Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
60<br />
“Lidar com o novo, ainda que fundamentado no clássico, implica coragem de experimentar,<br />
trabalhar, mostrar e provar que é possível recriar o que, por vezes, acreditamos já estar<br />
pronto” (AHMED, 1995, p.11)<br />
textos do espetáculo<br />
Quando me falaram a primeira vez sobre ela, me lembrei de já tê-la visto meia dúzia de vezes,<br />
muito pouco com certeza para quem quisesse conhecê-la. E apesar de até então ela mostrar-se<br />
aos meus olhos com as roupas a que to<strong>dos</strong> dizem não, eu queria, aliás, inconscientemente eu até<br />
precisava conhecê-la. Mesmo que meu íntimo gritasse que é impossível totalmente compreendê-<br />
la, pois esta é a lei, a lei de sobrevivência para to<strong>dos</strong> que acreditam no poder de suas fronteiras.<br />
(As fronteiras são limites geralmente ultrapassa<strong>dos</strong><br />
E ultrapassa-se limites até mesmo ilimita<strong>dos</strong><br />
Quem limita-se a fronteiras não conhece o outro lado<br />
Quem conhece vai sozinho e não volta acompanhado.)<br />
E ela chegava com seus cabelos de gelo negro pesando sobre os ombros. Suas pupilas<br />
entravam no meu corpo com gosto de uísque da noite passada.<br />
Minhas palavras eram dela e meu silêncio nosso.<br />
Meus beijos lambiam seus dentes que mordiam minha percepção de distância física.<br />
Meu corpo não estava mais ali, e eu, eu não queria mais o meu corpo. Eu queria o espírito<br />
da minha pele roçando as giletes que continham seu sorriso. Eu queria ouvir mas não<br />
ouvia nada. Meu tato estava revestido de presença ausente, e sua imagem em preto-e-<br />
branco de tanto eu lembrar suas cores. E eu ouvia só o seu nome (não chorava, nem ria),<br />
descobria então o seu nome (não sentia nada).<br />
O seu nome<br />
Ausência<br />
O seu nome<br />
Ausência<br />
Eu ouvia seu nome<br />
E seu nome era DOR.<br />
Nua<br />
Crua<br />
Pele<br />
Tua<br />
Quente<br />
Ausente<br />
Sua<br />
e<br />
Sua<br />
Minha carne vive até quando<br />
Tua pele a faça mais viva<br />
Carne viva<br />
Enquanto o acaso esculpe a musa<br />
Em meus olhos cravam-se pincéis<br />
E secciono a luz para pintar perfeição:<br />
A ferida aberta vestida de noiva<br />
Desculpa por não poder ver-te<br />
Por gostar demais de personagens<br />
E muito pouco de gente<br />
Desculpa por querer querer-te<br />
Por arrancar as folhas do epílogo<br />
E dizer que o livro mente<br />
Desculpa por gritar silêncio<br />
E querer calar o mundo<br />
Por render-me ao acaso<br />
E ter um coração vagabundo<br />
Pelo beijo demorado<br />
Por tudo dar errado<br />
Por tudo ter sido certo<br />
Pelo beijo não dado<br />
Pelo fuzil engatilhado<br />
Mas de covarde gatilho travado<br />
Pelos pulsos sangrando<br />
Sem ao menos tê-los cortado<br />
Por saber ser meu carrasco<br />
Mas não saber<br />
Ser assassino<br />
Alejandro Ahmed<br />
61