo, se for lançado um olhar mais cuida<strong>dos</strong>o para A Quem a<br />

Criatividade Possa Interessar e depois para Respostas sobre Dor, pode detectar-se uma<br />

semelhança de movimentos coreográficos. Do ponto de vista evolutivo são movimentos,<br />

células e seqüências que permanecem na passagem de uma obra para outra, mas que<br />

sofrem pequenas (ou grandes) variações. Como o interesse aqui não é fazer notação de<br />

movimento, até porque a escrita humana deixaria a desejar diante do registro de uma<br />

câmera ou mesmo de um software específico, vale registrar, em termos gerais, que tipo<br />

de ação vai ganhando estabilidade e permanência.<br />

No corpo, o tronco mexe sinuosamente, aparecem as pegadas (espécie de pas-de-deux<br />

que se subverte quando a bailarina segura o bailarino ou quando os corpos procuram<br />

por novos encaixes) e os abandonos. Jazz e balé se misturam. As células de movimento<br />

do risco, tão evidentes nos trabalhos mais recentes, aparecem pela primeira vez. Paradas<br />

de mão. A coreografia se desdobra entre os níveis do chão e do ar. Um corpo sustenta o<br />

outro usando encaixes. O músico toca guitarra suspenso.<br />

As experimentações, os arranjos de idéias, a tentativa de sintaxe entre vários interesses,<br />

que passam pela imagem e pela palavra, são notáveis, apesar da simplicidade em termos<br />

de composição coreográfica. Ainda estruturada com formações parecidas com as do<br />

balé clássico (pas-de-deux, trios e grupos), quase sempre com sincronicidades (quando<br />

os bailarinos <strong>dança</strong>m juntos o mesmo movimento como se fosse um coro numa só voz),<br />

alguns canons (quando há distância de um ou dois tempos entre a execução do movimento<br />

do primeiro bailarino para o segundo e assim por diante). As quebras desta organização<br />

aparecem no momento em que cada <strong>dança</strong>rino assume uma seqüência de movimento<br />

diferente, o que faz surgir a desordem e o caos. É com esse tipo de experiência que o<br />

sistema coreográfico desenvolvido por Ahmed vai começando a ganhar um corpo próprio,<br />

ou seja, singularidade. Essa descrição nos mostra também que as idéias e informações,<br />

ou melhor, as informações de movimento contidas no corpo ganham “descendência com<br />

transformação”, como foi discutido na introdução.<br />

Já o tratamento dado ao corpo e ao movimento passa a estabelecer a sua inventividade<br />

através da junção do jazz e do balé, somada à de outros apoios do corpo além <strong>dos</strong><br />

pés, como ombros, paradas de mão e a exploração de sonoridades vocais agregadas ao<br />

movimento. Este processo de inventividade do corpo ganha contornos mais defini<strong>dos</strong> com<br />

o tempo e com as coreografias posteriores.<br />

Um <strong>dos</strong> momentos “altos” de Respostas sobre Dor é a cena DOR – Sensação e Prazer,<br />

em que um vídeo é projetado. O fundo do palco é ocupado pelas imagens do bailarino<br />

Anderson Gonçalves de cabeça (raspada) para baixo, torso nu, se contorcendo e girando<br />

na corda indiana. Com efeitos de edição, contrastes, frames lentos e uso de grandes closes,<br />

uma poética se anuncia. Enquanto isso, Alejandro Ahmed e Marian Araújo <strong>dança</strong>m, na<br />

58 Alejandro Ahmed.<br />

frente da tela, com uma flor na boca. As imagens do bailarino<br />

são sucedidas pelas da bailarina Letícia Testa com um tutu<br />

preto. Formam-se duas duplas, uma real e outra virtual. A<br />

corda, no vídeo, sustenta um <strong>dos</strong> casais. Memória e presença<br />

nas imagens do vídeo e da <strong>dança</strong>. As flores chicoteiam o corpo.<br />

Corpos se atiram.<br />

Rosas indicam perfume e espinhos.<br />

Esse espetáculo, em relação aos outros, tem uma distância curta<br />

de suas referências. Respostas sobre Dor é um primeiro resultado<br />

da pesquisa entre palavra e movimento. É importante lembrar<br />

que estudar o trabalho de uma companhia de <strong>dança</strong> (ou qualquer<br />

outro objeto ou fenômeno que se deseje conhecer) implica considerar sua trajetória como<br />

um processo evolutivo e semiótico. Um processo contínuo de complexificação.<br />

Há muito de O Novo Cangaço, o espetáculo seguinte na trajetória histórica do grupo,<br />

nas coreografias de Respostas sobre Dor e A Quem a Criatividade Possa Interessar.<br />

Movimentos, coreografias e a cena como um todo dão a idéia de coragem, de risco e de<br />

visceralidade. Além disso, há células de movimentos, manobras e desarticulações, que<br />

se associariam à estética do Cena 11, tanto quanto a interação entre platéia e público,<br />

música ao vivo, o uso da poesia e das tecnologias. Essas características apontam para<br />

o entendimento de que este espetáculo funcionou como uma definição de universos,<br />

recortes e escolhas coladas juntas numa proposta de cena. Um start de organização, de<br />

exploração e de tentativas de misturar línguas. Misturar vocabulários no corpo e na <strong>dança</strong>,<br />

vin<strong>dos</strong> de outras mídias, como música e vídeo.<br />

To<strong>dos</strong> esses elementos cita<strong>dos</strong> dão corpo à assinatura do grupo. O processo evolutivo,<br />

verificável na observação e no estudo da trajetória de qualquer coreógrafo ou grupo de<br />

<strong>dança</strong>, ganha visibilidade no percurso do Cena 11.<br />

A poesia O Novo Nasce do Fóssil, incorporada ao espetáculo O Novo Cangaço, mostra<br />

um interesse forte por este tipo de informação. Ou melhor, revela o interesse do<br />

coreógrafo de pensar em termos de multimídia, não apenas o movimento lhe interessa.<br />

Vários tipos de informação compõem a sua maneira de coreografar, e ele se mantém<br />

comprometido com elas. Além disso, a observação no início deste parágrafo revela o<br />

quanto um espetáculo antecipa o outro. Como se O Novo Cangaço estivesse contido ali. A<br />

possibilidade de olhar para o passado para compreender o presente e perceber que uma<br />

obra vai gerando a seguinte, pelo fato de um mesmo universo de idéias ser selecionado.<br />

Como disse Alejandro Ahmed: “O novo nasce do fóssil”.<br />

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