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a dança dos encéfalos acesos

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de informação evoluem semelhantes aos processos biológicos, há inerência para a<br />

transmissão, variação e seleção.<br />

Com isso, Dawkins deu os primeiros passos rumo a uma teoria conhecida hoje por<br />

Memética. 5 Seu conceito de meme tem recebido diversas reflexões, estu<strong>dos</strong> e críticas,<br />

alguns tentando realmente saber qual seria o conteúdo <strong>dos</strong> memes, visto que conhecemos<br />

o conteúdo <strong>dos</strong> genes, as moléculas de DNA.<br />

Não é objetivo deste trabalho entrar no mérito de tal discussão neste momento. Sua<br />

citação tem o intuito de brevemente contextualizar o assunto. A Teoria da Evolução das<br />

Espécies em primeiro lugar e depois a Teoria da Evolução Cultural são aqui tratadas como<br />

instrumentos que nos ajudam a pensar o desenvolvimento das idéias nos espetáculos do<br />

Grupo Cena 11 Cia. de Dança. Neste sentido, cabe agora retomar o conceito de evolução<br />

e expandi-lo até a hipótese da coevolução.<br />

Segundo William H. Durham, é de Charles Darwin a melhor e mais concisa definição de<br />

evolução: “descendência com modificação”. 6 Em seu livro Coevolution – Genes, Culture,<br />

and Human Diversity (1991), o autor nos instrumentaliza a pensar na relação entre o<br />

sistema genético e o sistema cultural. Para ele, “o desenvolvimento da teoria ideacional na<br />

antropologia reenfatiza que seres humanos são possuidores <strong>dos</strong> dois maiores sistemas de<br />

informação, um genético e um cultural. Isso lembra-nos fortemente que ambos os sistemas<br />

têm o potencial para transmissão ou ‘herança’ através do tempo e do espaço, que ambos têm<br />

efeitos profun<strong>dos</strong> no comportamento do organismo, e que ambos são simultaneamente<br />

co-residentes em cada e toda vida <strong>dos</strong> seres humanos” (DURHAM, 1991, p.9). 7<br />

Genes e cultura constituem, portanto, sistemas de informação organizada que produzem<br />

intensa influência nos fenótipos humanos e “que ambos são capazes de transformação<br />

evolucionária através do espaço e do tempo” (DURHAM, 1991, p.154). 8 Em ambos os<br />

sistemas “a mu<strong>dança</strong> evolutiva mostra propriedades da multiplicidade – que é a existência<br />

de múltiplas causas que são forças de transformação – e seletividade, ou a propensão para<br />

a transmissão diferencial e não-randômica de variantes” (DURHAM, 1991, p.154). 9<br />

A expressão coevolution é uma extensão lógica do termo darwiniano coadaptation<br />

(DURHAM, 1991, p.166), que foi originalmente cunhada por Paul Ehrlich e Peter Raven<br />

(1964) “[...] para referir a evolução genética interdependente em duas espécies, como<br />

na coevolução das borboletas em suas plantas hospedeiras [...]. Eu uso o termo para<br />

descrever a ação paralela da seleção cultural e da seleção genética na evolução de<br />

fenótipos humanos, especialmente comportamentos” (DURHAM, 1991, p.166). 10<br />

Em palavras simples, a coevolução carrega o entendimento de que a evolução é uma<br />

troca constante de informações entre o organismo e o meio ambiente. Ambos os la<strong>dos</strong><br />

