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Afinal, trata-se do reino da gênese bíblica. In’perfeito parte do Livro do Gênese para levar muito<br />
longe a questão das perguntas sobre quem somos e para onde vamos”. (KATZ, 1998, p.D3)<br />
O corpo, com a tecnologia e as próteses, amplia sua potência e é fator de complexidade<br />
para o movimento. Os recursos tecnológicos amplificam e enredam o corpo. O corpo é<br />
carne, tato é parede, visão é olho de peixe, voz é microfone, perna é de pau. O corpo está<br />
espacializado e estendido até o espectador: corpo surround.<br />
marionetes da gravidade<br />
A articulação e a desarticulação do movimento levam a<br />
pensar no movimento de marionetes. In’perfeito constrói<br />
este corpo, a idéia de manipulação e a possível violência<br />
que isso pode transportar.<br />
É interessante apontar que a pergunta “o que dá forma?”<br />
conduz o coreógrafo a pensar nos ossos e a explorar uma<br />
maneira de formalizar a proposta do seu movimento, vinda<br />
da articulação e desarticulação do corpo. Exatamente como<br />
uma marionete, para a qual conseguimos dar movimento<br />
justamente pelas suas juntas, que tornam o corpo móvel.<br />
Uma boneca sem articulações não tem movimento.<br />
Por isso, Ahmed tem um compromisso visceral com a informação. Informar significa dar forma,<br />
como os ossos dão forma ao corpo. Não à toa, DNA (informação em forma de instrução que<br />
dá forma aos corpos), Deus, engenharia genética, vida e criação aparecem em In’perfeito. Esta<br />
é a grande indagação que reencarna espetáculo após espetáculo nas obras do coreógrafo: “O<br />
que dá forma? De onde vem o movimento? Vem de fora ou de dentro?”<br />
Quando um criador tem uma pergunta, ela o persegue por toda a vida e ganha em cada<br />
obra uma resposta, uma implementação. Alejandro Ahmed formulou uma questão, que vem<br />
sendo respondida pelo corpo, no decorrer da trajetória do Cena 11, o que faz do postulado<br />
“a <strong>dança</strong> é o pensamento do corpo” uma verdade, e da <strong>dança</strong> uma forma de conhecimento,<br />
já que perguntas desse tipo indicam o corpo como o melhor condutor de respostas.<br />
O cenário de In’perfeito nos remete à idéia de laboratório. A luz branca reforça esta impressão.<br />
Como se o Cena 11 estivesse mostrando nos corpos que <strong>dança</strong>m os resulta<strong>dos</strong> desta pesquisa.<br />
O estado da imperfeição, do precário, do inacabado e a borração <strong>dos</strong> limites.<br />
As seqüências ganham fluidez. Os corpos caem no chão com tranqüilidade, como se o<br />
80 Dobras nas articulações levam ao movimento das marionetes humanas,<br />
com os bailarinos Alejandro Ahmed e Karina Collaço.<br />
abandono os puxasse. Como se as mãos que seguravam a marionete largassem o controle.<br />
As paradas de mão (inversão do corpo) recebem uma nova implementação. Marionetes de<br />
carne viva com algum controlador invisível.<br />
O movimento é torto, desmembrado, rabisca o ar, borra o espaço. As frases são unidas<br />
pela desarticulação, o corpo parece ser manipulado. Os duos, muitas vezes, são encaixes<br />
entre os corpos que se alternam entre delicadeza e violência. Os corpos andam, correm,<br />
se arrastam, rolam, caem.<br />
De imediato, percebe-se a complexificação (e complexidade) <strong>dos</strong> movimentos e a<br />
singularização de uma assinatura, visível no trabalho de exploração das articulações. No<br />
documentário realizado por Victor Lopes algumas declarações anunciam tal complexidade.<br />
A bailarina Elke Siedler diz: “Nosso trabalho é muito complexo porque tem muitos<br />
detalhes, muitas quebras de articulações”. E Ahmed completa: “Essa quebra é pensada<br />
para equilibrar essa delicadeza com essa rispidez e fazer disso um movimento sólido”.<br />
Para Katz, “o diferencial básico entre O Novo Cangaço, a obra anterior, e In’perfeito, a<br />
mais recente, está na soltura adquirida pelos movimentos e no aumento da taxa de ironia.<br />
As desarticulações do corpo estão agora na linha de frente, demonstrando um início de<br />
construção de uma outra maneira de <strong>dança</strong>r do seu ótimo elenco”.<br />
somos inclassificáveis<br />
In’perfeito foi concebido por Alejandro Ahmed e realizado por um coeso trabalho de<br />
equipe. Estreou em 4 de outubro de 1997, no Teatro do Centro Integrado de Cultura, em<br />
Florianópolis. O espetáculo encerrou o Confort em Dança – 2ª Mostra Nacional, no Teatro<br />
Sérgio Car<strong>dos</strong>o, em São Paulo, evento que funcionava como vitrine para grupos brasileiros<br />
de <strong>dança</strong> contemporânea. Como escreveu Marcos Bragato, “O Confort em Dança 97,<br />
[...] que tem caráter nacional [...] serviu também para mostrar que há vida inteligente<br />
fora do eixo Rio-São Paulo. Dois nomes confirmam essa assertiva: Henrique Rodovalho,<br />
de Goiânia, e Alejandro Ahmed, de Florianópolis. Dois nomes que redistribuem o mapa<br />
da <strong>dança</strong> brasileira. [...] Ahmed, como poucos na <strong>dança</strong> nacional, amplifica o diálogo<br />
do corpo – seja através da própria emissão de contagiantes aforismos cadencia<strong>dos</strong> pelas<br />
batidas sonoras, seja através de eventos plásticos e/ou mesmo da desmontagem <strong>dos</strong> ossos<br />
<strong>dos</strong> corpos <strong>dos</strong> <strong>dança</strong>rinos do Cena 11”. (BRAGATO, 1998)<br />
Por este espetáculo, Ahmed foi premiado, em 1997, na categoria Melhor Concepção<br />
Cênica, pela Associação Paulista de Críticos de Arte, APCA, e indicado nas categorias<br />
Melhor Espetáculo e Melhor Cenografia do Prêmio Mambembe de Dança, em dezembro.<br />
Ainda nesse ano, o coreógrafo recebeu o Prêmio Mérito Cultural Cruz & Souza, da<br />
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