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a dança dos encéfalos acesos

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Não te fiz<br />

Costura os olhos<br />

e vê<br />

O infindo<br />

Mora num outro.<br />

8. PERFEITO<br />

11, 14, 16<br />

Cada vez que meu corpo foge da tua imagem,<br />

distancio o risco da perfeição e torno-me mais humano.<br />

o estado do inacabado<br />

A <strong>dança</strong> parece ter herdado para si o território <strong>dos</strong> corpos perfeitos. Mas não para o<br />

Cena 11, que transforma o imperfeito, o esquálido, o torto, o esquisito e o diferente em<br />

beleza e impulso para outra espécie de virtuosismo: o estado do inacabado no corpo. Mais<br />

ou menos como se o corpo pudesse <strong>dança</strong>r desafinado. Ou como se o movimento fosse<br />

jogado no ar e não tivesse uma terminação precisa. É o estado do inacabado no corpo.<br />

O ponto de partida de In’perfeito foi o limite físico <strong>dos</strong> corpos. Limite aqui considerado<br />

alavanca e não limitação. São da<strong>dos</strong> novos parâmetros para a produção desta <strong>dança</strong>, basea<strong>dos</strong><br />

principalmente no corpo do coreógrafo Alejandro Ahmed, vítima de fragilidade óssea.<br />

O coreógrafo se perguntou: “Como falar com o corpo o imperfeito? Como trabalhar<br />

essas idéias nos corpos de bailarinos que se olham seis horas por dia no espelho e onde<br />

a perfeição mora num pé esticado? Cabe ou não ao homem a responsabilidade da<br />

perfeição? O que é preciso para dar forma? O que ordena o caos a ponto de gerar vida?<br />

A quem cabe a responsabilidade da vida? Quem somos? Para onde vamos?”<br />

As oito cenas que compõem o espetáculo procuram respostas. Subdivididas em 23 situações,<br />

se relacionam aos 23 pares de cromossomos humanos. Em In’perfeito, as divisões não se<br />

apresentam tão demarcadas como no caso de O Novo Cangaço. Parecem mais continuadas,<br />

com os limites menos claros entre início e fim. Esta borração de limites é equivalente à que<br />

se manifesta no movimento (parece inacabado, rascunhado), nos duos (qual é o limite de<br />

um corpo quando encontra o do outro?), nas próteses utilizadas (que estendem e ampliam<br />

as fronteiras do corpo e nos fazem perguntar: até onde ele vai?).<br />

Esta implementação do inacabado se revela também na maquiagem, que é disforme na<br />

boca e nos olhos, como se uma mão trêmula a tivesse feito. As unhas são mal pintadas e<br />

uma espécie de esparadrapo cinza cobre os seios.<br />

O título In’perfeito é escrito com a letra “n” invertida, como na grafia <strong>dos</strong> disléxicos. Uma<br />

outra referência para a inversão da letra foi encontrada no site do grupo Nine Inch Nails,<br />

(www.nin.com) uma das referências musicais do Cena 11.<br />

In’perfeito começa na platéia. Batidas eletrônicas e luz estroboscópica jogam o<br />

espectador para dentro do espetáculo. Somos pegos de surpresa. O bailarino Alex Guerra<br />

(mais tarde substituído por Gregório Sartori) anda de um lado para o outro, do alto de<br />

suas pernas de pau. É preciso levantar a cabeça e girar o pescoço para acompanhá-lo. O<br />

bailarino se dirige ao palco, levando nossa atenção até lá. Quando as cortinas se abrem,<br />

há movimento: bailarinos andam e correm pelo palco, provocando fortes expirações<br />

do ar, fazendo com que o corpo se projete para a frente. Vozes incompreensíveis e<br />

sobrepostas. Em termos de composição coreográfica é o caos gerando organização. O<br />

cenário, que na obra anterior estava no fundo do palco, se deslocou para o meio dele.<br />

É impactante: invade e atravessa o espaço cênico.<br />

Parte da <strong>dança</strong> são corpos que arrastam<br />

corpos. Mãos soqueiam os próprios<br />

torsos. De<strong>dos</strong> são como facas e fingem<br />

rasgar braços e peitos. Sinal-da-cruz é<br />

feito nas testas. Corpos se jogam uns<br />

contra os outros com força. Braços<br />

puxam e impulsionam o movimento. A<br />

exploração do trabalho coreográfico<br />

em pares, os cromossomos, é<br />

praticamente a base da composição.<br />

No vídeo projetado, o foco está<br />

na diferença que aparece na relação<br />

perfeito-imperfeito. Esta discussão é<br />

visível na altura da perna de pau em relação aos corpos normais e na exposição do corpo com<br />

necessidades especiais da bailarina convidada Maria do Socorro <strong>dos</strong> Santos, que <strong>dança</strong> na cadeira<br />

de rodas. As imagens trazem à cena elementos como osso, carne, corpo, boneco, palhaço, óculos,<br />

bota, microfone. O orgânico e o inorgânico se misturam e também evocam diferença.<br />

Em vários níveis de análise, há um salto entre O Novo Cangaço e In’perfeito. Para<br />

ganhar estabilidade, os movimentos se transformam, guardando permanências, mas se<br />

reconfigurando para gerar o novo. Tudo se amplifica, ganha expansão: os movimentos<br />

<strong>dos</strong> corpos, o cenário, as próteses, as imagens, a música. In’perfeito pontua um momento<br />

decisivo na história do Cena 11. Em nível sistêmico, a auto-organização promoveu sínteses<br />

76 Cenário impactante, ponte de ferro de 13 metros atravessa o palco.<br />

77

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