5 Para mais informações,<br />

consultar o Principia Cybernetica<br />

Web no endereço eletrônico<br />

http://pespmc1.vub.ac.be/ e os<br />

outros livros de R. Dawkins: O<br />

rio que saía do Éden (1995);<br />

Extended phenotype: the long<br />

reach of gene (1989); e A<br />

escalada do monte improvável<br />

(1996).<br />

6 “Descent with modification”<br />

(DARWIN apud DURHAM,<br />

1991, p. 21).<br />

7 “The development<br />

of ideational theory in<br />

anthropology re-emphasizes<br />

that human being are<br />

possessed of two major<br />

information systems, one<br />

genetic, and one cultural. It<br />

forcefully reminds us that both<br />

of these systems have the<br />

potential for transmission or<br />

‘inheritance’ across space and<br />

time, that both have profund<br />

effects on the behavior of<br />

organism, and that both are<br />

simultaneously co-resident in<br />

each and every living human<br />

being” (DURHAM, 1991, p.<br />

9).<br />

8 “[...] and that both are<br />

capable of evolutionary<br />

transformation through<br />

space and time” (DURHAM,<br />

1991, p. 154).<br />

9 “[...] evolutionary change<br />

in both systems exhibits the<br />

properties of multiplicity<br />

– that is, the existence of<br />

multiple causal forces<br />

of transformation – and<br />

selectivity, or the propensity<br />

for non-random differential<br />

transformation of variants”<br />

(DURHAM, 1991, p. 154).<br />

10 “[…] to refer to<br />

interdependent genetic<br />

evolution in two species,<br />

as in the coevolution of<br />

butterflies and their host<br />

plants. […] I use the term<br />

to describe the parallel<br />

action of cultural selection<br />

and genetic selection in<br />

the evolution of human<br />

phenotypes, especially behaviors”<br />

reorganizam-se. A hipótese coevolutiva pretende, portanto, traduzir o funcionamento<br />

<strong>dos</strong> sistemas vivos em vias gerais, em seu aspecto ontológico. As coisas vivas coevoluem<br />

com seu ambiente. Corpo e ambiente indubitavelmente interagem. Natureza e cultura<br />

não são instâncias separadas. E, quando tratamos de <strong>dança</strong>, o corpo assume uma posição<br />

de privilégio desta transformação, pois é no corpo que a contaminação ocorre e pode<br />

ser verificada.<br />

“Mergulhar no universo da <strong>dança</strong> – seja ela de que espécie for – é tratar das suas<br />

relações com o corpo que a faz existir e, portanto, é também se defrontar com a<br />

impossibilidade de separar a natureza deste corpo da cultura que ele produz. Homem<br />

e artefato, inexoravelmente embrenha<strong>dos</strong> no tecido evolutivo, tratando de revelar ao<br />

planeta (e a to<strong>dos</strong> os lugares por onde vaze a informação que dele emana) que esta é<br />

uma ação inseparável, responsável por um incrível aumento de complexidade, trazido<br />

não só pela diversidade de corpos e idéias, como também pelo caminho evolutivo que<br />

eles traçam” (IMPARATO, 1999, p.38).<br />

A relação entre o universo que o Cena 11 habita e o tipo de <strong>dança</strong> que formula tem no<br />

corpo o lugar privilegiado para expandir-se. Isso traduz um entendimento coevolutivo<br />

entre homem e ambiente, corpo e máquina, carbono e silício. O corpo é o lugar<br />

permanente do trânsito entre natureza e cultura.<br />

O corpo é mídia de seu estado, do jeito que as informações ali se organizaram. O corpo<br />

expressa o que ele é.<br />

“Caso as hipóteses que reivindicam o conhecimento como sendo um resultado<br />

coevolutivo entre homem e ambiente em tempo real estejam mesmo certas, isso<br />

implica que basicamente esse conhecimento ocorre no corpo, inteiramente carnificado/<br />

encarnado nele” (KATZ, 2000, p.D3).<br />

Este livro está dividido em três partes.<br />

No capítulo 1 desenhamos um mapa da <strong>dança</strong>-tecnologia, onde apontamos regiões e<br />

representantes de linhas de investigação. Apresentamos também a hipótese que insere o<br />

Grupo Cena 11 Cia. de Dança neste contexto.<br />

O capítulo 2 colocou seis coreografias da companhia no microscópio. Os espetáculos<br />

estuda<strong>dos</strong> representam estágios de seu processo de singularização. São etapas evolutivas<br />

que, no tempo, se especializam. O Cena 11 apresenta um corpo onde as informações<br />

migram e se contaminam. As descrições que geraram análises nos ajudam a entender<br />

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